No oitavo dia do meu despertar Vicédom autorizou-me a deixar o quarto. Feliz, saí da astronave, com Souilik e Ulna. Subimos lentamente a Escadaria das Humanidades e vi que efetivamente tinham juntado um Mislik na estátua do Sinzu. Souilik ria discretamente, olhando o seu pequeno relógio, e Ulna sorria com um ar misterioso.
Me sentindo cansado, quis regressar. Eles me dissuadiram, dizendo que o ar me fazia bem, e nos sentamos num banco de pedra, frente ao mar. assza passou e sentou-se também. Falamos de variadas coisas e depois ele nos deixou e partiu para a astronave. Ao fim de um basike Souilik olhou de novo o relógio e, com a face verde enrugada de malícia, me disse:
— Agora podemos regressar.
Quando subimos a escada da astronave os dois Sinzus me saudaram. Fiquei surpreso, porque até esse momento só vira os Sinzus saudarem os chefes e os membros do Conselho dos Dezenove. Ulna e Souilik deixaram-me só. Não fiquei assim por muito tempo, porque Akéion apareceu, vestido com uma esplêndida túnica púrpura, manto da mesma cor, a testa cingida por uma delgada tira de platina.
— Venha — disse ele em hiss. — Há uma cerimônia em sua honra e você tem de se vestir.
Me levou para um camarote e me ajudou a envergar o manto sinzu. Consistia numa longa túnica branca, que me fazia parecer mais escuro do que sou, num manto da mesma cor e numa tira de ouro.
Eu o segui até a proa, junto da cabina de pilotagem. Ao fundo da comprida sala estava um estrado, onde Hélon e Ulna se sentavam. Hélon vestia uma túnica amaranto, Ulna uma verde-pálida. O estado-maior da astronave, vestido de negro, e a equipagem, de uniforme cinzento, se alinhavam ao longo das paredes. Entre as amplas túnicas, as costas de Assza e Souilik, justíssimas, pareciam quase indecentes.
Parei, atônito, a poucos metros da tribuna. O silêncio era completo. Um pouco afastado, Akéion mantinha-se imóvel.
Hélon levantou-se lentamente e disse:
— Quem se apresenta diante do ur-shémon?
— Um nobre e livre Sinzu — respondeu Akéion por mim.
— O que lhe dá direito a usar a túnica branca?
— Salvou a filha e o filho do ur-shémon.
— Que deseja o nobre e livre Sinzu?
— Receber o «Ahen-réton».
— Que dizem os filhos do ur-shémon?
Aceitam — disseram em côro Ulna e Akéion.
Que dizem os nobres e livres companheiros do ur-shémon?
— Aceitam disseram em côro o estado-maior e a equipagem.
— Nós, Hélon, ur-shémon, comandante da astronave Tsalan, em escala no planeta amigo Ella, em nome dos outros shémons de Arbor, dos shémons de Tiran, de Sior, de Sertin, de ArborTian e de Sinaph, em nome de todos os Sinzus habitantes dos Seis Planetas, em nome dos Sinzus mortos e em nome dos Sinzus que hão-de nascer, declaramos conceder ao Sinzu do planeta Terra presente, como recompensa da sua corajosa conduta, a.honra de Sinzu— hen e o «Ahen-réton» do 7.» grau.
Na assembleia houve um murmúrio de surpresa Ulna sorria.
— Avance — disse-me Akéion.
Eu devia estar imensamente ridículo, negro na minha túnica branca, a minha tira de ouro, as delgadas antenas do capacete oscilando, por cima da cabeça. Avancei, não compreendendo bem o que ia se passar. Cheguei ao pé do estrado.
Então, entoado em côro, elevou-se um cântico estranho e belo, o mesmo que tinha ouvido na manhã em que vi Ulna pela primeira vez, o cântico dos Conquistadores do Espaço. Tive um arrepio de emoção quase religiosa. Senti que me tiravam o manto branco e me colocavam outro sobre os ombros. O cântico cessou.
Tinha agora um manto vermelho, bordado a ouro.
— A partir de agora, homem do planeta Terra, você — prosseguiu Hélon, — é Sinzu como nós. Eis as chaves da Tsalan e a arma que pode usar, se os nossos hospedeiros Hiss o permitirem — concluiu ele, sorrindo para Assza.
Me deu duas chaves de níquel, simbólicas — há bastante tempo que os Sinzus, como os Hiss, não utilizavam este meio primitivo —, e um tubo curto de metal brilhante.
— A cerimônia terminou — disse-me ele Esperamos que song Vsévolod Clair compartilhará da nossa refeição.
— Song é do seu grau — explicou-me Akéion. — É o grau mais alto depois de shémon, ur-shémon e vithian. Permite que você se case com quem desejar de Arbor, mesmo a filha dum ur-shémon — terminou ele, olhando Ulna, que corou.
CAPÍTULO II
KALVÉNAULT VAI SE EXTINGUIR
Pouco depois de ter sido adotado pelos Sinzus fiz com eles a viagem a Réssan, onde estava o Grande Conselho da Liga das Terras Humanas.
O Conselho não tinha mais do que um representante de cada planeta, mas em Réssan existiam diversas colônias de raças diferentes, variando a sua população entre cinco mil e vinte mil almas. A maioria dos habitantes de Réssan — cento e setenta milhões — era de sangue hiss. Cinco mil ksills asseguravam a ligação entre as colônias e as suas metrópoles. Em contra partida, os Hiss só tinham relações irregulares com os planetas onde campeava a guerra, e que, em virtude da lei de exclusão, não estavam representados na Liga.
Em Réssan estavam os mais poderosos laboratórios. Ao longo dos séculos, do contato destes espíritos diferentes tinham surgido múltiplos progressos, para as ciências e para as artes. Quase todos os Sábios de Ella tinham estagiado nas Universidades de Réssan.
De cinco em cinco meses ellianos havia a reunião do Conselho da Liga. O delegado de Ella, que era constitucionalmente o presidente, era atualmente Azzlem.
Desta vez a reunião coincidia com a chegada de duas novas raças, as primeiras de sangue vermelho, e por este fato seria bastante solene, tanto mais que estas duas raças eram insensíveis ante a radiação mislik.
Como representante oficioso dum mundo em guerra, eu não podia aspirar a fazer parte da Liga.
Partimos de madrugada. Há três dias que a estação de chuvas começara em Ella, na zona onde eu habitava. Foi debaixo de forte temporal que o nosso réob decolou.
Fui com os Sinzus, e não no grande ksill pilotado por Souilik. Já tinha viajado nos ksills, e, por outro lado, agradava-me imenso fazer a travessia com Ulna.
Você deve ter notado que eu sentia por ela uma grande simpatia. Certos indícios — particularmente os remoques de seu irmão — pareciam indicar que eu era correspondido. Por outro lado, apesar da minha amizade por Souilik, Essine e outros Hiss, da sua inteligência e amabilidade, sentia-me exilado entre estes seres de pele verde. Contrariamente, com os Sinzus sentia-me quase entre compatriotas.
A partida da astronave fez-se também debaixo de temporal.
Segundos depois tínhamos ultrapassado as nuvens e avançávamos direto ao céu.
Eu estava no posto de pilotagem, com Ulna, Akéion, o tenente Ren e Arn, primo de Ulna, que pilotava. Em certos aspectos a técnica dos Sinzus é inferior à dos Hiss: o efeito da aceleração no nosso corpo é consideravelmente reduzido, mas não está anulado como nos ksills. Sente-se uma impressão de arranque, que a decolagem suave do ksill nunca nos dá.
A viagem não teve história. Passamos longe de Marte e dirigimo-nos para Réssan.
Este planeta é menor e mais frio do que Ella, estando também mais afastado de Ialthar. Vimo-lo vir para nós, espécie de bola esverdeada, crescendo rapidamente Aterramos no hemisfério norte, perto da Casa dos Mundos.
Esta fica num planalto elevado, rodeado de montanhas nevadas, abruptas e selvagens. Mais abaixo as vertentes tinham um tom verde-sombra. A vegetação de Réssan é inteiramente verde, dum verde azulado, muito diferente do verde das plantas terrestres. Em volta da Casa dos Mundos os Hiss tinham semeado a sua erva amarela, e do alto era um espetáculo digno de ver-se, a mancha amarelo-viva, como um campo de botões de ouro, no meio dum prado.
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