— Ora, mas foi exatamente isso o que fiz. Eu... Eu senti um vento soprar até as duas amoreiras cujas raízes as prendem ali no fim do jardim. Então as pedi que cada uma delas me entregasse uma fruta. De início elas se recusaram, dizendo que eu também era só uma árvore, afinal. O que é que eu podia fazer com as frutas? Mas quando elas descobriram que as frutas eram para você, então se tornaram generosas.
— Mas como elas fizeram para as amoras chegarem até você? Você está presa aqui e, como diz, estão bem longe de você.
— Ah, elas passaram de árvore em árvore e foram postas na grama, e então estiquei minhas raízes e fiz esforço o dia todo para alcançar o presente para a minha amada.
— Então você está com as amoras?
— Sim, e gostaria de entregá-las a você.
— Mas como? Quer que eu vá até você? Ou você as colocará em uma folha e as estenderá até mim com um galho?
— Nós, árvores, temos grandes poderes mágicos. Olhe aí! — Nuramon jogou a amora vermelha, que caiu sobre o parapeito do terraço, bem na frente de Noroelle. Atirou a amora branca a seguir, que Noroelle apanhou habilmente. — Chegaram as duas?
— Tenho uma na mão, e a outra está diante de mim. São tão lindas e tão frescas!
Nuramon viu a elfa comer as amoras. Observava seus lábios como se estivesse enfeitiçado.
Após ter saboreado as frutas, ela disse:
— Foram as amoras mais doces que já comi na minha vida. Mas, agora, o que será de nós, meu espírito de árvore?
— Você não quer vir até mim e criar raízes aqui embaixo?
— Mas você também pode soltar as suas raízes e subir as escadas até mim...
— Ouça-me! Escute a minha proposta! Na minha sombra há um rapaz dormindo e sonhando. Você por acaso gosta dele?
— Sim, junte-se a ele e venha até mim. O espírito por trás da sua voz no corpo dele é o que eu quero esta noite. Venha para mim, Nuramon!
O elfo hesitou. Hoje não era o dia dos milagres? Ele fora chamado para a Caçada dos Elfos. A rainha lhe revelou o seu oráculo. As árvores falaram com ele.
Criou coragem, pisou para fora da sombra da tília e subiu pela escada até o terraço, onde Noroelle o esperava. Primeiro quis manter distância dela, como sempre fazia, para não chegar perto demais. Não queria em hipótese alguma tocá-la. Mas ali estava ela, sedutora como nunca. O vento da noite fazia seu vestido e os longos cabelos flutuarem. Ela sorriu silenciosamente e inclinou a cabeça para o lado.
— Fiquei sabendo do que a rainha fez. Você deve imaginar o quanto estou feliz.
— E você não consegue esconder de mim a sua alegria.
— Eu sempre disse que um dia todos reconheceriam o seu verdadeiro ser. Eu sabia. Oh, Nuramon! — Ela mostrou-lhe as palmas das mãos e quis estendê-las em sua direção, mas se deteve.
Mas Nuramon venceu a timidez e segurou as mãos dela.
Noroelle olhou para baixo, como se precisasse se certificar de que eram mesmo as mãos dele que a tocavam.
Ele a beijou ternamente na face, fazendo-a suspirar. Quando os lábios dele lentamente se aproximaram dos seus, ela começou a tremer. E quando as bocas se tocaram, Nuramon sentiu como a tensão de Noroelle se dissolveu e ela retribuiu o beijo. Ela então pôs os braços ao seu redor e sussurrou-lhe ao ouvido:
— Na hora certa, Nuramon. Tão surpreendente.
Eles se olharam longamente, e Nuramon teve a sensação de que nunca tinha sido diferente entre eles.
Depois de algum tempo, Noroelle pediu:
— Conte-me o que aconteceu hoje.
Nuramon contou-lhe o que ocorrera, sem se esquecer do elogio velado que a rainha fez a ela. A ligação com Gaomee e a fala do oráculo pareceram emocioná-la em especial. Nuramon terminou com as palavras:
— Eu sinto a mudança. A rainha acendeu em mim um fogo que agora precisa queimar. Sou o mesmo de antes, mas agora finalmente consigo lidar com isso.
— É por isso que agora consegue me tocar?
— Antes eu tinha medo. E quando tenho medo, faço tolices. Tinha medo de que me rejeitasse; tinha medo de que me escolhesse. Era um dilema.
— Você e Farodin, vocês são únicos. Hoje no lago ainda parecia que você nunca se aproximaria de mim, e que Farodin também jamais me mostraria sequer um sopro de sua essência. Mas esta noite vocês dois se transformaram.
— Mas Farodin foi mais rápido que eu.
— Não seria correto, Nuramon... Só porque ele encontrou o caminho até mim primeiro? Devo puni-lo porque a rainha esteve com você? Não! Uma noite para mim é um momento só, e se ambos chegaram a mim esta noite, chegaram na mesma hora. Você vê o tempo como um bem escasso, Nuramon.
— É de se estranhar? Se sigo o caminho de meus antepassados, cada momento que me resta é precioso.
— Você não seguirá esse caminho. Você viverá muito tempo e caminhará no luar.
Nuramon olhou para a lua.
— É tão esquisito que a lua, algo que eu amo tanto, evite a minha alma por tanto tempo. — Ficou em silêncio e pensou em todas as histórias sobre a lua que já ouvira. Sua avó lhe contara sobre a lua no reino dos homens. — Você sabia que no mundo de Mandred a lua muda de formato?
— Não, nunca ouvi falar disso.
— Ela é muito menor que a nossa lua. E conforme os dias passam, ela emagrece, continua se transformando noite a noite em uma foice, até desaparecer totalmente. Então ela volta a crescer pouco a pouco até alcançar o seu tamanho completo.
— Isso soa como um feitiço. Eu não sei muito sobre o Outro Mundo. Aprendi algumas línguas com os meus pais. Mas no fundo não sei nada sobre o mundo dos homens. Que magia reina lá? Os elfos também podem passear no luar da terra dos homens? O que acontece se morrerem ali?
— Essas são perguntas que somente os sábios podem responder.
— Mas o que você acha, Nuramon?
— Eu acho que a magia que age lá é parecida com a nossa. Acredito que elfos podem andar no luar dos homens. Só que lá a lua fica mais distante. É uma viagem muito mais longa. E, se um elfo morre no reino dos homens, não é muito diferente do que acontece se perde a vida aqui. Porque para a morte todas as campinas são iguais. — Ele a encarou e viu um sopro de preocupação passar por seu rosto. — Você teme por nossa vida.
— A Caçada dos Elfos raramente chega até o reino dos homens. Você se lembra se algum elfo já morreu lá e voltou a nascer aqui?
— Dizem que um de meus antepassados teria morrido do outro lado. E veja! Eu estou aqui.
Ela riu, acariciou a face dele e voltou a observá-lo como que sob um encanto.
— O seu rosto é tão especial.
— E o seu é...
Ela escorregou os dedos por sobre os lábios dele.
— Não, você me disse essas palavras por anos e anos. Agora a ordem é: cale-se, lindo filho de albos! — Ela tirou os dedos de seus lábios, e ele permaneceu calado. Então passou suavemente os dedos pelo cabelo de Nuramon. — Você sempre pensou que as elfas só zombariam de você. E elas certamente gostam disso. Do seu nome, do seu destino... Elas fazem isso porque sempre foi assim. Mas a sua presença especial também não foi ignorada por elas. Você não vai acreditar em tudo o que já ouvi pelas suas costas, nos segredos que já ouvi cochicharem. — Nuramon queria dizer algo, mas Noroelle voltou a pousar as pontas dos dedos sobre a sua boca. — Não. Você agora precisa se calar, como ambas as árvores ali embaixo. — Recolheu a mão. — Você é muito mais que aquilo que as elfas normalmente veem em você. O oráculo tem razão. Tudo o que você é está dentro de você mesmo! E eu amo tudo o que está dentro de você, Nuramon. — E, então, ela o beijou.
Quando ela separou seus lábios dos dele e o encarou, Nuramon cautelosamente começou a falar.
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