— Emerelle, soberana, este é o filho de humanos Mandred, que adentrou o vosso reino sem ser chamado.
A rainha fitou Mandred com um olhar penetrante. Ele não conseguia decifrar em seu rosto o que ela estava pensando e permanecia inerte, como se talhado em pedra. Esse momento pareceu durar uma eternidade. A música foi baixando até sumir, e agora reinava apenas o suave murmúrio da água.
— Qual é o seu desejo, Mandred Filho de Humanos? — Finalmente soou a clara voz da rainha.
A boca de Mandred estava seca. Durante a cavalgada pensara muito no que deveria dizer quando estivesse de frente com a rainha dos elfos. Mas agora sua cabeça estava vazia, sem nada além da preocupação com os seus e da ira pela morte de seus companheiros.
— Exijo uma indenização pelo assassinato que um de seus súditos cometeu, soberana. Essa é a lei do fiorde! — Deu um passo adiante.
O barulho da água tornou-se mais alto. Atrás de si Mandred ouviu murmúrios de indignação.
— Qual de meus súditos teria cometido tal assassinato? — perguntou Emerelle com voz calma.
— Não sei o nome, mas é um monstro metade homem, metade javali. Vi muitas criaturas como ele ao longo do caminho para vosso castelo.
Uma ruga profunda surgiu entre as sobrancelhas da rainha.
— Não conheço nenhum ser como o que você descreve, Mandred Filho de Humanos.
Mandred sentiu o sangue subir até suas faces. Que mentira insolente!
— Vosso mensageiro foi um centauro, e no pátio do castelo um homem-bode levou os cavalos. De onde mais poderia ter vindo um homem-javali senão de vosso reino, rainha? Eu exijo...
A água agora corria retumbante parede abaixo.
— Você ousa chamar nossa rainha de mentirosa! — indignou-se Alvias. Uma multidão de elfos cercou Mandred.
O guerreiro cerrou os punhos.
— Eu sei exatamente o que vi!
— Mantenham a hospitalidade! — A rainha mal levantou a voz, mas foi ouvida por todos. — Fui eu quem convidou o filho de humanos a esta sala. Aquele que tocá-lo também cutucará a minha honra! E você, Mandred, segure a sua língua. Eu lhe digo: não existe na Terra dos Albos uma criatura como a que se referiu. Conte-nos o que esse homem-javali fez. Sei muito bem que vocês, homens, evitam o círculo de pedras. Por que você fugiu para cá?
Mandred contou sobre a caçada em vão e sobre a força da criatura. Quando terminou, viu que a ruga entre as sobrancelhas de Emerelle tornara-se ainda mais profunda.
— Lamento pela morte de seus companheiros, Mandred. Que eles sejam bem acolhidos nos átrios de seus deuses.
O guerreiro encarava a rainha, surpreso. Esperava que ela prosseguisse, que lhe fizesse uma proposta. Isso não podia ser tudo! O silêncio continuava. Mandred pensou em Freya. Cada hora perdida colocava-a ainda mais em perigo — isso se a fera já não tivesse se lançado sobre Firnstayn há tempos.
Envergonhado, baixou o olhar. De que valia o seu orgulho se fora pago com o sangue dos seus?
— Rainha Emerelle, eu... eu peço a vossa ajuda na caça a esse monstro. Eu... peço perdão se a ofendi. Sou só um homem simples. Lidar com palavras não é o meu forte. Eu falo com o coração.
— Você vem a meu castelo, Mandred, ofende-me diante de minha corte e agora pergunta se eu arriscaria a vida de meus caçadores para cuidar de um problema seu? Você só pode mesmo estar falando com o coração, filho de humanos. — A mão de Emerelle fez um movimento circular sobre o recipiente de prata, e ela lançou um rápido olhar sobre a água. — E por minha ajuda, o que me oferece em troca? O seu povo não paga sangue com sangue?
Mandred surpreendeu-se. Os soberanos das terras do fiorde sempre expressavam abertamente suas exigências, sem pechinchar como comerciantes. Pôs-se de joelhos:
— Liberte a minha pátria daquele monstro e vossa majestade reinará sobre mim. Estarei ao vosso dispor.
Emerelle riu baixo.
— Mandred, na verdade você não é exatamente um homem que eu gostaria de ver perto de mim todos os dias. — Ela se calou e voltou a olhar dentro da tigela prateada. — Eu exijo o que Freya, sua esposa, carrega no ventre. O primeiro filho que dará a você, Mandred Filho de Humanos. Não se consegue a amizade do povo élfico apenas com palavras vazias. Mandarei buscar a criança daqui a um ano.
Era como se Mandred tivesse sido atingido por um raio.
— O meu filho? —Voltou o olhar para os outros elfos, como que pedindo ajuda. Mas em nenhum dos rostos havia compaixão. Como dizia mesmo a história infantil? Os corações dos elfos são gelados como as estrelas de inverno... — Crave-me um punhal no peito, rainha. Minha vida termina aqui e agora. Pagarei esse preço sem hesitar se vossa majestade ajudar os meus semelhantes em troca.
— Grandiosas palavras, Mandred — replicou a rainha com frieza. — Mas de que serviria derramar o seu sangue diante dos degraus do meu trono?
— E de que serviria uma criança? — protestou Mandred, em desespero.
— Essa criança será um elo entre os homens e os elfos — retrucou calmamente. — Ela deverá crescer entre o meu povo, e terá os melhores mestres. Quando o seu filho tiver idade suficiente, poderá decidir se quer ficar conosco para sempre ou se deseja retornar para os seus irmãos humanos. Se quiser voltar, lhe daremos ricos presentes para levar consigo, e estou certa de que conquistaria o seu lugar entre os mais importantes do seu povo. Mas a dádiva mais importante que levaria para o mundo dos homens seria a amizade do povo élfico.
Mandred tinha a sensação de que a graciosa elfa segurava e apertava o seu coração com mão de ferro. Como poderia prometer aos elfos o filho que ainda não nascera? Mas, se recusasse, então a criança poderia sequer chegar a nascer. Quanto tempo duraria até que aquela besta adentrasse o pequeno povoado no fiorde? Já teria chegado lá?
— Freya, minha esposa, ainda está viva? — perguntou tristemente.
A rainha passou a mão suavemente sobre a tigela de prata.
— Alguma coisa está escondendo a criatura que você chama de homem-javali. Mas ela ainda parece estar próxima do círculo de pedras. Não atacou o seu vilarejo. — Ela ergueu os olhos e o encarou diretamente. — Qual é a sua decisão, Mandred Filho de Humanos?
“Ainda terei outros filhos com Freya”, Mandred tenta convencer a si mesmo. Talvez ela tenha no ventre uma menina, e a perda então não seria tão difícil. Ele era o jarl de sua aldeia, o responsável por todos. O que era uma vida se comparada a todas aquelas outras?
— Você terá o que exige, rainha. — A voz de Mandred não era mais que um sussurro. Seus lábios queriam trancar as palavras, mas ele se obrigava a falar. — Se os seus caçadores matarem o homem-javali, então o meu filho pertencerá a vós.
Emerelle acenou com a cabeça na direção de um elfo vestido de cinza-claro e pediu-lhe que desse um passo à frente.
— Farodin do clã Askalel, você já provou sua coragem muitas vezes. Sua sabedoria e experiência tornarão a caçada bem-sucedida. Convoco-o agora para a Caçada dos Elfos.
Mandred sentiu um arrepio subir por suas costas. A Caçada dos Elfos! Quantas histórias já ouvira sobre essa sociedade cercada de segredos!
Dizem que esses caçadores extraordinários não deixam passar nenhuma presa. E o seu alvo sempre encontra a morte. Lobos tão grandes quanto cavalos são seus cães de caça e, nas veias de seus cavalos, corre fogo líquido. Eles cavalgam pelo céu noturno, escondidos sob a luz das fadas, e se atiram sobre as presas como águias. Apenas os mais nobres e valentes podem participar da caçada. Todos são tanto guerreiros quanto feiticeiros e tão poderosos que os trolls escondem-se em seus castelos quando eles saem para caçar. Até os dragões os temem. Eu consegui colocá-los na pista daquela aberração, pensou Mandred, exultante. Eles destroçariam a fera numa vingança sangrenta por seus amigos mortos!
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