Ellie aguardou de rosto inexpressivo, gelado mesmo, a pergunta seguinte. A presidente carregara no botão de «pausa».
— Admito que algumas das perguntas possam não ter sido as melhores declarou. — Mas não queremos numa posição tão proeminente num projeto com implicações internacionais verdadeiramente positivas alguém que se revele um racista parvo. Neste assunto queremos o mundo em desenvolvimento do nosso lado. Tivemos uma boa razão para fazer aquela pergunta. Não acha que a resposta dela demonstra uma certa… falta de tato? A sua doutora Arroway é um bocado chica-esperta. Agora dê uma vista de olhos ao Drumlin.
De laço azul às pintinhas, Drumlin parecia bronzeado e muito em forma.
— Sim, eu sei que todos nós temos emoções — dizia —, mas tenhamos em consideração o que são exatamente as emoções. São motivações para comportamento adaptativo vindas de um tempo em que éramos demasiado estúpidos para compreender as coisas. Mas eu compreendo que, se uma matilha de hienas vem direta a mim de presas arreganhadas, me esperam problemas. Não preciso de alguns centímetros cúbicos de adrenalina para me ajudarem a compreender a situação. Consigo até perceber que talvez fosse importante para eu dar um contributo genético qualquer à próxima geração. Não preciso realmente de testosterona na minha corrente sanguínea para me ajudar nisso. Tem a certeza de que um ser extraterrestre muito avançado em contraste conosco estará sobrecarregado com emoções? Sei que há quem me considere demasiado frio, demasiado reservado Mas, se quiserem compreender realmente os extraterrestres, mandar-me-ão a mim. Sou mais parecido com eles do que qualquer outra pessoa que possam encontrar.
— Mas que alternativa! — exclamou a presidente. Uma é ateia, o outro já julga que ele próprio é de Vega. Por que temos de mandar cientistas? Por que não podemos mandar alguém… normal? Trata-se apenas de uma pergunta retórica — apressou-se a acrescentar. — Sei por que motivo temos de mandar cientistas. A Mensagem é acerca de ciência e está escrita em linguagem científica. Ciência é uma coisa que sabemos que compartilhamos com os seres de Vega. Não, estas são, porém, boas razões, Ken. Não me esqueço delas.
— Ela não é ateia. É agnóstica. Tem um espírito aberto. Não está limitada por um dogma. É inteligente, é tenaz e é muito profissional. O âmbito do seu conhecimento é deveras vasto. É exatamente a pessoa de que precisamos nesta situação.
— Ken, gosto do seu empenho em defender a integridade deste projeto. Mas há muito medo lá fora. Não julgue que não sei quanto as pessoas já tiveram de engolir. Mais de metade daquelas com quem falo acham que não temos nada que construir esta coisa. Se não há possibilidade nenhuma de arrepiar caminho, querem que enviemos alguém que seja absolutamente seguro. A Arroway pode ser todas as coisas que você diz, mas segura não é. Estou a ser muito pressionada pelo Hill, pelos Earth-Firsters, pela minha própria Comissão Nacional e pelas igrejas. Suponho que ela impressionou o Palmer Joss naquele encontro na Califórnia, mas conseguiu enfurecer Billy Jo Rankin. Ele telefonou-me ontem e disse: «Senhora Presidente» — não consegue disfarçar o desagrado com que diz «senhora» —, «Senhora Presidente», disse-me, «aquela Máquina vai voar direto a Deus ou ao Diabo. Seja qual deles for, será melhor a senhora enviar um cristão autêntico.» Tentou servir-se do seu relacionamento com Palmer Joss para me pressionar, com os diabos! Não creio que haja alguma dúvida de que estava a fazer-se para ir ele próprio. O Drumlin será muito mais aceitável para alguém como Rankin do que a Arroway.
«Reconheço que o Drumlin é um tipo frio, insensível. Mas é digno de confiança, patriota, fixe. Tem credenciais científicas impecáveis. E quer ir. Não, tem de ser o Drumlin. O melhor que posso oferecer é escolhê-la como reserva.
— Posso dizer-lhe isso?
— Não podemos informar a Arroway antes do Drumlin, pois não? Comunico-lhe, Ken, assim que for tomada uma decisão definitiva e tivermos informado o Drumlin… Oh, Ken, anime-se! Não quer que ela fique aqui, na Terra?
Passava das seis horas quando Ellie terminou os seus esclarecimentos à «Equipe Tigre» do Departamento de Estado que servia de suporte aos negociadores americanos em Paris. Der Heer prometera telefonar-lhe assim que a reunião para a escolha dos tripulantes acabasse. Queria que ela soubesse por ele, e não por qualquer outra pessoa, se tinha sido escolhida ou não. Sabia que fora insuficientemente deferente para com as pessoas encarregadas dos interrogatórios e que podia perder por essa razão, entre uma dúzia de outras. No entanto, achava que talvez ainda houvesse uma probabilidade.
Esperava-a uma mensagem no hotel — não um impresso cor-de-rosa do gênero «Enquanto esteve ausente…» preenchido pelo recepcionista, mas uma carta fechada e sem selo, entregue pessoalmente. Dizia: «Encontre-se comigo no Museu Nacional de Ciência e Tecnologia às oito horas desta noite. Palmer Joss.»
Nenhum cumprimento, nenhumas explicações, nenhuma agenda, nenhum sinceramente seu, pensou ela. Este é realmente um homem de fé. O papel da carta era do próprio hotel e não havia nenhum endereço do remetente. Ele devia ter passado por ali de tarde, sabendo — o que ela achava perfeitamente possível —, por intermédio do próprio secretário de Estado, que Ellie estava na cidade e esperando encontrá-la. Tinha sido um dia estafante e ficou aborrecida por ter de roubar algum tempo à tarefa de transformar a Mensagem num todo coerente. Apesar de uma parte dela sentir relutância em ir, tomou ducha, mudou de roupa, comprou um pacote de cajus e decorridos três quartos de hora estava num táxi.
Faltava cerca de uma hora para o encerramento e o museu estava quase deserto. Havia enormes máquinas escuras arrumadas em todos os cantos de um grande salão de entrada. Estava ali o orgulho das indústrias do calçado, têxtil e carvoeira do século XIX. Um órgão a vapor da Exposição de 1876 tocava uma música alegre, parecia-lhe que originariamente escrita para metais, para um grupo de turistas da África Ocidental. Joss não estava à vista. Ellie reprimiu o impulso de girar nos calcanhares e ir-se embora.
Se tivesses de encontrar Palmer Joss neste museu, pensou, e as únicas coisas de que jamais tivesses falado com ele fossem religião e a Mensagem, onde o procurarias? Era um pouco como o problema da seleção de freqüências da SETI: nunca recebemos uma mensagem de uma civilização avançada e temos de decidir em que freqüências esses seres — acerca dos quais não sabemos virtualmente nada, nem sequer se existem — resolveram transmitir. Tem de envolver qualquer conhecimento que nós e eles compartilhemos. Nós e eles sabemos com certeza qual a espécie de átomo mais abundante no universo e a única radiofreqüência em que caracteristicamente absorve e emite. Tinha sido essa a lógica pela qual a linha de hidrogênio neutro de mil quatrocentos e vinte megahertz fora incluída em todas as explorações iniciais da SETI. Qual seria ali o equivalente? O telefone de Alexandre Graham Bell? O telégrafo? O TSF de Marconi?… Claro!
— Este museu tem um pêndulo de Foucault? — perguntou ao guarda.
O bater dos seus saltos ecoava no chão de mármore enquanto ela se dirigia para a rotunda. Joss estava encostado ao gradeamento, a olhar para uma representação em mosaico dos pontos cardeais. Havia pequenas marcas horárias verticais, umas direitas e outras obviamente derrubadas durante o dia pelo pêndulo. Por volta das sete da tarde alguém parara a sua oscilação e ele estava agora imóvel. Estavam completamente sós. Joss ouvira-a aproximar-se durante pelo menos um minuto, e não dissera nada.
— Chegou à conclusão de que a oração pode fazer parar um pêndulo? — perguntou Ellie, a sorrir.
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