Os diagramas foram publicados num conjunto de livros «mesa de café» em oito volumes, que não tardou a ser editado em todo o mundo. Em todo o planeta havia gente a tentar decifrar os desenhos. O dodecaedro e as formas quase biológicas eram particularmente evocativas. O público apresentou muitas sugestões inteligentes, as quais foram cuidadosamente analisadas pela equipa de Argus. Não faltaram também muitas interpretações extravagantes, principalmente em semanários. Criaram-se novas indústrias completas — sem dúvida imprevistas pelos que conceberam a Mensagem — ; destinadas a utilizar os diagramas para ludibriar o público. Foi anunciada a Ordem Antiga e Mística do Dodecaedro. A Máquina era um OVNI. A Máquina era a Roda de Ezequiel. Um anjo revelou o significado da Mensagem e dos diagramas a um homem de negócios brasileiro, que distribuiu — ao princípio a expensas próprias — a sua interpretação pelo mundo todo. Com tantos diagramas enigmáticos para interpretar, era inevitável que muitas religiões reconhecessem alguma da sua iconografia na Mensagem das estrelas. Um corte transversal principal da Máquina parecia-se um tanto ou quanto com um crisântemo, ato que despertou grande entusiasmo no Japão. Se houvesse uma imagem de um rosto humano entre todos os diagramas, o fervor messiânico poderia ter atingido um ponto de explosão.
Mesmo assim, um número surpreendentemente grande de pessoas estava a arrumar os seus negócios, preparando-se para o Advento. A produtividade industrial descia à escala mundial. Muitos tinham dado todos os seus bens aos pobres e depois, como o fim do mundo se ia adiando, foram obrigados a pedir auxílio a uma obra de caridade ou ao Estado. Como as dádivas deste gênero constituíam uma parte importante dos recursos de tais obras de caridade, alguns dos filantropos acabaram por ser ajudados por aquilo que eles próprios tinham dado. Delegações abordavam dirigentes governamentais para insistirem no sentido de que a esquistossomíase, por exemplo, ou a fome mundial estivessem exterminadas aquando o Advento; caso contrário, não se sabia o que nos poderia acontecer. Outros opinavam, mais serenamente, que, se estava iminente uma década de autêntica loucura mundial, devia haver nela, algures, uma considerável vantagem monetária ou nacional.
Alguns diziam que não havia manual de instruções nenhum, que todo o exercício consistia em ensinar humildade aos humanos ou dar conosco em malucos. Havia editoriais de jornais aventando a hipótese de não sermos tão espertos como julgávamos ser e um ressentimento contra os cientistas, que, depois de todo o apoio que lhes fora dado pelos governos, não nos sabiam valer na hora em que deles precisávamos. Ou talvez os humanos fossem muito mais estúpidos do que o que os Veganianos nos julgavam. Talvez houvesse algum ponto que tivesse sido perfeitamente óbvio para todas as civilizações emergentes anteriores assim contatadas, qualquer coisa que nunca antes escapara a ninguém na história da Galáxia. Alguns comentadores aceitaram esta perspectiva de humilhação cósmica com vero entusiasmo. Provava o que eles tinham dito das pessoas desde sempre. Passado algum tempo, Ellie chegou à conclusão de que precisava de auxílio.
Entraram sub-repticiamente pela porta de Enlil, com o acompanhante enviado pelo proprietário. A brigada de segurança da General Services Administration estava inquieta, apesar da, ou talvez por causa da, proteção suplementar.
Embora ainda houvesse um pouco de luz do dia, as ruas sujas estavam iluminadas por braseiras, candeeiros a petróleo e uma tocha ocasional, gotejante. Duas ânforas, suficientemente grandes para conterem um ser humano adulto, flanqueavam a entrada de uma loja de venda de azeite a retalho. A tabuleta era em caracteres cuneiformes. Num edifício público adjacente via-se um magnífico baixo-relevo de uma caçada ao leão no reino de Assurbanipal. Quando se aproximavam do Templo de Assur, houve uma agitação na multidão e o acompanhante de Ellie desviou-se. Ela tinha agora uma visão desimpedida do Zigurate, por uma avenida iluminada por tochas abaixo. Era mais empolgante do que nas fotografias. Soou um floreado marcial de um instrumento metálico que lhe não era familiar, passaram a trote três homens e um cavalo, com o auriga de barrete frígio. Como numa representação medieval de uma estória advertente do Livro do Gênesis, o cimo do zigurate estava envolto em nuvens crepusculares baixas. Deixaram o caminho de Ishtar e entraram no zigurate por uma rua transversal. No elevador privado, o acompanhante de Ellie premiu o botão para o último andar: QUARENTA, dizia. Nada de numerais. Simplesmente a palavra. E depois, para não deixar qualquer espaço para dúvidas, um painel de vidro iluminou-se com as palavras: OS DEUSES.
Mr. Hadden juntar-se-lhe-ia dentro de momentos. Desejava beber alguma coisa enquanto esperava? Considerando a fama do lugar, Ellie recusou. Babilônia estendia-se à sua frente — magnificente, como toda a gente dizia, na sua recriação de um tempo e um lugar havia muito desaparecidos. Durante as horas do dia, autocarros de museus, de algumas escolas — muito poucas — e de agências de turismo descarregavam na Porta de Ishtar os seus passageiros, que envergavam roupas apropriadas e viajavam no tempo para o passado. Sabiamente, Hadden doava todos os lucros da sua clientela diurna a obras de caridade da cidade de Nova Iorque e de Long Island. As excursões diurnas eram imensamente populares, em parte por proporcionarem uma oportunidade respeitável para verem o lugar àqueles que não podiam sequer sonhar ver a Babilônia de noite. Bem, sonhar, talvez sonhassem.
Depois de escurecer, Babilônia passava a chamar-se um parque de diversão de adultos. Era de uma opulência, de um tamanho e de uma imaginatividade que tornavam insignificantes lugares como, por exemplo, o Reeperbahn de Hamburgo. Era de longe a maior atração turística da área metropolitana de Nova Iorque e a que dava, também de longe, os maiores lucros brutos. Sabia-se bem como Hadden conseguira convencer os vereadores de Babilônia, Nova Iorque, e de que enredos de corredor se servira para um «abrandamento» das leis locais e estaduais sobre a prostituição. Agora ia-se do centro de Manhattan à Porta de Ishtar em meia hora de comboio. Ellie insistira em viajar nesse comboio, apesar das súplicas da gente da segurança, e verificara que quase um terço dos visitantes era constituído por mulheres. Não havia graffiti e o perigo de um ataque com intuitos de roubo era pequeno; mas o tipo de ruído branco era muito menor, comparado com o proporcionado pelos transportes da rede de metropolitano da cidade de Nova Iorque.
Embora Hadden fosse membro da Academia Nacional de Engenharia, nunca, que Ellie soubesse, comparecera a uma reunião dessa agremiação, e ela nunca lhe pusera os olhos em cima. No entanto, anos antes, o seu rosto tornara-se bem conhecido de milhões de americanos, em conseqüência da campanha do Conselho de Publicidade contra ele: O ANTIAMERICANO, fora então a legenda aposta sob uma fotografia pouco lisonjeira de Hadden. Mesmo assim, ficou espantada quando, no meio do seu devaneio junto da parede de vidro oblíqua, foi interrompida por uma pessoa baixa e gorda a acenar-lhe.
— Oh, desculpe! Nunca compreendi como alguém pode ter medo de mim.
A sua voz era surpreendentemente harmoniosa. Na realidade, ele parecia falar em quintas. Não achara necessário apresentar-se e voltou a inclinar a cabeça para a porta que deixara entreaberta. Em tais circunstâncias custava a crer que estivesse prestes a abater-se sobre ela algum crime passional; por isso, muda, entrou na sala ao lado.
Ele mostrou-lhe uma maqueta meticulosamente executada de uma antiga cidade de aspecto menos pretensioso do que Babilônia.
— Pompéia — disse, a título de explicação. — Aqui a chave é o estádio. Com as restrições impostas ao boxe, não restam na América quaisquer desportos sanguinários salutares. Muito importante. Extrai alguns dos venenos da corrente sanguínea nacional. Está tudo concebido, as licenças concedidas, e agora isto.
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