A primeira forma de exploração vem prevista no inciso I do dispositivo ora em comento que determina que os aeródromos públicos poderão ser explorados diretamente pela União Federal. Aqui, claramente, está-se diante da qualificação da exploração de aeródromos públicos como serviço público , eis que somente no caso desse tipo de serviço público haveria o cabimento de exploração pela Administração Direta da União Federal 57. Ademais, ao se referir a uma exploração direta pela União Federal, autoriza a lei em análise que haja atuação de órgão da Administração direta federal no caso.
A segunda forma é a possibilidade de atuação de empresa especializada da União Federal, diretamente ou por meio de subsidiárias . A hipótese aqui tratada é muito semelhante à dissertada no parágrafo precedente, pois também se trata de prestação direta de serviço público ; a única distinção relevante consiste no fato de que no caso desse inciso II tem-se prestação direta e descentralizada , ao contrário da anterior que é direta e centralizada . Uma vez mais trata-se de serviço público, pois novamente tem-se uma intervenção obrigatória de ente estatal no domínio econômico.
A bem da verdade, a menção expressa a uma empresa estatal no artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica é, em certa medida inútil, pois é evidente que uma atividade definida – ao menos em parte – como serviço público pode ser explorada pela Administração direta ou pela Administração indireta (i.e., autarquia ou empresa estatal), não precisando haver previsão expressa em lei para tanto. Contudo, cumpre sublinhar que a hipótese tratada no inciso II é um desdobramento daquela versada no inciso I.
A terceira forma consiste na exploração de aeroportos por meio de convênios com Estado ou Município . Trata-se de caso em que a União Federal, detentora da competência para a atividade, delega-a a outros entes federativos, atuantes em regime de cooperação.
Sobre a possibilidade de exploração de aeródromos públicos por meio de convênio algumas notas de grande relevo fazem-se necessárias.
O primeiro ponto a ser destacado concerne ao conceito de convênio para os fins do inciso III do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica, eis que o termo convênio é comumente utilizado para diferentes finalidades no Direito brasileiro. Utilizando a precisa definição apresentada por Odete Medauar:
convênio pode ser conceituado como o ajuste entre órgãos ou entidades do Poder Público ou entre estes e entidades privadas, visando à realização de projetos ou atividades de interesse comum, em regime de cooperação” 58.
Mais adiante, a autora ainda especifica a existência de um convênio de delegação , o qual contempla a “ transferência, de um nível federativo a outro, de atividades e serviços públicos suscetíveis de delegação, como acontece em matéria de administração e exploração de rodovias e portos federais ”, bem como aeródromos públicos, completo eu 59.
Nesse passo, parece-nos claro que o inciso III do artigo 36 ora em análise contempla a hipótese de convênio de delegação firmado entre União Federal e Estado ou Município, por meio do qual um desses últimos entes federativos será responsável por construir, operar e manter ou simplesmente operar e manter um determinado aeródromo público.
A clara afirmação de que por meio do convênio simplesmente transfere-se a exploração do aeródromo é de grande importância para assentar, sem dúvidas, que não há deslocamento de competência da União Federal para outro ente federativo . Há apenas a transferência da gestão determinada infraestrutura. A competência – e a respectiva iniciativa, por evidente – permanecem com a União Federal. O convênio é, nesta perspectiva, simplesmente a transferência do ônus da gestão da respectiva infraestrutura .
Por conseguinte, não cabe a Estados e Municípios tomarem a iniciativa de construção, operação e manutenção de aeródromos públicos. Essa iniciativa, em função da competência material assentada no artigo 21, inciso XII, alínea “c”, é privativa da União Federal, remanescendo apenas a possibilidade, conforme a conveniência e oportunidade das circunstâncias do caso concreto, de haver a delegação da operação e da gestão de determinada infraestrutura para outro ente federativo, sem, contudo, haver transferência ou renúncia de competência .
No mesmo diapasão, o segundo ponto a ser destacado concerne ao regime de exploração dos aeródromos públicos por Estados e Municípios . Em decorrência do exposto nos parágrafos precedentes, como o convênio de delegação ora tratado simplesmente transfere uma ação da União para Estado ou Município, o regime de exploração, por esses entes, será o regime de serviço público, pois que agem em nome e lugar da União Federal .
É dizer, ao receber, por convênio, atribuições atinentes a determinado aeródromo público, Estado ou Município atuam como se fossem a União Federal e, como a atuação direta (centralizada ou descentralizada) desta última sempre será no regime público, é evidente que os aeródromos explorados por Estados e Municípios seguirão o mesmo regime jurídico. Até porque não lhes é conferida competência para atuar de forma distinta da União Federal.
O terceiro e último ponto a ser destacado concerne à impossibilidade de delegação, “ex novo” de infraestruturas aeroportuárias por Estados e Municípios por sua própria decisão . Quero com isso dizer que não cabe a Estados e Municípios promoverem, por sua conta e por sua decisão, a delegação de novas infraestruturas aeroportuárias. Como o convênio de delegação simplesmente se presta a transferir determinada atividade de um ente federativo para outro, sem se prestar a transferir a respectiva competência, exsurge que somente a União poderá promover a delegação de determinada infraestrutura aeroportuária. Estados e Municípios somente poderão fazê-lo se o convênio firmado assim expressamente admitir.
Nesses quadrantes, em relação ao inciso III do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica, é possível resumir que (i) há a possibilidade de simples delegação de atividade para Estados e Municípios, sem transferência da competência constitucionalmente alocada à União Federal, donde decorre que (ii) o regime de exploração é o mesmo aplicável à atuação direta da União Federal, ou seja, o regime de serviço público, e (iii) não cabe a Estados e Municípios promoverem, direta ou indiretamente, projetos de novos aeródromos. Somente poderão atuar nos estritos limites do respectivo convênio.
Por fim, vêm as hipóteses do inciso IV do artigo 36 ora analisado, quais sejam, concessão de serviço público e autorização. E aqui encontram-se os elementos mais importantes para o deslinde do tema tratado no presente trabalho, eis que é o ponto em que a assimetria de regimes é expressamente determinada por lei .
Como é notório, ao mencionar a concessão, o inciso IV do dispositivo ora analisado constitui a possibilidade de delegação da atividade aeroportuária à iniciativa privada. Diferentemente do que ocorre nas demais hipótese, nesta a exploração aeroportuária é realizada por terceiro, alheio à estrutura orgânica da Administração Pública.
Como é notório, a concessão implica a existência de um vínculo por meio do qual uma atividade de interesse público é delegada, pelo Estado, a um particular 60. Essa atividade pode ser um serviço público em sentido estrito, uma obra pública, a exploração de um bem público ou qualquer outra atividade de interesse coletivo que incumba ao Estado assegurar.
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