— Drumlin é aquele tipo que intuiu tratar-se do desenho de uma máquina, não é?
— Não foi exatamente assim, ele…
— Lerei o material de informação a tempo para a tal reunião de quinta-feira. Tem mais alguma coisa para mim?
— Está a pensar seriamente deixar o Hadden construir a Máquina?
— Bem, não depende só de mim, como sabe. Aquele acordo que estão a negociar em Paris dá-nos cerca de um quarto de peso decisional. Os Russos têm um quarto, os Chineses e os Japoneses juntos têm um quarto e o resto do mundo tem um quarto, falando grosso modo. Uma quantidade de nações quer construir a Máquina, ou, pelo menos, partes dela. Pensam em prestígio e em novas indústrias, novo conhecimento. Desde que ninguém nos passe a perna, tudo isso me parece bem. É possível que o Hadden apanhe também um bocado. Qual é o problema? Não o acha tecnicamente competente?
— É, com certeza. Trata-se apenas…
— Se não há mais nada, Ken, voltamos a ver-nos na quinta-feira, se o vírus quiser.
Quando Der Heer fechava a porta e entrava na sala de estar contígua, soou um explosivo espirro presidencial. O oficial-às-ordens de serviço, rigidamente sentado num sofá, assustou-se visivelmente. A pasta a seus pés estava atafulhada de códigos de autorização de guerra nuclear. Der Heer acalmou-o com um gesto repetitivo da mão, de dedos abertos e palma para baixo. O oficial sorriu, encabulado.
— Aquilo é Vega? É por causa daquilo que há toda esta lufa-lufa? — perguntou a presidente com alguma decepção.
A oportunidade de a imprensa tirar fotografias terminara e os olhos dela já se tinham quase adaptado à escuridão depois do ataque dos flashes dos fotógrafos e da iluminação da televisão. As fotografias da presidente a olhar fixamente através do telescópio do Observatório Naval que apareceram no dia seguinte em todos os jornais eram, evidentemente, uma pequena impostura. Ela fora incapaz de ver fosse o que fosse pelo telescópio enquanto os fotógrafos não tinham saído e a escuridão voltado.
— Por que motivo tremelica?
— É turbulência no ar, senhora Presidente — explicou Der Heer. — Passam bolhas de ar quente que deformam a imagem
— É como olhar para si através da mesa do pequeno-almoço, quando está uma torradeira ligada entre nós. Lembro-me de ver um lado inteiro da cara dele descair — disse a presidente afetuosamente, levantando a voz para que o consorte presidencial, que se encontrava perto a conversar com o comandante do Observatório, a pudesse ouvir.
— Sim, mas nos tempos que vão correndo não há torradeira ligada na mesa do pequeno-almoço — respondeu ele, em tom amigável.
Antes de se reformar, Seymour Lasker fora um alto funcionário da União Internacional de Trabalhadores de Vestuário Feminino. Conhecera a mulher décadas atrás, quando ela representava a New York Girl Coat Company, e tinham-se apaixonado durante uma demorada negociação laboral. Considerando a novidade presente das posições de ambos, a saúde aparente do seu relacionamento era digna de nota.
— Posso passar sem a torradeira, mas não estou a ter pequenos-almoços suficientes com o Sr. — A presidente inflectiu as sobrancelhas mais ou menos na direção do marido e depois voltou a prestar atenção ao instrumento monocular. — Parece uma ameba azul, toda… esborrachada.
Depois da difícil reunião para selecionar os tripulantes, a presidente mostrava um estado de espírito despreocupado. A sua constipação estava quase curada.
— E se não houvesse nenhuma turbulência, Ken? Que veria eu nesse caso?
— Então seria como o Telescópio Espacial acima da atmosfera da Terra. Veria um ponto de luz firme e imóvel.
— Só a estrela? Só Vega? Nenhuns planetas, nenhuns anéis, nenhumas estações de combate com raios laser?
— Não, senhora Presidente. Tudo isso seria excessivamente pequeno e pouco brilhante para poder ser visto mesmo com um telescópio muito grande.
— Bem, espero que os seus cientistas saibam o que estão a fazer — disse ela, quase num murmúrio. — Estamos a tomar uma tremenda quantidade de compromissos baseados numa coisa que nunca vimos.
Der Heer ficou um pouco surpreendido.
— Mas nós vimos trinta e uma mil páginas de texto, desenhos, palavras e mais um enorme manual de instruções.
— No meu livro isso não é o mesmo que ver. Um pouco… ilativo demais. Não me venha dizer que cientistas de todo o mundo estão a receber os mesmos dados. Sei tudo isso. E não me diga como são claros e sem ambigüidades os projetos da Máquina. Também sei tudo isso. E que, se recuarmos, outro qualquer construirá com certeza a Máquina. Sei todas essas coisas. Mas nem mesmo assim deixo de me sentir nervosa.
O grupo voltou, através do recinto do Observatório Naval, à residência do vice-presidente. Nas últimas semanas tinham-se delineado trabalhosamente acordos provisórios quanto à seleção dos tripulantes. Os Estados Unidos e a União Soviética haviam lutado por dois lugares cada; em tais questões, eram aliados dignos de confiança. Mas era difícil sustentar semelhante argumento com as outras nações do Consórcio Mundial da Mensagem. Nos tempos que corriam, os Estados Unidos e a União Soviética — mesmo tratando-se de questões em que estavam de acordo — tinham muito maior dificuldade do que outrora em levar a sua avante com as outras nações.
O empreendimento era agora largamente reclamado como uma atividade da espécie humana. O nome Consórcio Mundial da Mensagem estava prestes a ser mudado para Consórcio Mundial da Máquina. Nações com excertos da Mensagem tentavam servir-se desse fato como direito de acesso de um dos seus cidadãos à qualidade de membro da tripulação. Os Chineses tinham argumentado serenamente que em meados do século seguinte seriam 1,5 mil milhões no mundo, mas com muitos deles nascidos como filhos únicos em virtude da experiência chinesa de controle dos nascimentos apoiado pelo Estado. Essas crianças, quando crescessem, predisseram, seriam mais inteligentes e emocionalmente mais seguras do que as crianças de outras nações com normas menos severas no tocante às dimensões da família. Conseqüentemente, argumentaram, em virtude de estarem a desempenhar um papel mais proeminente nos assuntos mundiais dentro de cinqüenta anos, os Chineses tinham direito a pelo menos um dos cinco lugares da Máquina. Era um argumento que estava a ser discutido em muitas nações por funcionários sem nenhuma responsabilidade na Mensagem ou na Máquina.
A Europa e o Japão prescindiram da representação na tripulação em troca de maior responsabilidade na construção de componentes da Máquina, por considerarem que isso seria economicamente mais vantajoso. No fim foi reservado um lugar para os Estados Unidos, a União Soviética, a China e a Índia, ficando a atribuição do quinto lugar por decidir. Isto exigiria longas e difíceis negociações multilaterais e teria em consideração a dimensão populacional, o poder econômico, industrial e militar, os alinhamentos políticos presentes e até um pouco da história da espécie humana.
Para se candidatarem ao quinto lugar, o Brasil e a Indonésia basearam-se na dimensão populacional e no equilíbrio geográfico; a Suécia propôs-se desempenhar um papel moderador em caso de disputas políticas; o Egito, o Iraque, o Paquistão e a Arábia Saudita apresentaram argumentos fundamentados na equidade religiosa. Outros sugeriram que, pelo menos, esse quinto lugar fosse atribuído tendo em consideração mais o mérito individual do que a nacionalidade. De momento, a decisão ficara em suspenso: um trunfo para ser jogado mais tarde.
Nas quatro nações selecionadas, cientistas, líderes nacionais e outros entregavam-se à tarefa de escolher os seus candidatos. Iniciou-se nos Estados Unidos uma espécie de debate à escala nacional. Em sondagens de opinião, foram sempre mencionados com vários graus de entusiasmo dirigentes religiosos, heróis desportivos, astronautas, detentores à Medalha de Honra do Congresso, cientistas, artistas de cinema, uma ex-consorte presidencial, anfitriões de talk shows e pivots de noticiários da televisão, membros do Congresso, milionários com ambições políticas, executivos de fundações, cantores de música country e western e rock-and-roll, presidentes de universidades e a Miss América do momento.
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