Ollowain recuara alguns passos. Tinha a espada na bainha, como se nada tivesse acontecido. Aos poucos, Mandred voltava a enxergar com clareza. Havia muito tempo que ninguém lhe dava uma sova como essa. O traiçoeiro elfo evitara acertá-lo no rosto, assim ninguém na corte perceberia o que aconteceu.
— Você deve ter ficado com muito medo — disse Mandred, ofegante —, já que precisou usar magia para me vencer.
— Então, se os seus olhos são lentos demais para me acompanhar, trata-se de magia?
— Nenhum humano é capaz de se mover tão rápido sem mágica — insistiu Mandred.
Os lábios de Ollowain esboçaram um sorriso:
— Isso mesmo, Mandred. Nenhum humano. — Ele apontou para o portão da torre, que agora estava bem aberto. Ali dois cavalos selados esperavam por eles. — Você me daria a honra de me seguir?
Todos os ossos de Mandred doíam. Com as pernas rígidas, andou até o portão. O elfo mantinha-se ao seu lado.
— Não preciso do apoio de ninguém — resmungou Mandred, mal-humorado.
— Caso contrário faria papel de coitado também na corte. — Um olhar amigável suavizou a acidez das palavras de Ollowain.
Os cavalos aguardavam pacientemente sob o arco do portão. Não se viam servos que os tivessem trazido até lá. Uma entrada abobadada penetrava na forte torre como um túnel. Ela estava vazia. Atrás dos merlões da muralha também não se via ninguém. De repente, Mandred mais uma vez se sentia observado. Será que os elfos queriam esconder algo, tão forte era a guarnição que guardava o portão para a área central? Será que o tomavam por um inimigo? Por um espião, talvez? Mas, se fosse assim, por que o carvalho o teria curado?
Dois cavalos, um branco e outro cinzento, esperavam por eles. Ollowain dirigiu-se ao garanhão branco e afagou seu focinho, brincalhão. Mandred teve a impressão de que o cavalo cinza o encarava com expectativa. Não entendia muito de cavalos. Estes animais eram de baixa estatura; tinham juntas magras e pareciam frágeis. Mas ele já se deixara enganar pela aparência de Ollowain. Eles provavelmente eram mais fortes e resistentes que qualquer outro cavalo que cavalgara até agora. Com a exceção de Aigilaos. A lembrança do centauro presunçoso fê-lo sorrir.
Mandred gemeu ao se lançar sobre a sela. Quando estava sentado mais ou menos ereto, o guerreiro elfo sinalizou que o seguisse. O pisar dos cascos sem ferraduras ecoava surdo nas paredes do túnel do portão. Ollowain seguiu por um caminho que subia pelas verdes colinas levemente inclinadas. Foi uma longa cavalgada até o castelo da rainha dos elfos, passando por bosques escuros e por uma infinidade de pequenas pontes. Às vezes via-se ao longe casas com telhados de abóboda muito curvados. Colocadas na paisagem com muito cuidado, lembravam a Mandred pedras preciosas, trabalhadas e engastadas de forma muito especial.
As terras que cruzava com Ollowain eram de primavera. Mais uma vez Mandred se perguntava quanto tempo teria dormido sob o carvalho. As lendas diziam que na terra dos elfos a primavera reinava eternamente. Certamente não se passaram mais que dois ou três dias desde que cruzara o círculo de pedras. Talvez até um só! Esforçava-se para organizar os pensamentos, para não se colocar diante da rainha como um tolo. Nesse meio-tempo se convenceu de que o homem-javali viera dali, do mundo dos elfos. Pensava em Xern e em Aigilaos. Aqui não parecia ser nada incomum que homens e animais se fundissem — justamente como no caso da criatura que o atacara.
Quando os nobres das terras dos fiordes se encontravam para falar de justiça, cabia a Mandred representar Firnstayn. Ele sabia o que era necessário fazer para cortar um conflito pela raiz. Se ocorresse um assassinato que vitimasse um homem, a família do assassino tinha de arcar com uma indenização à família da vítima. Feito isso, não havia mais motivos para vingança e derramamento de sangue. A criatura viera daqui. Por causa dela, Mandred perdera três companheiros e a rainha dos elfos tinha responsabilidade sobre isso. Firnstayn era tão pequena que a perda de três homens robustos poderia prejudicar a sua posição. Por isso exigiria uma alta indenização! Só Luth sabia quantos homens de outras aldeias foram mortos pela fera. Os filhos dos albos causaram o prejuízo, e agora precisavam se responsabilizar por ele. Nada mais justo!
Certamente os elfos não temeriam um conflito contra a sua aldeia. Mas, por seus amigos mortos, era seu dever se pronunciar diante da rainha para exigir justiça. Será que a soberana da Terra dos Albos pressentia isso? Sabia ela da culpa que tinha? Foi por isso que ordenou que o buscassem com tanta pressa e o levassem até a corte?
No fim da tarde avistaram pela primeira vez o castelo da rainha dos elfos. Estava ainda um pouco distante, sobre uma colina íngreme do outro lado de uma ampla região de bosques e campinas. A sua visão fazia Mandred perder a fala. O castelo parecia crescer diretamente da pedra e querer perfurar o céu com o topo das torres mais altas. As muralhas eram de um branco reluzente e contrastavam com o verde-azulado das torres — que lembrava o tom do bronze velho. Nenhum dos senhores das terras do norte tinha um domicílio que pudesse ser comparado à menor das torres deste castelo. Mesmo o átrio dourado do rei Horsa pareceria insignificante em comparação a todo esse esplendor. Quão poderosa devia ser a senhora que reinava nestas terras! E quão rica parecia ser... Tão rica que só precisaria estalar os dedos para mandar que cobrissem de ouro todas as casas comunais de sua aldeia. Ele precisava refletir sobre o valor que estabeleceria como compensação pela morte de seus companheiros de caça.
Embora não tivesse dito nada, Mandred estava surpreso com o quão lentamente se aproximavam do castelo. Os cavalos voavam sobre a terra, rápidos como o vento, mas no horizonte o castelo mal aumentava de tamanho. Passaram por uma árvore que parecia tão velha quanto as montanhas. Seu tronco era robusto como uma torre e havia coisas esquisitas em seus ramos amplamente espalhados. Era como se a madeira viva tivesse produzido cabanas redondas nas junções entre os galhos. Havia pontes de corda que se esticavam ligando as cabanas entre si. Entre os galhos, Mandred conseguia ver silhuetas semiocultas. Seriam elfos como Ollowain? Ou ainda um outro povo estranho?
De repente, uma revoada de pássaros levantou voo da árvore, como se obedecendo a um comando inaudível. Suas plumagens brilhavam em todos os tons do arco-íris. Passaram voando sobre Mandred, muito próximos, traçando um amplo arco no céu, e então deram voltas sobre os dois cavaleiros. Pareciam ser milhares. O ar se encheu do farfalhar das asas. A dança das cores das penas era tão maravilhosa que Mandred não conseguiu desviar o olhar, até que o bando aos poucos se dissipou.
Ollowain ficara em silêncio durante todo o percurso. Parecia estar absorto em pensamentos, e indiferente às belezas das terras centrais. Mandred, em contrapartida, não se fartava de admirá-las.
Passaram então por um lago raso. No fundo reluziam pedras preciosas. Que tipo de seres eram aqueles que simplesmente jogavam tesouros como esses na água? Bem, ele próprio já tinha feito oferendas aos deuses. Numa calma noite de lua cheia, levou o machado do primeiro homem que venceu à Fonte Sagrada, nas profundezas das montanhas, e com ele presenteou Norgrimm, deus das batalhas. Freya e as outras mulheres prestaram homenagens a Luth, trançando os galhos da tília da aldeia com tiras de tecido feitas artisticamente. Mas nada que se comparasse àquilo.Já que o povo élfico parecia tão rico, parecia apropriado oferecer pedras preciosas a seus deuses. No entanto, tanta riqueza irritava Mandred. Ele não sabia como chegara aqui, já que este reino não podia estar tão distante assim das terras do fiorde. E aqui havia tudo em abundância, enquanto seus semelhantes passavam necessidades no inverno. Apenas uma pequena porção destes tesouros já seria capaz de acabar com a fome para sempre. Qualquer valor que exigisse como reparação por seus companheiros mortos certamente seria insignificante para os elfos.
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