— Obrigado, senhora Presidente. É a respeito do manual. Tenho aqui o relatório. Está incluída como apêndice uma extensa parte técnica. Pensei que também poderia estar interessada nela. Resumindo, estamos a ler e a compreender efetivamente a coisa sem dificuldade nenhuma. É um programa de ensino diabolicamente inteligente. Não emprego a palavra «diabolicamente» em qualquer sentido literal, claro. Nesta altura devemos ter um vocabulário de três mil palavras.
— Não compreendo como é possível. Vi como eles conseguiam ensinar-lhes os nomes dos seus números. Vocês fazem um ponto e escrevem por baixo as letras U M, e por aí fora. Vi como conseguem obter o desenho de uma estrela e depois escrever por baixo E S T R E L A. Mas não vejo como podem decifrar verbos, ou o pretérito, ou os condicionais.
— Fazem uma parte com movies. Os movies são perfeitos para verbos. E uma quantidade do resto fazem-no com números. Até mesmo abstrações; são capazes de comunicar abstrações com números. É mais ou menos assim: primeiro contam os números para nós e depois introduzem algumas palavras novas — palavras que não compreendemos. Olhe, vou indicar as suas palavras por letras. Lemos qualquer coisa deste gênero (as letras representam símbolos que os Veganianos introduzem)…
Escreveu:
1A1B2Z
1A2B3Z
1A3B4Z
— Que lhe parece que é?
— A caderneta das minhas notas liceais? Quer dizer que há uma combinação de pontos e traços que A representa e uma combinação de pontos e traços representados por B, e assim por diante?
— Exatamente. Sabe-se o que o um e o dois significam, mas não se sabe o que significam A e B. Que lhe diz uma seqüência destas?
— A significa «mais» e B significa «igual». É aí que quer chegar?
— Ótimo. Mas não compreendemos o que Z significa, pois não? Suponhamos que aparece uma coisa como:
1A2B4Y
«Compreende?
— Talvez. Dê-me outra que acabe em Y
2000A4000B0Y
— Está bem, acho que percebi. Desde que não leiam os três últimos símbolos como uma palavra. Z significa que é verdadeiro e Y significa que é falso.
— Certo. Exatamente. Muito bom para uma presidente com um vírus e uma crise sul-africana. Portanto, com algumas linhas de texto, eles ensinaram-nos quatro palavras: mais, igual, verdadeiro e falso. Quatro palavras muito úteis. Depois ensinam divisão, dividem um por zero e dão-nos a palavra que significa infinidade. Ou talvez seja apenas a palavra que significa indeterminado. Ou dizem: «A soma dos ângulos internos de um triângulo é dois ângulos retos.» Depois observam que a afirmação é verdadeira se o espaço é plano, mas falsa se o espaço é curvo. Aprendemos assim a dizer a palavra se e…
— Eu não sabia que o espaço era curvo. Ken, de que diabo está a falar? Como pode o espaço ser curvo? Não, deixe lá, deixe lá. Isso não pode ter nada a ver com o assunto que temos pela frente.
— Na realidade…
— Sol Hadden disse-me que a idéia da localização do manual foi dele. Não olhe para mim com essa cara cômica, Der Heer. Falo com todos os tipos de gente.
— Não queria dizer… hmmm… No meu entender, Mister Hadden apresentou algumas sugestões que já tinham sido todas feitas por outros cientistas. A doutora Arroway verificou-as e acertou em cheio com uma delas. Chama-se modulação de fase ou codificação de fase.
— Muito bem. Agora, Ken, é verdade que o manual está espalhado por toda a Mensagem, não é? Montes de repetições. E houve um manual qualquer pouco depois de a Arroway começar a captar o sinal.
— Pouco depois de ela captar a terceira camada do palimpsesto, o desenho da Máquina.
— E muitos países possuem a tecnologia necessária para ler o manual, não é verdade?
— Bem, precisam de um instrumento chamado correlacionador desses. Mas, sim. Os países que contam, de qualquer modo.
— Nesse caso, os Russos podiam ter lido o manual há um ano, não podiam? Ou os Chineses, ou os Japoneses. Como sabe que, neste preciso momento, eles não estão já a meio da construção da Máquina?
— Pensei nisso, mas o Marvin Yang diz que é impossível. Fotografias por satélite, inteligência eletrônica e pessoas no local, tudo confirma não existir nenhum sinal do gênero de grande projeto de construção que seria necessário para construir a Máquina. Não, nós temos estado todos a dormir na forma. Fomos seduzidos pela idéia de que o manual de instruções tinha de vir no princípio, e não intercalado ao longo da Mensagem. Foi só quando a Mensagem reciclou e descobrimos que ele não estava lá que começamos a pensar noutras possibilidades. Todo este trabalho foi feito em estreita colaboração com os Russos e com todos os outros. Não achamos que alguém nos tenha passado à frente, mas, por outro lado, agora todos têm o manual. Não creio que exista algum curso de ação unilateral para nós.
— Eu não quero um curso de ação unilateral para nós. Só quero ter a certeza de que mais ninguém tem um curso de ação unilateral. Mas pronto, voltemos ao seu manual. Sabem dizer «verdadeiro-falso», «se-então» e «o espaço é curvo». Como constroem uma máquina com isso?
— Sabe, não acho que a constipação, ou lá o que é que tem, lhe tenha diminuído um nadinha que seja as faculdades. Bem, parte tudo daí. Por exemplo, eles traçam-nos um quadro periódico dos elementos, de modo a mencionarem todos os elementos químicos, a idéia de um átomo, a idéia de um núcleo, de prótons, nêutrons e elétrons. Depois passam alguma mecânica quântica, só para terem a certeza de que estamos a prestar atenção — já adquirimos algumas novas percepções no material corretivo. Depois começam a concentrar-se nos materiais específicos necessários para a construção. Por exemplo, por qualquer razão, precisamos de duas toneladas de érbio e, por isso, eles explicam uma técnica para o extrair de rochas vulgares.
Der Heer levantou a mão, de palma para a frente, num gesto apaziguador:
— Não me pergunte por que precisamos de duas toneladas de érbio. Ninguém faz a mínima idéia.
— Não ia perguntar isso. O que quero saber é como eles lhes disseram quanto é uma tonelada.
— Contaram-na para nós em massas de Planck. Uma massa de Planck é…
— Deixe lá, deixe lá. É qualquer coisa do conhecimento de todos os físicos do universo, não é verdade? E eu nunca ouvi falar dela. Agora a conclusão: compreendemos o manual suficientemente bem para começar a ler a Mensagem? Seremos ou não capazes de construir a coisa?
— A resposta parece ser «sim». Temos o manual há poucas semanas apenas, mas estão a cair-nos no colo, com toda a clareza, capítulos inteiros da Mensagem. Há desenho meticuloso, explicações redundantes e, tanto quanto nos parece, tremenda redundância na concepção da Máquina. Devemos poder ter um modelo tridimensional dela para si a tempo daquela reunião para selecionar a tripulação na próxima quinta-feira, se se sentir em condições para isso. Até agora não temos nenhuma pista quanto ao que a Máquina faz ou como funciona. E há alguns componentes químicos orgânicos esquisitos que não fazem sentido nenhum como parte de uma máquina. Mas quase toda a gente parece convencida de que a podemos construir.
— Quem não parece?
— Bem, Lunacharsky e os Russos. E Billy Jo Rankin, claro. Ainda há quem tema que a Máquina faça o mundo ir pelos ares, desvie o eixo da Terra, ou qualquer coisa desse gênero. Mas o que tem impressionado a maioria dos cientistas é como as instruções são cuidadosas e as muitas maneiras diferentes que eles utilizam para tentar explicar a mesma coisa.
— E que diz a Eleanor Arroway?
— Diz que, se eles nos quiserem tramar, estarão aqui dentro de vinte cinco anos, pouco mais ou menos, e não há nada que possamos fazer nesse espaço de tempo para nos protegermos. Estão excessivamente à nossa frente. Por isso, construam-na, diz ela, e, se estão preocupados com perigos ambientais, construam-na num lugar distante. O professor Drumlin diz que, pela parte que lhe toca, até podemos construí-la na baixa de Pasadena. Na verdade, diz mesmo que estará lá todos os minutos que forem necessários para construir a Máquina, de modo que seja o primeiro a ir desta para melhor se ela explodir.
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