Em vez de ouro e pedras preciosas, ele queria outra coisa. Queria vingança. O corpo daquela fera, o homem-javali, teria de ser entregue sem vida a seus pés!
Mandred observou Ollowain. Um guerreiro como ele certamente seria capaz de derrotar o monstro com facilidade. Suspirou. Agora tudo parecia mais fácil.
Chegaram a um ralo bosque de faias. O som das flautas dançava no ar. Em algum lugar das copas das árvores soava uma voz tão pura que iluminava os corações. Embora Mandred não entendesse uma palavra sequer, a sua ira evaporou. O que sobrou foi somente o luto pelos amigos perdidos.
— Quem está cantando ali? — perguntou a Ollowain.
O guerreiro vestido de branco olhou para a copa das árvores.
— Uma donzela do povo da floresta. É um povo solitário e sua vida é muito ligada às árvores. Se não querem ser vistos, então ninguém consegue encontrá-los, a não ser os seus semelhantes, talvez. São conhecidos por seu canto e por sua habilidade com o arco e movem-se pelos ramos como sombras. Tenha cautela ao adentrar uma de suas florestas se tiver diferenças com eles, filho de humanos.
Aflito, Mandred levantou os olhos para as árvores. Vez ou outra acreditava ver sombras lá em cima, e estava satisfeito que logo deixariam o bosque novamente. O som morno das flautas ainda os acompanhou por um tempo.
O sol já tocava as montanhas no horizonte quando alcançaram o amplo vale sobre o qual o castelo da rainha se impunha. Ao longo de um pequeno riacho havia um acampamento. Estandartes de seda tremulavam ao vento e as barracas pareciam competir umas com as outras em suntuosidade. Nas colinas viam-se casas com corredores ladeados por colunas. Algumas delas eram ligadas entre si por longos caramanchões cobertos de rosas e heras. As construções em torno da encosta eram tão variadas que não era possível desviar o olhar. Porém, o que mais impressionava Mandred era o fato de não haver nenhuma muralha cercando a colônia dos elfos e nenhuma torre de observação nas colinas ao seu redor. Eles pareciam totalmente seguros de que este vale jamais seria atacado. Nem mesmo o castelo da rainha, com suas tão impressionantes torres da altura do céu, funcionaria como uma poderosa estrutura de defesa. Muito ao contrário: ele alegrava o olhar de um observador pacífico, em vez de intimidar conquistadores sedentos.
Mandred e Ollowain prosseguiram até o portão por um largo caminho, totalmente coberto pelas copas de árvores e iluminado pelo brilho dourado da luz de lampiões a óleo. O túnel do portão era mais curto que o outro, na fortificação no desfiladeiro após Shalyn Falah. Guerreiros elfos cobertos até os tornozelos por cotas de malha recostavam-se sobre seus escudos. Seguiam Mandred com o olhar — atentos, porém discretos. No amplo pátio aglomeravam-se nobres ricamente vestidos que o examinavam sem qualquer pudor. Seus olhares faziam Mandred se sentir sujo e insignificante. Todos ali vestiam túnicas luxuosamente bordadas, a ponto de refletir a luz dos candeeiros. Os trajes eram repletos de pérolas e pedras que Mandred sequer conseguia nomear. Ele, em contrapartida, estava vestido de trapos: uma calça rasgada e manchada de sangue, um colete de pele puído. Precisava passar por eles como um mendigo. Mas o fez altivamente, de cabeça erguida. Vestira, na falta de algo melhor, o seu orgulho!
Ollowain saltou da sela. Só então Mandred notou um fino rasgo na capa do guerreiro. Teria o atingido durante o duelo? Era certo que Ollowain jamais vestiria uma peça de roupa rasgada sem necessidade.
Mandred também apeou. Um rapaz com pernas de bode aproximou-se apressado e agarrou as rédeas do cavalo. Mandred observou abismado o cuidador, que fedia como um bode velho. De novo um homem-animal! Eles eram aceitos até mesmo neste magnífico castelo!
Do grupo de cortesãos veio um elfo bem alto. Vestia uma longa túnica negra, com a bainha ornada de bordados de prata em forma de folhas e flores entrelaçadas. Tinha cabelos grisalhos como prata até a altura dos ombros e uma coroa de folhas prateadas muito macias descansava sobre suas têmporas. Seu rosto era pálido, quase sem cor, e os lábios eram apenas linhas finas. Nos seus olhos queimava um azul frio e claro. Ollowain curvou-se rapidamente diante dele. A diferença entre os dois não poderia ser maior: para Mandred, eles eram como luz e sombra.
— Minhas saudações, mestre Alvias. Como nossa soberana Emerelle desejava, trouxe o filho de humanos em segurança até o castelo. — O tom de voz de Ollowain não deixava dúvidas de que o desejo de sua rainha era uma ordem.
Ambos os elfos trocaram olhares, e a Mandred pareceu como se conversassem em silêncio. Finalmente, mestre Alvias deu a entender com um gesto que deveria segui-lo.
O guerreiro sentiu-se como se estivesse preso em um pesadelo quando, seguindo mestre Alvias, começou a subir uma larga escada que levava a um corredor com colunas. Tudo ao seu redor era de uma beleza opressora e impregnado de uma estranha aura mágica — um lugar tão perfeito que causava medo.
Atravessaram dois amplos átrios. Cada um deles poderia abrigar toda uma aldeia. Do teto pendiam largos estandartes, enfeitados com águias e dragões estilizados, mas também havia figuras de animais que Mandred nunca vira antes. Embora não percebesse nenhuma corrente de ar, eles se movimentavam como se embalados por uma suave brisa. Ainda mais incomuns eram as paredes. Ao se aproximar, via-se que eram feitas de pedra branca, assim como a ponte de Shalyn Falah e a fortificação do outro lado do desfiladeiro. A pedra do castelo, contudo, parecia enfeitiçada: dela irradiava uma luz pálida e feminina. A poucos passos de distância desaparecia a impressão de se estar cercado de pedra. Quem ali estava então tinha a sensação de se mover por um átrio de luz.
Sempre que se aproximavam de uma porta, suas folhas se abriam como se movidas por uma mão invisível. No meio do segundo átrio havia uma fonte cujas águas saíam da garganta de um monstro para desaguar em um lago pequeno e redondo. A besta estava cercada de guerreiros petrificados. Aflito, Mandred sentia seu coração bater mais rápido. Se precisava de mais uma demonstração dos poderes mágicos da rainha, já a tinha. Se a aborrecesse, ela o transformaria num enfeite de pedra para o seu castelo!
Outro portão alto abriu-se diante deles. Adentraram um salão de paredes ocultas por uma cortina de água prateada e cintilante. Não tinha teto: em vez disso, era o brilho avermelhado do céu noturno que se arqueava sobre eles. Uma música baixa pairava no ar. Mandred não sabia dizer quais instrumentos seriam capazes de emitir tão lindos sons. A música dissipou o medo que crescera em seu peito desde que pisara no pátio do castelo. Este certamente não era um lugar feito para humanos. Ele não deveria estar aqui.
Cerca de três dúzias de elfos já esperavam no salão, cujos olhos pousaram todos sobre Mandred. Era a primeira vez que o guerreiro via elfas. Eram altas e magras, tinham quadris mais masculinos que as fêmeas humanas e os seios eram miúdos e rígidos. Quando se tratava de humanos, Mandred não gostava de mulheres assim, quase infantis. Mas as elfas eram diferentes. Tinham rostos de uma beleza capaz de fazer esquecer todo o resto. Não sabia dizer se era culpa de seus lábios curvos, dos traços sem idade ou dos olhos que atraíam para abismos que prometiam prazeres desconhecidos. Ao esconder as qualidades de seus corpos magros, realçavam-nas ainda mais. Mandred não conseguia tirar os olhos de uma das elfas. Vestida de forma mais provocante que as demais, o tecido de sua túnica deixava transpareceer as aréolas rosadas de seus seios e uma sombra atraente destacava-se entre suas coxas. Nenhuma humana ousaria vestir-se assim.
Defronte do portão, sete degraus subiam até o trono do povo élfico: uma cadeira lisa de madeira escura, com incrustações de pedras pretas e brancas no formato de duas serpentes entrelaçadas. Ao lado do trono havia uma coluna baixa com uma tigela rasa de prata. Diante do assento do soberano estava uma jovem elfa. Era um pouco mais baixa que as outras na sala. Seu cabelo louro-escuro caía em ondas sobre os seus ombros nus e brancos como leite. Seus lábios tinham a cor das amoras silvestres e seus olhos eram castanhos-claros como a pele de um filhote de corça. Trajava um vestido azul, com fios de prata entrelaçados. Foi diante dela que mestre Alvias se curvou.
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