— Mas porque? — interroguei eu.
— O kilsim é ainda um engenho experimental… e perigoso. Uma vez assentada a penúltima peça, você terá precisamente um minuto terrestre para a colocar. Assim mesmo, se conseguir, a explosão se dará um basike depois. Se falhar, verificaremos dois minutos depois. Inútil dizer que neste último caso não teremos tempo para nos afastarmos. Quanto a passar para o ahun, na proximidade de um campo gravítico tão potente, nos arriscamos a ir parar em algum universo negativo. E nem toda a gente tem a sorte de Akéion. Mas não se inquiete. No seu minuto farei dar o máximo ao campo antigravítico. Você conseguirá!
Arzi descia lentamente para trás do horizonte. Levantou-se um vento fresco.
Ficamos silenciosos. Depois Ulna entoou, a meia voz, o canto dos Conquistadores do Espaço. Quando chegou ao verso sobre «os que a morte levou para os seus mundos desconhecidos» deu um breve soluço, mas prosseguiu. Com uma voz baixa e muito pura, Beichit entoou, por sua vez, um antigo canto do seu planeta, lento e obscuro como se fosse um sortilégio. Depois me pediram que cantasse uma canção da Terra, e não encontrei melhor do que a rude ária dos corsários de Jean Bart:
São homens de muita coragem Os que conosco partirão…
Exato, pensava eu. Que foram as viagens dos navegadores de outrora ao lado desta fantástica tarefa: reacender um sol?!
Séfer, calado até aí, disse:
— Aconteça o que acontecer, os planetas humanos poderão se orgulhar de nós. Se falharmos, outros, mais tarde, triunfarão. Mas nós teremos sido os primeiros!
Sim — retorquiu Souilik. — Mas tenhamos o cuidado de não nos comportarmos como Ossinsi!
Quem era Ossinsi?
O mais famoso dos guerreiros de Ella-Ven, há alguns milênios. — A canção ainda existe… É a sua vez, Essine!
Constituindo um dueto, cantaram os feitos de Ossinsi. Era uma tão famoso guerreiro que nunca pôde matar ninguém, pois o inimigo debandava só de ouvir o seu nome. Certo dia encontrou um velho eremita que nunca ouvira falar dele e ao qual perturbara as orações. Longe de fugir, o homem invetivou-o violentamente. E
Ossinsi, intimidado por ter diante dele alguém que ousava increpá-lo, fugiu tão depressa que ainda hoje corre. Com esta nota irônica fomos dormir.
Partimos ao romper da aurora. Essine, Beichit e Ulna nos acompanharam ao embarcadouro. Fizemos as últimas despedidas e, então, a porta de metal se fechou sobre nós.
A primeira parte da viagem não teve história. A passagem para o ahun notou-se simplesmente por um balanço mais forte do que o habitual, devido as grandes dimensões do ksill. Emergimos na Galáxia Maldita, mas Souilik não pôde me dizer se estávamos longe ou perto do planeta Siphan, onde eu permanecera um tão angustioso mês. Passamos suficientemente perto de um planeta para verificar se era povoado por Milsliks. O sistema solar que íamos destruir nos pareceu comportar uma dúzia de planetas, mas, claro, este número era apenas um cálculo. Descemos, então, para o sol morto.
Eu estava com Béranthon, Akéion, Séfer e Souilik no posto de comando, o séall.
Além dos instrumentos habituais, que eu aprendera a utilizar ou compreender, havia uma nova quantidade de mostradores, controlando a aparelhagem especial.
— Só atingiremos o sol morto dentro de alguns basikes — disse Souilik. Será talvez útil que Béranthon lhe mostre exatamente o que terá de fazer.
Segui o físico. O Sswinss comportava uma equipe de cinquenta homens apenas: vinte e cinco Hiss e outros tantos Sinzus. A maior parte do ksill era ocupada por uma imensa divisão circular, cujo chão estava dividido em duas partes: sobre um círculo central erguia-se uma máquina pesada e maciça, oval. com cerca de três metros de altura e trinta de largura. Estava inacabada e, ao lado dela, pousadas sobre o chão metálico, encontravam-se as peças que a deviam completar. Entre elas vi a que eu devia manipular. Nos extremos deste círculo central estavam os geradores de campo antigravítico, sob cuja ação deveríamos trabalhar.
— Logo que pousemos — disse Béranthon — o círculo central que guarda o kilsim se separará. Antes, porém, teremos posto em ação os campos anti-gravíticos Mas para contrabalançar o campo do sol morto consumirão tanta energia que não os poderemos manter funcionando, no total, senão um meio basike, a partir do momento em que tivermos pousado. É necessário ser-se rápido. Mal o kilsim esteja pronto, tornaremos a partir, passaremos para o ahun, bastante longe do sol, e sairemos no Espaço para observar o resultado. Venha até aqui repetir a operação. É simples. Você pegará na peça, introduzirá neste orifício, rodando-a de 90°, empurra e roda de novo 90° no sentido inverso. É tudo. Mas quando eu der o sinal não se demore nem um segundo! Disso depende a vida de todos. Agora ensaie. O kilsim ainda não está carregado e não há nenhum perigo.
Estávamos no Espaço, longe de qualquer campo de gravitação intenso. Foi muito fácil. Repeti o movimento até o fazer de olhos fechados.
— Daqui a pouco a peça pesará mais. Ensaiará uma outra vez antes que acabemos de montar o kilsim.
Não. Isto basta. Prefiro não me fatigar — respondi.
Voltamos ao séall. Ultrapassáramos a zona dos grandes planetas e vogávamos para os planetas interiores. Quando o último desapareceu atrás de nós Souilik ligou os campos anti-gravíticos internos e deu o sinal de alerta. Vestimos os escafandros, mas ficamos ainda no séall. Béranthon e Souilik iniciaram então uma série de delicadas manobras. Não se aterra na superfície de um sol morto como num planeta, por maior que ele seja! Durante um momento o consumo de energia ultrapassou a norma prevista e todos pareceram preocupados, mas depois tornou-se normal.
No entanto, quando estávamos apenas a uma dezena de milhares de quilômetros do nosso alvo, o consumo aumentou novamente e foi necessária uma decisão: continuar, limitando a nossa estada a um terço de basike, em vez de meio basike, ou regressar depressa. A decisão unânime da tripulação e do estado-maior foi que se prosseguisse. Béranthon decidiu apenas iniciar imediatamente a montagem do kilsim, conservando a estrita margem de segurança indispensável.
Salvo Souilik, agarrado ao seu posto de comando, descemos todos para a grande sala. Os geradores anti-gravíticos zumbiam debilmente. As equipes de montagem estavam fatigadas em torno do kilsim. Apesar do campo interno, a gravitação já se fazia sentir pesadamente e a agulha do gravímetro aproximava-se da graduação 2.
Depois ultrapassou-a. Os nossos movimentos tornaram-se pesados e lentos. Por ordem de Béranthon, estirei-me num leito. Tinha de guardar as fôrças para o momento crucial.
Houve um ligeiro choque. O ksill deslizou e imobilizou-se.
Docemente, a plataforma central deslocou-se, deixando-nos na superfície de um sol morto. O ksill, com a sua corôa, subiu a três metros de altura. Por todos os lados se estendia, sob a luz fria dos projetores, uma paisagem de metal e de escórias, em vagas solidificadas. Dispúnhamos de um terço de basike, ou sejam trinta minutos basikianos, para executar o nosso trabalho.
No meu capacete ouvi a voz fria de Souilik, que contava: «vinte e nove, vinte e oito, vinte e sete…».
Mas que faziam os componentes das equipes de montagem?
A mim me parecia que nem sequer se tinham ainda movido. Rodando penosamente a cabeça, vi-os metidos nos escafandros, arrastando os pés, mexendo— se vagarosamente. Apoiado no kilsim, Béranthon orientava-os vocalmente.
«Vinte e cinco… · vinte e quatro… vinte e três…».
A maior parte das peças jazia ainda no chão metálico. Que idiotas todos nós éramos — os Hiss, os Sinzus, os hr'ben e eu mesmo! Se os autômatos não funcionavam nos campos anti-gravíticos, uma simples grua, uma roldana, até, teria, certamente, feito o serviço! Mas a civilização destes senhores tinha esquecido essas primitivas máquinas!
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