— «Isto,» o quê?
— Nada de jogos gladiatoriais. Acabo de receber informação de Sacramento. Foi apresentado à legislatura um projeto de lei para proibir jogos gladiatoriais na Califórnia. Demasiado violentos, dizem. Autorizam um novo arranha-céus sabendo que perderão dois ou três trabalhadores na sua construção. Os sindicatos sabem-no, os construtores sabem-no, e trata-se apenas de construir escritórios para companhias petrolíferas ou advogados de Beverly Hills. Claro, nós perderíamos alguns praticantes. Mas estamos mais orientados para rede e tridente do que para espada curta. Esses legisladores não têm as suas prioridades certas.
Lançou-lhe um sorriso de mocho e ofereceu-lhe uma bebida, que ela voltou a recusar.
— Quer então falar comigo a respeito da Máquina e eu quero falar consigo a respeito da Máquina. Primeiro: você quer saber onde está o chamado manual?
— Estamos a pedir auxílio a algumas pessoas-chave que poderão ter alguma percepção a tal respeito. Pensamos que o senhor, com o seu palmares de invenção — e uma vez que o seu chip de reconhecimento de contexto interveio na descoberta da reciclagem —, se poderia colocar no lugar dos Veganianos e imaginar onde colocaria o manual. Compreendemos que é uma pessoa muito ocupada e eu lamento ter de…
— Oh, não! Não há problema. É verdade que estou muito ocupado. Estou a tentar regularizar os meus negócios, porque vou fazer uma grande mudança na minha vida…
— Para o Milênio? — Ellie tentou imaginá-lo a dar aos pobres a S. R. Hadden and Company; a casa de corretagem da Wall Street; a Genetic Engineering, Inc.; a Hadden Cybernetics, e Babilônia.
— Não é bem isso. Não. Foi divertido pensar no assunto. Fez-me sentir bem ser consultado. Vi os diagramas.
Apontou com a mão para o conjunto comercial de oito volumes desordenadamente espalhados numa mesa de trabalho.
— Há ali coisas maravilhosas, mas não creio que seja lá que o manual está escondido. Não é nos diagramas. Não sei por que motivo pensam que a chave tem de estar na Mensagem. Talvez a tenham deixado em Marte ou Plutão, ou na Nuvem do Cometa Oort, e a descubramos daqui a alguns séculos. Por agora sabemos que existe esta Máquina maravilhosa, com desenhos do projeto e trinta mil páginas de texto explicativo. Mas não sabemos se seríamos capazes de construir a coisa se conseguíssemos ler o texto. Por isso, aguardamos alguns séculos, enquanto vamos aperfeiçoando a nossa tecnologia, sabendo que mais cedo ou mais tarde teremos de estar preparados para a construir. O fato de não termos o manual prende-nos a gerações futuras. Foi enviado aos seres humanos um problema que levará gerações para resolver. Não acho que seja uma coisa assim tão má. Poderá ser muito salutar. Talvez estejam a cometer um erro ao procurar um manual. Talvez seja melhor não o encontrarem.
— Não, eu quero encontrá-lo sem demora. Não sabemos se ficará eternamente à nossa espera. Se eles desistissem em virtude de não receberem nenhuma resposta, seria muito pior do que se nunca tivessem sequer estabelecido contato.
— Bem, talvez tenha uma certa razão. De qualquer modo, pensei no máximo de possibilidades banais e depois numa que não o é. Primeiro, as banais: o manual está na Mensagem, mas num ritmo de dados muito diferente. Suponha que havia lá outra mensagem a um bit por hora. Conseguiriam detectá-la?
— Absolutamente. Por rotina, aliás, verificamos se há uma declinação receptora a longo prazo. Mas, de resto, um bit por hora só nos dá… deixe ver… dez ou vinte mil bitstops antes de a Mensagem. reciclar.
— Por conseqüência, isso só faz sentido se o manual for muito mais fácil do que a Mensagem. Você pensa que não é. Eu penso que não é. E a respeito de ritmos de bits muito mais rápidos? Como sabe que debaixo de cada bit da sua Mensagem da Máquina não á um milhão de bits da mensagem do manual?
— Porque produziria larguras de banda monstruosas. Saberíamos imediatamente.
— Muito bem, há então uma acumulação de dados rápidos de vez em quando. Pense nisso como se fosse um microfilme. Há um ponto minúsculo de microfilme que se encontra em partes repetidas — quero dizer repetitivas — da Mensagem. Estou a imaginar uma caixinha que diz na sua linguagem habitual: «Eu sou o manual.» Depois, logo após isso, há um ponto. E nesse ponto há cem milhões de bits muito rápidos. Poderiam ver, se receberam algumas caixas.
— Acredite-me, teríamos visto.
— Sim, senhora, e a respeito de modulação de fase? Usamo-la no radar e na telemetria de naves espaciais e praticamente não suja o espectro. Ligaram um correlacionador de fases?
— Não. É uma idéia útil. Estudá-la-ei.
— Agora a idéia não banal é a seguinte: se a Máquina alguma vez for feita, se a nossa gente vai sentar-se nela, alguém vai carregar num botão e então essas cinco pessoas vão a qualquer lado. Não interessa onde. É, no entanto uma questão interessante saber se essas cinco pessoas vão regressar. Talvez não. Atrai-me a idéia de que toda esta concepção da Máquina foi inventada por ladrões de corpos veganianos. Percebe o que quero dizer, os seus estudantes de Medicina, ou antropólogos, ou qualquer coisa. Eles precisam de alguns corpos humanos. Uma grande trabalhadeira para vir à Terra — é necessária permissão, passaporte da autoridade do trânsito, o inferno… dá mais chatices do que benefício. Mas com um pouco de esforço pode-se enviar para a Terra uma mensagem, e então serão os terrestres a ter o trabalho todo para lhes enviar os cinco corpos.
«É como colecionar selos. Eu costumava colecionar selos quando era miúdo. Podíamos enviar uma carta a alguém num país estrangeiro, e quase sempre as pessoas respondiam. Não interessava o que elas diziam. Tudo quanto queríamos era o selo. Assim, o quadro que vejo é esse: há alguns colecionadores de selos em Vega. Mandam cartas para o exterior quando estão para aí virados e chegam-lhes corpos a voar de todos os cantos do espaço. Não gostaria de ver a coleção?
Sorriu-lhe e continuou:
— Ora bem, que tem isto a ver com encontrar o manual? Nada. Só é relevante se eu estou enganado. Se o meu quadro está errado, se as cinco pessoas vão regressar à Terra, então será uma grande ajuda termos inventado o vôo espacial. Independentemente do muito ou pouco espertos que eles sejam, vai ser difícil pousar a Máquina. Há demasiadas coisas em movimento. Sabe Deus qual é o sistema de propulsão. Se surgimos do espaço alguns metros abaixo do solo, estamos tramados. E que são alguns metros em vinte e seis anos-luz? É excessivamente arriscado. Quando a Máquina regressar, surgirá — ou seja lá o que fizer — do espaço algures perto da Terra, mas não sobre ela ou nela. Por isso, precisam de ter a certeza de que temos vôo espacial para que as cinco pessoas possam ser recuperadas no espaço. Estão cheios de pressa e não podem esperar inativos até chegar a Vega o telejornal noturno de 1957. Que fazem então? Arranjam maneira de parte da Mensagem só poder ser detectada do espaço. Que parte é essa? O manual. Se alguém conseguir detectar o manual, é porque tem vôo espacial e pode regressar em segurança. Por isso imagino que o manual está a ser enviado na freqüência das absorções e oxigênio no espectro de microondas ou no infravermelho próximo… nalguma parte do espectro que só podemos detectar quando estamos bem fora da atmosfera da Terra…
— Tivemos o Telescópio de Hubble a observar Vega em todo o ultravioleta, o visível e o infravermelho próximo. Nem sombra de nada. Os Russos afinaram o seu dispositivo de onda milimétrica. Praticamente não têm estado a observar mais nada além de Vega e não descobriram coisa nenhuma. Mas continuaremos a observar. Outras possibilidades?
Читать дальше