No bosque, à luz da lua,
vi há pouco cavalgarem os elfos;
ouvi soarem suas trompas de caça,
e o tilintar de seus guizos.
Seus brancos cavalos levavam
dourados chifres de cervo
como cisnes selvagens voavam
cruzando o ar velozmente.
Sorridente, saudou-me a rainha,
sorridente, ao passar cavalgando,
seria por meu novo amor,
ou a morte significaria?
Heinrich Heine
Tomo I
A Caçada dos Elfos
Na clareira coberta de neve jazia o cadáver de um alce. Sua carne destruída ainda fumegava. Para Mandred e seus três companheiros ficou claro o que isso significava: haviam afugentado o caçador. O corpo estava coberto de sangue, e o pesado crânio da presa, partido. Mandred não conhecia nenhum animal que caçasse para se alimentar somente do cérebro da vítima. Um ruído abafado se fez ouvir. No fim da clareira, a neve escorregava dos galhos de um enorme pinheiro, formando cascatas sinuosas. O ar estava tomado por finos cristais de gelo. Desconfiado, Mandred espiou por entre as moitas. O bosque agora estava novamente em silêncio. Sobre as copas das árvores, as sinistras luzes verdes das fadas se agitavam em uma dança frenética bem alto no céu. Não era uma boa noite para cruzar florestas!
— Só um galho que se partiu com o peso da neve — disse o louro Gudleif, batendo em sua pesada capa para tirar o gelo — e pare de ficar espiando por aí como um cão raivoso. Você vai ver... No final, o que estamos seguindo é só um bando de lobos.
A preocupação tomava aos poucos os corações dos quatro homens. Todos pensavam nas palavras do ancião que os alertara sobre uma besta mortífera das montanhas. Ele devia ser levado a sério ou teria alucinações provocadas pela febre? Mandred era o jarl [1]de Firnstayn, um pequeno povoado atrás da floresta junto ao fiorde. Era sua obrigação afastar quaisquer perigos que ameaçassem o seu vilarejo. As palavras do ancião foram tão penetrantes que os perseguiam. E como...
Em invernos como este, que começavam cedo e traziam frio demais, quando as luzes das fadas faiscavam no céu, os filhos dos albos [2]adentravam o mundo dos homens. Mandred e seus companheiros também sabiam disso.
Asmund apoiara uma flecha no chão e piscava nervosamente. O homem ruivo e magricela nunca era de muitas palavras. Viera havia dois anos para Firnstayn. Dizia-se ter sido um conhecido ladrão de gado no sul, e que o rei Horsa Starkschild teria prometido uma recompensa em troca dele. Mas Mandred não se importava com isso. Asmund era bom caçador; trazia muita carne para o vilarejo. Isso contava mais que qualquer boato.
Mandred conhecia Gudleif e Ragnar desde quando era criança. Ambos eram pescadores. Gudleif é um cara robusto, forte como um urso; sempre bem-humorado, tem muitos amigos, mesmo sendo visto como um homem rústico. Ragnar é baixo e de cabelos escuros, bastante diferente dos altos e geralmente louros habitantes das terras do fiorde. Às vezes zombam dele por isso, chamando-o de duende pelas costas. Isso é um absurdo. Ragnar é um homem de coração de ouro. Alguém em quem se pode confiar incondicionalmente!
Saudoso, Mandred pensava em Freya, sua esposa. Certamente estava agora sentada perto do braseiro e permaneceria à espreita por toda a noite. Ele tinha consigo o seu clarim de alerta. Um toque significava perigo; se soprasse duas vezes todos no vilarejo saberiam que tudo correra bem e que os caçadores estavam a caminho de casa.
Asmund baixou seu arco e pôs o dedo sobre os lábios, em sinal de alerta. Ergueu a cabeça como um cão de caça que farejava algo. Agora Mandred também sentia. Um cheiro estranho — como o de ovo podre — invadiu a clareira.
— Talvez seja um troll — sussurrou Gudleif. — Dizem que eles descem as montanhas nos invernos rigorosos. Um troll consegue abater um alce com um simples soco.
Asmund encarou Gudleif de forma sombria, e fez um sinal para que se calasse. A madeira das árvores estalava baixinho no frio. Mandred foi tomado pela sensação de estar sendo observado. Havia alguma coisa ali. E muito perto.
De repente, os ramos de uma aveleira agitaram-se no ar, e duas silhuetas brancas revoaram sobre a clareira num barulhento bater de asas. Mandred apontou sua lança involuntariamente para o alto, e então respirou aliviado. Eram apenas pombos da neve!
Mas o que os assustara? Ragnar mirou seu arco na direção da árvore. O jarl baixou a arma, sentindo seu estômago encolher. Estaria o perigo ali, à espreita, escondido nos ramos? Ficaram imóveis e em silêncio.
Uma eternidade inteira pareceu passar, e nada ali se mexia. Os quatro formavam um semicírculo ao redor do arbusto. A tensão era insuportável. Mandred sentia o suor gelado escorrer por suas costas e se acumular em cima do cinto. O caminho de volta para o vilarejo era longo. Se sua roupa ficasse empapada e não o protegesse mais contra o frio, ele seria obrigado a armar um acampamento em algum lugar e fazer uma fogueira.
O gordo Gudleif ajoelhou-se de novo e fincou sua lança no chão. Enfiou as mãos na neve fresca e, sem fazer ruído, formou uma bola. Gudleif olhou para Mandred, que consentiu com a cabeça. A bola de neve voou até acertar o arbusto. Nada se moveu.
Mandred respirou aliviado. O medo que o grupo sentia tinha dado vida às sombras da noite. Foram eles mesmos quem afugentaram os pombos da neve!
Gudleif sorriu aliviado:
— Isso não foi nada. Seja lá o que matou o alce, já deve ter subido as montanhas faz tempo.
— Mas que belo bando de caçadores somos nós — zombou também Ragnar. — Daqui a pouco também vamos fugir correndo do peido de um coelhinho.
Gudleif se levantou e apanhou a lança.
—Agora vou espetar as sombras! — rindo, remexeu com a lança dentro da moita.
De repente, foi puxado com força, de um só golpe. Mandred viu uma grande mão em formato de garra segurar o cabo da lança. Gudleif deu um grito estridente, que logo se transformou num ruído gutural. O forte homem recuou cambaleante, com ambas as mãos em torno do pescoço. O sangue espirrava por entre seus dedos e escorria por seu manto de pele de lobo.
Da moita saiu um vulto gigantesco, meio homem e meio javali. O peso de sua enorme cabeça de javali lhe fazia curvar muito para a frente, e ainda assim ele tinha mais de um metro e meio de altura. O seu corpo era extremamente robusto; músculos fortes e cheios de nós cobriam seus ombros e braços. Suas mãos terminavam em garras escuras. Abaixo dos joelhos, suas pernas eram estranhamente finas, cobertas de cerdas grossas cinza-escuras. Em vez de pés, a criatura tinha grandes cascos.
O homem-javali soltou um grunhido grave e rouco. Presas longas como punhais saíam de seus maxilares, e seus olhos pareciam querer devorar Mandred.
Asmund apontou seu arco para cima e disparou uma flecha. Acertou a lateral da cabeça do monstro, deixando um rastro fino e vermelho. Mandred agarrou mais forte a sua lança.
Gudleif caiu de joelhos, vacilou alguns segundos e então tombou para o lado. Suas mãos crispadas se soltaram. O sangue ainda brotava de sua garganta, e suas fortes pernas tremiam desamparadas.
Mandred foi tomado por uma fúria cega. Lançou-se para a frente e cravou a lança no peito da besta. Teve a impressão de ter atacado uma rocha. A lâmina da lança só resvalou no monstro, sem causar qualquer dano. Uma de suas garras puxou e despedaçou o cabo da arma.
Para afastar a criatura de Mandred, Ragnar atacou-a pelo lado. Mas sua lança também não conseguiu feri-la.
Mandred atirou-se sobre a neve e tirou um machado do cinto. Era uma boa arma, com a lâmina fina e afiada. O jarl golpeou com toda a força os tornozelos da fera. O monstro grunhiu e então acertou o guerreiro com sua pesada cabeça. Uma presa acertou Mandred na parte interna da coxa, dilacerando seus músculos e despedaçando o clarim de prata que pendia do seu cinto. Em um só golpe, o ser monstruoso jogou a cabeça para trás, lançando Mandred por sobre a aveleira.
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