A conformação precisa dos contornos da autorização em cada setor regulado poderá ser dada diretamente por uma lei geral do setor 51, ou por ato normativo do respectivo regulador, dentro do espaço de deslegalização 52existente em cada setor, como ocorre nos casos dos setores de energia elétrica, transportes terrestres, entre outros.
Portanto, posso, sem óbices, concluir que a ideia de que a autorização é ato discricionário e precário encontra-se há muito superada. Trata-se de mais uma formulação hermética da doutrina brasileira, sem qualquer esteio no Direito positivo. Embora ainda seja vez ou outra reproduzida pela jurisprudência, essa concepção encontra-se com seus dias contados, já havendo decisões de enorme relevância proferidas pelo Supremo Tribunal Federal 53e pelo Tribunal de Contas de União 54que ratificam a metamorfose ora indicada no instituto da autorização.
III. A AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA NO SETOR DE AVIAÇÃO CIVIL
Tendo posto de forma clara os contornos contemporâneos do instituto da autorização no Direito Administrativo Econômico brasileiro, passarei, no presente tópico, a explorar a autorização especialmente no setor de aviação, identificando como vem o instituto previsto na legislação aplicável, bem como se poderia ou não, de lege ferenda , haver uma autorização para a construção e operação de um aeroporto privado.
Preliminarmente, é imprescindível mencionar que farei um corte na análise do setor de aviação civil, eis que esse setor compreende duas grandes atividades: o transporte aéreo de passageiros e a exploração de infraestruturas aeroportuárias.
No que se refere ao transporte aéreo de passageiros, o Código Brasileiro de Aeronáutica e a Lei n.º 11.182, de 27 de setembro de 2005, estabelecem a possibilidade de outorga de concessões e autorizações. Contudo, há clara apartação de cabimento entre os institutos, cabendo apenas a concessão para o transporte aéreo regular de passageiros 55e a autorização para serviços privados de transporte aéreo privado (aviação executiva).
Já no que se refere à exploração de infraestruturas aeroportuárias, há um sistema dúplice no Código Brasileiro de Aeronáutica, dividindo-se os aeródromos entre públicos e particulares e se fixando o regime de outorga dos direitos de exploração de cada qual.
Nos termos do artigo 30 do Código Brasileiro de Aeronáutica, os aeródromos públicos são aqueles abertos ao público, sendo aeroportos os “ aeródromos públicos, dotados de instalações e facilidades para apoio de operações de aeronaves e de embarque e desembarque de pessoas e cargas ”, conforme inciso I do artigo 31 do mesmo Código. Ainda, nos termos do § 1º do mesmo artigo 30, “ aeródromos privados só poderão ser utilizados com permissão de seu proprietário, vedada a exploração comercial ”.
Assim sendo, uma primeira diferenciação determinada pelo Código Brasileiro de Aeronáutica consiste na finalidade atribuída aos aeródromos. Os públicos voltam-se ao uso geral por todos os interessados e os privados voltam-se apenas aos interesses de seu proprietário, não podendo ser objeto de exploração comercial.
Inobstante, os aeródromos públicos também são subdivididos entre si: há aeródromos públicos que podem receber qualquer espécie de serviço de aviação (comercial ou executivo) e há aeródromos públicos que somente podem receber serviço de aviação executiva, sendo vedados a esses últimos o recebimento de voos comerciais. O artigo 37 do Código Brasileiro de Aeronáutica determina que, nos aeródromos públicos, somente poderá haver restrições de uso por motivos operacionais ou de segurança.
A locução aeródromo público refere-se aos aeródromos que podem ser acessados por qualquer interessado, independentemente da aquiescência do respectivo proprietário. Contudo, não implica afirmar que todos os aeródromos públicos têm a capacidade de receber qualquer tipo de voo. Há a aeródromos públicos restritos a determinados tipos de serviço.
Ainda deve-se destacar que o Código Brasileiro de Aeronáutica, em seu artigo 31, inciso I, determina que aeroportos são: “ aeródromos públicos, dotados de instalações e facilidades para apoio de operações de aeronaves e de embarque e desembarque de pessoas e cargas ”. Ou seja, apenas aeródromos públicos poderão ser considerados aeroportos.
Dessas considerações, há que anotar que o Código Brasileiro de Aeronáutica não pré-determina, necessariamente, qual é o regime jurídico de exploração de aeródromos públicos e, mais especificamente, dos aeroportos. É dizer, o diploma normativo em comento limita-se a apartar aeródromos públicos de privados e a especificar que os aeródromos públicos que atenderem a certos requisitos são considerados aeroportos. Não há qualquer elemento que estatua a obrigatoriedade ou a exclusividade do regime jurídico de serviço público na exploração de aeroportos.
Por conseguinte, é desde já importante assentar que nem todos os aeródromos públicos são infraestruturas de prestação de serviço público . É dizer: o fato de um aeródromo estar aberto à utilização de qualquer interessado não significa, per se, que se trata de um serviço público. A identificação de uma infraestrutura destinada à prestação de serviço público depende, pois, de outros elementos, como a incidência das obrigações de universalidade, modicidade tarifária e continuidade, existentes quando exploradas diretamente pelo Poder Público, como explicarei adiante, ou quando trasladadas de forma expressa ao particular operador da infraestrutura.
Mais além, o Código Brasileiro de Aeronáutica determina que nenhum aeródromo poderá ser construído e operado sem autorização prévia da autoridade aeronáutica (artigo 34, caput ). Com isso, determina a lei setorial aplicável que não é permitida a entrada de agentes no respectivo mercado (seja público, seja privado) sem um título habilitante prévio .
Não há no Código Brasileiro de Aeronáutica especificação clara acerca de qual o título habilitante prestável para a construção e operação de aeródromos privados, apenas havendo a menção de que os “ aeródromos privados serão construídos, mantidos e operados por seus proprietários, obedecidas as instruções, normas e planos da autoridade aeronáutica ” no artigo 35 do diploma em análise.
Em sentido contrário, o Código Brasileiro de Aeronáutica define expressamente as formas de exploração de aeródromos públicos, sem descer, contudo, ao detalhamento dos contornos jurídicos de cada qual. Nesse sentido, dispõe o artigo 36 de tal norma ( in verbis ):
Art. 36. Os aeródromos públicos serão construídos, mantidos e explorados:
I - diretamente, pela União;
II - por empresas especializadas da Administração Federal Indireta ou suas subsidiárias, vinculadas ao Ministério da Aeronáutica;
III - mediante convênio com os Estados ou Municípios;
IV - por concessão ou autorização.
Passarei a analisar cada uma das formas de exploração acima transcritas.
Em linhas muito gerais, as regras contidas no artigo 36 em evidência estão em plena compatibilidade com o disposto no artigo 21, inciso XII, “c”, da Constituição Federal, bem como com o artigo 175 também da Carta Maior. Isso, pois as formas de prestação e títulos habilitantes consagrados no dispositivo supratranscrito são exatamente aqueles determinados pelo Texto Constitucional, tanto para o caso de serviço público, quanto para os casos de atividades materialmente concorrentes exploradas no campo dos serviços públicos 56.
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