Nesse passo, ao mencionar concessão dentre as formas de exploração descritas no artigo 36, não seria, em princípio , certa a natureza de serviço público inerente. Afinal de contas, o mesmo código expressamente classifica dos aeroportos como bens públicos federais (artigo 38, caput ), o que poderia denotar que a concessão em discussão poderia ser uma concessão de bem público e não uma concessão de serviço público.
Essa assertiva não me parece, contudo, correta. Bem ao contrário. Parece-me completamente equivocada, pois, ao meu olhar, claramente o inciso IV do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica, ao mencionar a concessão, faz referência à concessão de serviço público .
A razão para tanto repousa nas linhas precedentes, em que analisei os demais incisos do mesmo dispositivo. Isso ocorre, pois a análise conjunta do artigo 36 vertente, com os artigos 21, XII, “c”, e 175 da Constituição Federal deixa evidente que a atividade de exploração aeroportuária constitui um serviço público no sistema jurídico brasileiro. E o motivo para tanto é evidente e autoexplicativo: a atividade é posta sob o plexo de competências da União Federal, havendo expressa determinação, tanto constitucional, quanto legal, para que haja uma atuação direta do Poder Público federal no respectivo mercado, o que denota claramente a existência de uma obrigação estatal típica do serviço público .
Destarte, muito embora a existência do termo concessão pudesse ser compreendida como uma concessão a outra atividade que não necessariamente um serviço público, parece-me claro que se trata de uma referência à concessão de serviço público. Em suma: trata-se de hipótese em que há a criação de uma obrigação jurídica do Estado, que pode ser delegada para um particular, na satisfação do interesse coletivo .
Nesse passo, é evidente que o Código Brasileiro de Aeronáutica reconhece a atividade de exploração aeroportuária como um serviço público e determina que sua realização dar-se-á de forma direta – exploração direta pela União, descentralizada por empresa estatal ou descentralizada por convênio com Estado ou Município – ou indireta, por meio de concessão de serviço público.
Ocorre, contudo, que esta conclusão nem de longe deve (ou, até mesmo, pode) desaguar na ideia de que a atividade de exploração aeroportuária somente possa ser explorada no regime de serviço público . A razão para tanto consiste exatamente no que já demonstrei no tópico III deste trabalho, haja vista que serviço público não é sinônimo natural de monopólio. Ao contrário, considerar o serviço público um monopólio não apenas não é condizente com o quanto determinado pelo Texto Constitucional 61, como ineficiente, eis que impede o aproveitamento de melhoras decorrentes do aproveitamento das potencialidades da livre iniciativa econômica e da livre concorrência 62.
Pois bem. Ainda que o artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica simplesmente mencionasse a concessão como forma de exploração da atividade aeroportuária, não seria automática a interpretação de que referida atividade somente pode existir sujeita ao regime jurídico de serviço público, principalmente se considerado o disposto no artigo 21, XII, “c”, da Constituição Federal.
Porém, por fortuna, a situação é muito mais fácil de ser resolvida, haja vista que o próprio inciso IV do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica expressamente determina que a exploração de aeródromos públicos pode ser realizada por meio de autorização . É dizer, o próprio dispositivo ora em interpretação determina que a autorização é um título habilitante cabível para a atividade aeroportuária e, pois, admite a existência de uma dualidade de regimes .
Como deixei anotado no tópico precedente do presente trabalho, a previsão expressa de autorização dentre os títulos habilitantes do artigo 36 em testa revela, per se , que é possível a exploração da atividade fora do regime de serviço público. E o motivo é óbvio e já foi delineado de forma clara no mesmo tópico precedente: analisando-se o conteúdo do artigo 175 da Constituição Federal, tem-se que somente concessão e permissão são títulos habilitantes válidos para a delegação de atividades no regime de serviço público.
A autorização, repise-se, é instrumento de controle de entrada utilizado pelo Estado em setores demandantes de mais intensa regulação estatal que torna possível a exploração de determinada atividade em regime privado, fora do regime de serviço público, pois . Novamente reafirmando o quanto já disse nas páginas precedentes, quando há a convivência de autorização e concessão no mesmo setor, há a clara denotação da existência de concorrência com assimetria de regimes jurídicos.
Nesse passo, o Código Brasileiro de Aeronáutica expressamente permite a coexistência de regimes na exploração de aeródromos públicos, eis que determina haver a coexistência dos títulos habilitantes de concessão e autorização. O que se deve perquirir, a partir desta afirmação é qual seria a hipótese de cabimento de cada qual.
O primeiro ponto a ser afirmado consiste na definição da iniciativa de implantação de um projeto aeroportuário. Sendo a concessão cabível para os casos de prestação descentralizada e delegada de um serviço público , tem-se clara a iniciativa estatal do projeto concedido. Isso, pois a incidência do regime de serviço público avoca a iniciativa da atividade para o Estado, eis que este é obrigado a garantir o cumprimento de sua obrigação jurídica chamada serviço público.
Por outro lado, evidentemente, tem-se que os projetos sujeitos a autorização são projetos de iniciativa particular , ou seja, projetos que não nascem de uma ação estatal. Como a atividade autorizada é privada e sujeita a regulação estatal, a iniciativa de sua exploração é privada. Somente pode haver o condicionamento de uma atividade autorizada a uma iniciativa estatal nos casos em que houver a dependência de um bem público escasso para o desempenho da atividade 63.
Nesse trilhar, extraindo-se do Código Brasileiro de Aeronáutica o seu significado jurídico mais preciso, tem-se que os projetos explorados em regime de concessão têm iniciativa pública e os projetos explorados em regime de autorização têm iniciativa privada, eis que não há uma barreira de entrada que possa ser limitativa e dependente de uma iniciativa estatal nesse mercado.
O segundo ponto relevante é que o Código Brasileiro de Aeronáutica não faz distinção quanto à finalidade do aeródromo público para fins de cabimento de autorização ou concessão. Como já sublinhei, esse diploma legal expressamente prevê a existência de aeródromos públicos e aeródromos privados. Caso a construção doutrinária de que a autorização apenas pode se prestar para empreendimentos autorizados no interesse exclusivo do autorizatário estivesse correta – o que já demonstrei não estar – e fosse aplicável ao setor aeroportuário, seria natural que a autorização somente coubesse para aeródromos privados e, portanto, somente fosse cabível a concessão para aeródromos públicos.
Contudo, como é claramente apreensível da redação do artigo 36 ora em análise, tanto concessão como autorização são aplicáveis para aeródromos públicos , ou seja, aeródromos voltados à utilização por qualquer interessado, independentemente da aquiescência dos respectivos proprietários. Portanto, parece-me evidente que, nos quadrantes da lei setorial (i.e., Código Brasileiro de Aeronáutica), é perfeitamente possível a concorrência com assimetria regulatória entre aeródromos operados em regime de serviço público por meio de concessões e aeródromos operados em regime privado por meio de autorização .
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