Os Sinzus — duzentos e sete ao todo — não eram suficientes para constituir uma colônia, e por isso fomos hospedados na Casa dos Estrangeiros, junto da Casa dos Mundos, que fora das sessões está desocupada. Como a sessão se realizaria somente dentro de uma semana — semana elliana, de oito dias —, ficamos como em nossa casa.
Estes oito dias, quase iguais aos de Ella, isto é, com vinte e sete horas de duração, foram dos mais agradáveis. Com Souilik e Essine demos deliciosos passeios, a lugares de uma beleza selvagem. Regressávamos sempre antes de anoitecer, porque em Réssan os dias são temperados, mas as noites são glaciais e a temperatura desce facilmente a 10° negativos. Depois do calor de Ella, este frio era-me agradável. Os Sinzus suportavam bem o clima, mas os Hiss, mais friorentos do que gatos, vestiam os escafandros para atravessarem a planície até ao ksill quando se demoravam até tarde junto de nós.
Reparei que perto havia uma encosta coberta de neve, e, ajudado pelos mecânicos da astronave, fiz um par de esquis. Oh, o espanto dos Hiss e dos Sinzus quando me viram deslizar pela encosta, num turbilhão de neve! Os Sinzus não tardaram em imitar-me e nomearam-me professor.
Souilik e Essine foram mais difíceis de convencer, e tinham aprendido a fazer uns escassos metros sem cair quando o Conselho se reuniu.
Azzlem veio de noite, com o pessoal hiss subalterno que assegurava o funcionamento da iluminação e do aquecimento.
Na madrugada do dia seguinte começaram a chegar ksills e antes das 10 horas a planície estava coberta de pássaros metálicos. Então a porta da Casa dos Mundos abriu-se e os delegados começaram a entrar em fila.
Empoleirados no ksill de Souilik, nós os observávamos Na frente ia Azzlem, seguido de Hélon. Depois desfilaram diante de nós todas as raças que eu já vira na Grande Escadaria de Ella, mas desta vez em carne e osso. Meu Deus, que espetáculo!
De pele azul, verde, amarela, grandes, pequenos, fortes ou ferozes, como o gigante kaïen, com olhos de lagosta, que vinha de uma galáxia tão longínqua como a nossa, mas na direção oposta.
Souilik mostrou-me alguns, que pareciam e podiam ser confundidos com os Hiss, como Kren, do planeta Mara, onde se fabrica uma bebida infecta, chamada «Aben-
Torne», que os convidados têm de beber, por delicadeza.
Na retaguarda vinham uns seres que de humano só tinham a inteligência. Alguns assemelhavam-se a monstruosos insetos blindados. Uma sensação esmagadora evolava-se deste cortejo, infinitamente variado. — Nunca ninguém conhecerá todos os planetas — disse Souilik melancolicamente.
Por fim entramos também na Casa dos Mundos. Se no exterior ela parecia um monolito, titânico e maciço, no interior era ricamente decorada de esculturas e pinturas. Numa galeria circular estavam imagens das mais importantes capitais.
Atravessamos um jardim de inverno, onde cresciam plantas exóticas. Souilik mostrou-me, num globo hermético e transparente, a planta stémet, do planeta Ssin, do Primeiro Universo. Ela torna toda a vida animal impossível, porque as suas flores, que parecem cinzeladas em ouro, destilam um veneno gasoso, mortal, em doses infinitesimais.
Por uma escada de degraus talhados em matéria verde e vítrea, que lembrava a obsidiana, chegamos a um camarote, do qual se via toda a sala de reuniões. Na minha direita ficou Ulna e a esquerda uma criatura feminina, frágil, cor de pervinca, cabelos negro-azulados, olhos de um violeta imenso, da raça R'ben, do planeta Pharen, da estrela Véssar, do Décimo Primeiro Universo.
Em baixo, no anfiteatro, os delegados ocupavam os seus lugares. Cada um tinha uma mesinha, onde brilhavam complicados aparelhos. Reinava um silêncio espantoso.
Os Hiss têm um sentido de encenação muito desenvolvido.
As luzes apagaram-se. Um projetor lançou um delgado facho de luz sobre o estrado. Dum alçapão subiu uma plataforma, na qual, em cadeiras de metal brilhante, estavam Azzlem e mais quatro delegados, entre os quais Hélon. Azzlem levantou-se e começou a discursar. Falava em hiss, mas, graças aos poderosos transmissores de pensamento, nós o ouvíamos na nossa língua. Lembrou as decisões tomadas no último Conselho e citou a minha chegada e a dos Sinzus e a milagrosa resistência que tínhamos contra a irradiação mislik. Graças a nós, a luta ia mudar: de defensiva, passaria a ofensiva. A primeira ação seria de reconhecimento ao interior do império inimigo, em pleno coração das Galáxias Malditas. Era possível que se passassem muitos séculos antes de o inimigo recuar. Mas haviam se acabado as hesitações. Armas não faltariam para matar os Milsliks. Tudo o que produzisse calor seria uma arma. Mas até então tudo o que haviam tentado custara-lhes caro.
Ele falou muito tempo. Descreveu para a assembleia, que representava o escol das raças celestes, a nossa estrutura. Devíamos a imunidade ao fato de o nosso corpo conter tanto ferro como o dos Milsliks. Apesar desta longínqua semelhança com os seres das Trevas, éramos dignos do nome de «homens».
Os Sinzus tinham lugar na Liga porque há muito tempo que haviam repudiado qualquer espécie de guerra. Em contrapartida, os «Tsériens» não seriam por enquanto senão aliados, mas a sua civilização era jovem, e ele esperava em breve podê-los receber em pé de igualdade.
— Discurso inaugural, sem importância sussurrou-me Souilik. — O verdadeiro trabalho seria feito pelos grupos. — Pela lei de exclusão você não poderá ser admitido na Liga, mas fará parte do grupo hiss.
— Por que hiss?
— Não esqueça que fomos nós que lhe descobrimos, apesar de depois ser você adotado pelos Sinzus.
Azzlem sentou-se. Houve um silêncio e, de súbito, cântico hiss que nunca tinha ouvido, ecoou. Não representou nada para mim, porque,como já disse, a música deles é demasiado complicada para nosso ouvido e tem notas que não são audíveis.
Olhando Souilik e Essine, fiquei atônito com a sua expressão, que refletia um êxtase, uma comunhão mística com todos os seres de sangue verde e azul. Em baixo, na sala iluminada por uma luz malva, todas as faces apresentavam a mesma expressão nostálgica e repousante. A minha vizinha de pele cor de pervinca também estava em êxtase. Só Hélon, no estrado, eu, Ulna e o irmão não parecíamos comovidos. De repente uma imagem surgiu no meu cérebro: uma vez, na Terra, eu vira umas «atualidades» que mostravam a multidão, em Lourdes, aguardando o milagre. Era com isto que se pareciam todas as muitas faces das raças do Céu. O cântico continuava: era uma evocação ao Deus criador, à Luz primordial.
Fez-se silêncio. Todos estes seres doutros mundos ficaram, por muito tempo, imóveis e recolhidos. Por fim, Azzlem fez um gesto e a multidão começou a sair.
— Não sabia que vocês tinham convertido estas raças para a religião dos Hiss, disse a Souilik.
— Não os convertemos. E você sabe que eu próprio sou cético. As palavras são inúteis. A música foi composta, há muitos séculos, por Rienss, o maior gênio musical de Ella-Ven. Ela é suficiente para nos pôr em transe. Acontece que age de maneira idêntica sobre todas as raças. E como todas as religiões, em tudo o que têm de mais elevado, coincidem… Mas você não sentiu nada?
— Não. E não creio que os Sinzus sentissem algo.
— Não diga isso! Não diga! Por agora, pelo menos. Os meus compatriotas são muito suscetíveis neste assunto. Os Homens-Insetos são como vocês, e isso, em princípio, trouxe-lhes complicações. Chegou-se a falar em exclui-los da Liga. Com vocês não há esse perigo. Vocês são a nossa grande esperança na luta com os Milsliks.
O Conselho durou onze dias. Antes do último dia não houve outra reunião plenária.
O trabalho foi feito pelas comissões técnicas, as quais assisti, integrado na delegação hiss. Após a cerimônia de encerramento, partimos para Ella. Soube, com desgosto, que os Sinzus ficavam em Réssan.
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