A rainha continuou:
— Gaomee já não tinha mais família. Eu a escolhi, o que naquela época causou grande surpresa. Via nela algo que certa vez vi em mim mesma. — Emerelle fechou os olhos e absorveu Nuramon totalmente em seu encanto. Ele nunca vira as pálpebras da rainha cerradas. Sua aparência devia ser essa quando dormia e sonhava com coisas que somente uma elfa de poderes extraordinários seria capaz de compreender. — Vejo Gaomee com tanta clareza na minha lembrança... Ela estava aqui em pé diante de mim, e lágrimas corriam por suas faces. Ela não tinha a armadura adequada para sair com os outros para lutar com Duanoc. Então eu a equipei. Um guerreiro jamais pode estar mal guarnecido, principalmente ao adentrar o reino dos homens.
— Então eu aceito. — Nuramon olhou para cima, para o afresco de Gaomee, e perdeu-se naquela visão. A rainha lhe abrira uma porta que ele jamais acreditou que se abriria para ele. Há muito se contentava com sua posição à margem dos demais.
— Eu sei que isso é novo para você — disse a rainha em voz baixa, arrancando-o mais uma vez de seus pensamentos. — Mas esse é um momento de transição para a sua alma. Nunca alguém a quem se deu o nome de Nuramon fez parte da Caçada dos Elfos. Você é o primeiro. E como a Caçada dos Elfos também tem a ver com glória, quando você retornar, muitos terão de decidir se o receberão com escárnio ou com reconhecimento.
Nuramon não conteve um sorriso.
— Por que sorri? Divida comigo os seus pensamentos — pediu Emerelle.
— Não pude evitar pensar no medo que vi no rosto de meus parentes quando fui escolhido. Agora sou mais que uma desonra: sou um perigo. Eles devem temer que, caso eu morra, nasça uma criança com a minha alma. Deveriam estar aqui para me entregar a melhor armadura, mas a aversão que têm a mim parece ser maior que o medo de minha morte...
Emerelle encarou-o com bondade.
— Não os critique tanto assim. Agora você precisa se acostumar à sua nova posição. Apenas os poucos que atravessam os séculos acostumam-se rapidamente ao novo. Ninguém fazia ideia de que eu o chamaria. Nem mesmo você esperava.
— É verdade.
— Está claro o que vai acontecer agora?
Nuramon não sabia o que ela queria dizer. Estava falando de sua vida ou desta conversa? Antes que ele pudesse dizer alguma coisa, Emerelle prosseguiu:
— Aqueles que participam da Caçada dos Elfos enfrentam perigos. Por isso a rainha dá a cada um deles um conselho para acompanhá-los nesse caminho.
Nuramon estava envergonhado por sua falta de conhecimento.
— Eu o seguirei, qualquer que seja.
— Que bom que confia em mim tanto assim. — Colocou a mão sobre seu ombro. — Você é diferente dos outros, Nuramon. Ao olhar o mundo, você vê algo diferente do que os elfos comuns veem. Você vê beleza no que os outros detestam. Você vê grandeza nos lugares que todos os outros percorrem com desprezo. E você fala de harmonia quando os outros não a podem suportar. E porque você é assim, vou repetir um conselho que certa vez ouvi o oráculo de Telmareen pronunciar: escolha a sua própria família! Não se preocupe com a sua aparência! Pois tudo o que você é está dentro de você.
Nuramon parecia estar sob o efeito de um encantamento. Tinha o privilégio de ouvir as palavras do oráculo de Telmareen da boca da rainha! Saboreou por um tempo essa sensação. Então, de repente, uma pergunta surgiu dentro dele. Hesitou, mas por fim ousou fazê-la:
— Você disse que ouviu o conselho. Mas, afinal, a quem o oráculo aconselhou?
Emerelle sorriu.
— Siga o conselho da rainha! — disse ela, beijando-o na testa. — Foi a mim que aconselhou. — Com essas palavras, ela se afastou, caminhando em direção à porta.
Perplexo, Nuramon seguiu-a com os olhos. Antes de fechar a porta atrás de si, ela disse, sem olhar novamente para ele:
— Vi Noroelle no pomar.
Quando Emerelle se foi, Nuramon deixou-se despencar sobre o banco de pedra, pensativo. O oráculo dera um dia esse conselho à rainha? Teria ela o chamado por se reconhecer nele? De repente, Nuramon tomou consciência do quanto se enganara em relação à ela. Sempre a considerara uma elfa inacessível, cujo brilho só se podia admirar da maneira como se admira uma estrela distante. Mas jamais lhe ocorrera a ideia de que pudesse haver algo em comum entre eles dois.
Emerelle era um exemplo e um ideal para todos os elfos e filhos de albos que viviam sob sua proteção. Como pudera ver-se como uma exceção? Ela tinha não somente revelado a ele um caminho que certa ver percorrera, mas também se referido a Gaomee. Durante a Caçada dos Elfos, Gaomee seria um exemplo para ele. Mas, acima disso, pairava o conselho da rainha.
As palavras dela mais uma vez vieram ao seu pensamento e então também se lembrou de Noroelle. Deixou o quarto e viu Mandred no fim do corredor, cercado por alguns elfos. Não segurou um sorriso. Ele não trocaria de lugar com Mandred ou com qualquer outro na Caçada dos Elfos, nem por nenhuma das riquezas daquele castelo.
Enquanto percorria o corredor, percebeu que não havia nenhuma elfa junto ao filho de humanos. Não se admirou com isso. Aparentemente já se espalharam pela corte os comentários sobre a forma imoral como ele olha para as elfas. Estava feliz que Noroelle não tinha sido exposta ao olhar de Mandred na sala do trono. Como alguém podia ser tão grosseiro?
Nesse momento Mandred gritou:
— Agora, meus amigos! Digam um feitiço que me faça caber nesta armadura, e então a aceitarei com satisfação... Parem! Deixem-me em paz com essas espadas e outras tralhas de criança... Eu sou Mandred! Vocês não têm um machado?
Nuramon balançou a cabeça. Uma voz rouca e um coração grosseiro! E modos que não passavam despercebidos.
No caminho até o pomar, Nuramon perguntou-se como Noroelle receberia a notícia de sua convocação. Será que o temor por ele prevaleceria sobre a alegria? As palavras da rainha incluíram um elogio a Noroelle. E aquela era mesmo a verdade: a sua amada o tinha mudado. Ela lhe dera autoconfiança e sua afeição o fizera crescer.
Nuramon logo chegou ao pomar. Ele ficava sobre uma saliência na rocha, acessível somente pelo castelo. Já anoitecera. Ele olhou para a lua. Esse era o objetivo da vida: finalmente partir para o luar! Por todos aqueles anos a lua fora sua confidente. Seus antepassados — aqueles que já carregaram sua alma e seu nome antes — provavelmente também sentiram essa conexão com a lua. Os raios de luz que o atingiam eram como um sopro refrescante de vento, que davam um pouco de frescor àquela quente noite de primavera. Nuramon avançou por debaixo das árvores.
Parou sob uma bétula e olhou ao seu redor. Fazia muito tempo que pisara neste jardim pela última vez. Diziam que cada uma das árvores dali tinha uma alma e um espírito, e que todos que lhes prestassem ouvidos seriam capazes de escutar os seus sussurros. Nuramon prestou atenção, mas não ouviu nada. Será que os seus sentidos ainda eram fracos demais?
Mas agora o que importava era encontrar Noroelle. Se este era um pomar, então ele deveria procurá-la sob uma árvore. Olhou em volta, buscando as árvores que davam frutas o ano todo. Viu maçãs e peras, cerejas e ameixas, damascos e pêssegos, limões e laranjas, mirtilos e... amoras. Noroelle ama amoras!
Quase no fim do jardim havia duas amoreiras, mas Noroelle não estava ali. Nuramon apoiou-se no muro e olhou as terras lá embaixo. À noite, as barracas diante do castelo pareciam lanternas coloridas. “Onde está você, Noroelle?”, perguntou-se Nuramon, baixinho.
Foi então que ele ouviu um sussurro que vinha de cima.
— Ela não está aqui, ela não esteve aqui!
Virou-se, surpreso, e viu apenas as duas amoreiras.
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