A rainha ainda chamou mais alguns nomes, mas os que foram chamados pareciam não estar na sala do trono. Finalmente indicou uma figura vestida de marrom, que à primeira vista parecia assustadora.
— Nuramon do clã Weldaron, a sua hora chegou.
Um murmúrio tomou conta dos elfos aglomerados.
Uma elfa se destacou de um dos grupos, dando um passo à frente. Parecia mais surpresa que os demais.
— Minha soberana, você gostaria mesmo de expô-lo a esse perigo? Você conhece a sua sina!
— Foi por isso mesmo que o escolhi.
Mandred encarou furtivamente o elfo de cabelos castanhos. Ele parecia inseguro. Certamente não era um caçador experiente!
— Amanhã cedo a Caçada dos Elfos deve partir para matar o monstro de que nos contaram. E você, Mandred Filho de Humanos, será o líder, pois conhece a fera e as terras que ela assola.
O murmurar na sala cessou repentinamente. Mais uma vez, Mandred sentia todos os olhares pousarem sobre ele. Ele não podia acreditar no que Emerelle acabara de dizer. Ele, o menos nobre aos olhos dos presentes, fora escolhido para liderar a Caçada dos Elfos! Queria apenas que Freya estivesse ao seu lado agora.
Nuramon estava de pé no meio do seu quarto. A rainha convocara sete elfos para a Caçada dos Elfos, e havia sete quartos. Os aposentos foram construídos para que os caçadores pudessem se equipar e descansar. Era ali que os seus parentes prestavam-lhe as honras. E ali estava ele, completamente sozinho.
O quarto tinha paredes e teto ricamente decorados com afrescos e incrustados de pedras cor de âmbar que irradiavam uma luz quente. Na parede à direita de Nuramon havia um nicho onde repousavam algumas armas e outros equipamentos, mas também enfeites e joias cujos poderes mágicos ele podia sentir. Algum dia os seus predecessores carregaram tudo aquilo na Caçada dos Elfos. Quando voltavam da caçada sempre deixavam algo nos quartos.
Por ter sido chamado, Nuramon podia se apoderar de algumas dessas peças — ao menos foi o que Farodin lhe disse. Mas ele não queria tomar para si nenhuma dessas coisas; também não queria tirar o seu brilho. Então o seu equipamento permaneceu sendo apenas o que já possuía, o que, aliás, não era muito. Os costumes exigiam que os parentes o encontrassem aqui para prestar auxílio e equipá-lo. Mas o banco de pedra diante do nicho não estava servindo de assento para nenhum parente, nem guardando qualquer presente.
A rainha não lhe prestara uma grande honra ao convocá-lo para a Caçada dos Elfos? Ele não merecia que, como era de hábito, o seu clã viesse até ele para demonstrar sua alegria? Em vez disso, todos se mostraram surpresos. Sequer se esforçaram para cochichar quando zombavam dele. Ele era um renegado, e tinha certeza de que nem mesmo a rainha seria capaz de mudar isso.
E o que mais havia neste mundo que o prendesse aqui, com a exceção de Noroelle? Seus pais já haviam partido para o luar havia muito tempo. Não tinha irmãos, somente poucos amigos. Só havia Noroelle. Somente ela parecia não se afligir com seu legado. Se tivesse ouvido a decisão da rainha, certamente teria dividido com ele a sua alegria. Teria vindo até ele neste cômodo.
Nuramon ouvira as histórias da última Caçada dos Elfos. Os companheiros afastaram um líder troll de Kelpenwall. As famílias ofereceram armas e todo o tipo de preciosidades para os guerreiros escolherem. E aqueles cujos presentes foram escolhidos pelos caçadores encheram-se de orgulho.
Neste momento, enquanto estava ali sozinho, seus companheiros certamente recebiam equipamentos nos outros quartos. Com certeza também havia algumas pessoas com o filho de humanos. Nuramon perguntou a si mesmo se um elfo já invejara um humano alguma vez antes.
O barulho de passos diante da porta tirou-o de seus pensamentos. Virou-se na esperança de que fosse algum de seus primos, primas, tios, tias ou qualquer um de sua família. Mas antes que a porta se abrisse, Nuramon ouviu uma voz feminina chamar o seu nome. A porta se abriu. Uma elfa vestida com uma túnica cinza de feiticeira adentrou o quarto.
— Emerelle — disse ele, surpreso. A soberana tinha agora um aspecto totalmente diferente. Parecia menos uma rainha e mais uma feiticeira viajante de grandes poderes. Seus olhos castanhos-claros brilhavam à luz das pedras e nos seus lábios havia um sorriso. — Você veio até mim? — perguntou ele.
Ela fechou a porta.
— E parece que sou a única. — Aproximou-se dele com tamanha elegância e autoridade que Nuramon pensou ter diante de si uma elfa dos tempos das sagas heroicas. A rainha presenciara esses grandes tempos. Ela não fora gerada de elfos; descendia diretamente dos albos e os vira antes que deixassem o mundo. Em algum lugar deste castelo Emerelle escondia a sua Pedra dos Elfos, a joia que herdara dos albos e que ela só deveria utilizar para segui-los. Mas, então, por que viera até ele como uma maga?
Como se lesse os seus pensamentos, ela respondeu:
— É uma tradição que a rainha faça uma visita a cada membro da Caçada dos Elfos. E como ouvi vozes em todos os lugares, exceto no seu quarto, decidi começar por aqui. — Permanecia de pé diante dele, e o encarava com expectativa. Um hálito de flores frescas de primavera invadiu o seu olfato. Era o perfume da rainha que o confortava.
— Desculpe-me — disse em voz baixa. — Não conheço muito bem todas as tradições. — Olhou para baixo.
— Você nunca sonhou em participar da Caçada dos Elfos? Toda criança sonha, conhece as tradições e cada um dos passos da trilha que se percorre nessa noite.
Nuramon suspirou e a olhou nos olhos:
— Uma criança que não se sente aceita em lugar nenhum sonha com coisas menores.
Lembrou o tempo que se seguiu à ida de seus pais para o luar. Ele ainda era praticamente uma criança, mas ninguém veio para cuidar dele. Seus parentes o recusaram, e ele então retornou para a casa na árvore que fora de seus pais. Lá ficou sozinho. Somente os filhos dos albos, para os quais a maldição que os elfos atribuíam a Nuramon não tinha nenhum significado, o aceitaram por perto. E não tinham sido muitos.
— Eu sei como é difícil — disse a rainha, tirando Nuramon de suas lembranças com suas palavras. — Mas a minha decisão será simbólica para os demais. Agora eles estão surpresos, mas logo verão você com outros olhos.
— Eu queria poder acreditar nisso — disse e se esquivou do olhar de Emerelle.
— Olhe para mim, Nuramon! — ela exigiu. — Não se esqueça de que sou a sua rainha. Não posso fazer com que os outros o amem. Mas vou tratá-lo como trato os demais. Você se sente solitário e se pergunta se ainda pertence aos elfos, mas logo os outros o reconhecerão como o que você realmente é. — Ela baixou o olhar. — Você superou a dor da sua tenra idade. É como se Noroelle tivesse despertado forças em você que ninguém pensava serem possíveis. Agora chegou o momento de eu lhe dar o reconhecimento que você merece por suas virtudes.
— Eu vou aproveitar essa chance, Emerelle.
A rainha olhou em volta na direção da porta.
— Já que ninguém vem e os caçadores sempre precisam estar equipados, gostaria de me encarregar de seu equipamento. Pedirei que o tragam a seus aposentos mais tarde.
— Mas...
— Não diga que isso não compete a você! Olhe para cima. — Ela apontou para o retrato de uma elfa que lutava contra um dragão. — Aquela é Gaomee. Ela derrotou o dragão Duanoc, que chegou a nossas campinas pelo portão de Halgaris.
Gaomee! Duanoc! Halgaris! Esses eram nomes do mito que remetia a grandes proezas, e que lembrava os velhos tempos heroicos.
Muitos dragões já chegaram à Terra dos Albos, mas apenas poucos encontraram seu lugar neste mundo e fizeram um pacto com os elfos. Mas Duanoc estava muito longe de aceitar um pacto desse tipo. Pelo menos era o que se contava. E a jovem Gaomee o abateu. Um arrepio subiu pelas costas de Nuramon.
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