— Certamente, desde que isso dependa de nós. Mas ainda há pouco é que você chegou!
— Oh, não quero partir imediatamente! Se vocês têm interesse no meu planeta, também eu me interesso por este e em todos aqueles que descobriram.
— Lhe informaremos se o seu exame for bom. Agora nos fale um pouco do seu mundo. Antes de começar, ponha este amplificador na cabeça, a fim de todos os presentes se aperceberem dos seus pensamentos.
Me deram um leve capacete de metal e de quartzo, munido de uma série de pequenas antenas.
Durante mais de uma hora concentrei o pensamento na Terra, sua posição no Espaço, suas características, sobretudo o que eu.sabia da sua história geológica. De vez em quando um dos assistentes, e principalmente um colosso ainda maior do que Aass, fazia-me perguntas e pedia-me que precisasse pormenores. Como o capacete amplificava, quer as respostas mentais, quer as minhas próprias emissões de pensamentos, essas perguntas ressoavam dolorosamente no meu crânio, como se as tivessem berrado aos meus ouvidos, Comuniquei o fato a Azzlem, que imediatamente fez regularizar a comunicação.
No final interrompeu-me, dizendo:
— Basta por hoje. Tudo o que foi dito foi registado e vai ser estudado. Você voltará aqui depois de amanhã.
Fiz uma pergunta:
— Os alimentos daqui contêm ferro? O ferro é indispensável para o meu organismo.
— Contêm muito pouco. Vamos dar ordem para que os alimentos preparados para os Sinzus, cujo corpo também contêm ferro, lhe sejam fornecidos.
— Ainda outra pergunta: quem são os Milsliks, sobre os quais Aass não quis me dar informações! ««
— Você saberá em breve. São os-que-apagam-estrelas.
Fez o movimento de cabeça que nos Hiss indica ter terminado a conversa, sendo, portanto, inconveniente insistir.
CAPÍTULO II
A LIGA DAS TERRAS HUMANAS
Voltei a partir com Souilik. Voamos na direção este. Perguntei-lhe se não seria possível, em vez de regressarmos diretamente, sobrevoarmos um pouco aquela parte do planeta, a baixa altitude.
— Evidentemente que é possível — respondeu. — Enquanto os Sábios não tomarem alguma disposição a seu respeito, estou dispensado de qualquer serviço, salvo o de velar pela conservação do meu ksill. Onde quer ir?
— Não sei. Podemos falar com Aass?
— Não. Aass já partiu para Marte, onde reside, e eu não posso lhe conduzir para fora de Ella. Aliás, seria uma longa viagem e você tem de se apresentar depois de amanhã perante os Sábios. Mas podemos ir ver Essine, se isso lhe agrada.
— Pode ser.
Já tinha notado que Souilik sentia uma viva simpatia por Essine. No entanto não falei nisso, não sabendo se para os Hiss uma simples alusão poderia ser considerada como uma grande injúria ou, simplesmente, como uma grave falta de delicadeza.
Essine habitava a 1.600 brunns da casa de Souilik, ou seja a cerca de 800 quilômetros. A meu pedido, não voamos muito depressa e demos numerosas voltas.
Desse modo o percurso demorou duas horas. Sobrevoamos uma imensa planície, depois uma região desolada, selvagem, cortada por profundo vales, uma cadeia de vulcões extintos e, finalmente, uma estreita faixa de terra entre as montanhas e o mar. Sobre esta última região percorremos cerca, de 100 quilômetros e chegamos, então, a uma grande e elevada ilha. Essine habitava uma casa análoga a de Souilik, mas mais vasta e pintada de vermelho.
— Essine é uma Siouk, enquanto eu sou um Essok — explicou Souilik. — É por isso que a casa dela é vermelha e a minha branca. É tudo o que resta das antigas diferenciações nacionais, bem como alguns usos particulares. Lhe previno, por exemplo, de que em casa deles é considerado como muito indelicado recusar-se a comer mesmo que não se tenha fome, ao passo que entre nós isso é perfeitamente permitido.
Comecei a rir, pensando em alguns vinicultores da Terra, que se sentem ofendidos se não aceitamos provar o seu vinho. Souilik pediu-me explicação para a minha hilaridade.
— Decididamente — exclamou ele —, todos os planetas se assemelham. É a mesma coisa com os Krens, do planeta Mara, da estrela Stor, do Quarto Universo! Têm uma bebida, a que chamam «Aben-Torne», que para nós é horrorosa. E, no entanto, já a tive de beber por três vezes! O «vinho» que vocês oferecem é bom?
— Umas vezes bom, outras mau. Rimo-nos.
Chegamos na porta da casa, e então penetrei, pela primeira vez, num lar hiss.
Convém agora que eu antecipe a narrativa e lhe dê algumas informações sobre a organização social de Ella. Como acontece conosco, a célula-base é constituída pela família; contudo, os laços familiares são, legalmente, mais frouxos, mas, na realidade, mais apertados do que os nossos. O casamento pode ser dissolvido por comum acordo, mas é um caso muito raro. Os Hiss são de temperamento nitidamente monogâmico. Casam-se geralmente jovens, numa idade que corresponde aos nossos 25 anos. Nunca têm mais de três filhos, mas raramente menos que dois. Antes do casamento, segundo o que observei, os costumes são livres, mas depois tornam-se muitos estritos.
Todos os jovens Hiss têm de frequentar a escola até aos 18 anos, em números terrestres. Uns escolhem então uma profissão e passam a frequentar as escolas técnicas; os outros, os mais dotados, ingressam naquilo que, na Terra, são as nossas Universidades. Entre estes são escolhidos os melhores, que participarão da exploração do Espaço. Apesar de muito jovem, e embora continuasse os seus estudos, Essine já participara de três explorações no ksill comandado por Souilik.
As casas siocho diferençavam-se da de Souilik na porta ele entrada, que dava diretamente para uma larga sala de recepção, mobiliada com cadeiras baixas.
Essine aguardava-nos, ladeada pela sua irmã mais nova, pelo irmão e pela mãe. O seu pai, importante personagem, denominada «ordenador das emoções místicas» — pelo menos foi o que percebi do que me foi transmitido —, estava ausente.
Senti-me imediatamente confuso. Souilik e os outros Hiss entabularam uma viva conversação em linguagem falada e eu limitei-me a ficar sentado, olhando em volta.
A sala estava quase nua: os Hiss não apreciam os bibelôs. As paredes, pintadas de azul-claro, estavam decoradas com formas geométricas.
Pouco depois a mãe saiu e ficaram apenas os jovens. A irmã de Essine veio sentar— se na minha frente e pôs-se, bruscamente, a bombardear-me com perguntas: donde vinha, qual era o meu nome, a minha idade, a minha profissão? Como eram as mulheres terrestres? Que pensava eu de Ella?…
Souilik e Essine vieram participar também na conversa e ao fim de alguns minutos esqueci-me completamente de que estava num mundo estranho. Tudo me parecia familiar. Quase que o lamentava, dizendo para comigo que, na realidade, esta fantástica viagem era vã, dado que todas as humanidades do Céu se assemelhavam.
Quase que não valia a pena deixar a Terra para encontrar muito pouco que fosse de novo. Novo! Bolas! Depois veria se havia ou não algo de novo! Quando penso nos horrores daquele planeta Siphan! Mas naquela altura ignorava ainda tudo isso e parecia-me que física e mentalmente, apesar da pele verde e dos cabelos brancos, os Hiss se assemelhavam muito a nós.
Transmiti essa reflexão a Souilik. Antes que ele pudesse responder, Essen-Iza, a irmã de Essine, adiantou-se:
— Oh! sim, você dá a impressão de ser um Hiss barbado, cor-de-rosa!
Souilik sorria enigmaticamente Acabou por afirmar:
— Na verdade, vocês nada sabem. Eu já tomei contacto com cinco humanidades, das quais uma, os Krens, são tão parecidos fisicamente conosco que é quase impossível distinguir-nos; Ao princípio são as semelhanças de costumes que chamam a atenção. Depois… Quando já tiver vivido muito tempo em Ella talvez você pense como os Froons, de Sik, da estrela Wencor, do Sexto Universo, que, por questões várias, têm relações conosco, mas, na verdade, não nos suportam.
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