– Saiam de perto de mim, que merda! – disse Priscilla para os dois rapazes. – Uma coisa que eu não suporto é ver gente à minha volta.
Os dois rapazes entreolharam-se e deram de ombros. Despediram-se polidamente de Fabian e de mim e elogiaram os quadros.
– Incidentalmente – disse o mais velho – não somos homossexuais. Somos irmãos. – Dirigiram-se com dignidade para a porta e, um minuto depois, ouvi o Lincoln Continental arrancar.
Fabian inclinou-se para apanhar do chão a capa de Priscilla. Cambaleou um pouco, mas logo se recuperou. Colocou a capa nos ombros da moça.
– Hora de ir para a cama, querida – disse ele. – Na minha condição, acho melhor não guiar… – "Pelo menos", pensei, "ele não está tão bêbado assim." – Mas Douglas nos levará em perfeita segurança.
– Na sua condição! – Priscilla riu um riso roufenho. – Conheço bem a sua condição, velho sátiro. Dê-me um beijo, papai. – E estendeu os braços.
– Dentro do carro – disse Fabian.
Priscilla agarrou-se à mesa.
– Não vou sair daqui enquanto não ganhar o meu beijo – anunciou.
Olhando encabulado para Dora, que recuara contra a parede, Fabian curvou-se e beijou Priscilla, que logo limpou a boca nas costas da mão, borrando todo o batom.
– Sei que você é capaz de fazer melhor do que isto – falou ela. – Que é que há… fora de forma? Acho que você devia voltar à França… – Mas deixou que Fabian a levasse até a porta.
– Dora – disse Fabian -, apague as luzes e tranque as portas. Amanhã, arrumaremos tudo.
– Sim, Sr. Fabian – murmurou Dora.
E saímos, deixando a pobre moça encostada à parede, sem se mover, como que em estado de choque.
Priscilla insistiu em sentar-se no meio de nós dois, no banco da frente.
– É mais gostoso – disse ela. Derramara champanha na parte da frente do vestido e o cheiro era desagradável. Abri a janela do meu lado antes de ligar o motor.
– Escute – perguntou Fabian -, onde é que você está hospedada?
– Em Springs – disse Priscilla. – É isso aí. Em Springs.
– Mas em que lugar de Springs? – insistiu Fabian, pacientemente. – Qual o endereço?
– Como diabo é que eu vou saber? – retrucou Priscilla. – Vá andando. Mostro-lhe o caminho.
– Como é o nome das pessoas em casa de quem você está hospedada? Podíamos telefonar para eles e pedir que nos indicassem o caminho. – Fabian parecia um policial tentando conseguir informações de uma criança perdida numa praia cheia. – Sem dúvida, você sabe o nome das pessoas em casa de quem está hospedada.
– Claro que sei! Levy, Cohen, McMahon, uma coisa assim. Quem está ligando para eles? Uma porção de idiotas. – Priscilla esticou a mão e ligou o rádio. A música de A Ponte do Rio Kwai invadiu o carro. – Como é que é, quadradão? – disse ela para mim. – Essa carroça vai andar ou não vai? Será que você não sabe onde fica Springs?
– Vá andando para Springs – falou Fabian.
Arranquei. Mas, dois minutos depois de termos deixado para trás o cartaz que dizia: "Bem-vindos a Springs", eu vi que só por milagre acharíamos a casa que tinha a honra de hospedar Priscilla naquele fim de semana. Diminuía a marcha do carro a cada cruzamento e a cada casa por onde passávamos, mas ela sacudia a cabeça e dizia:
– Não, não é aqui.
Por mais dinheiro que O Príncipe Adormecido nos estivesse rendendo, pensei, não compensava aquilo.
– Estamos perdendo tempo – disse Priscilla. – Tenho uma idéia. Duas amigas minhas têm uma casa em Quogue. Na praia. Acho que você pode encontrar pelo menos o Atlântico em Quogue. Elas são o máximo, fantásticas! Swingers, já imaginaram? Vocês vão adorar. Vamos até Quogue no embalo.
– Quogue fica a uma hora daqui – disse Fabian. Parecia muito cansado.
– E que é que tem isso? – retrucou Priscilla. – Vamos até lá nos divertir um pouco.
– Tivemos um dia estafante – explicou Fabian.
– Ora, todo mundo teve – disse Priscilla. – Avante, rumo a Quogue.
– Talvez amanhã à noite – falou Fabian.
– Veados – replicou Priscilla.
Atravessávamos bosques, correndo por uma pequena estrada não iluminada que eu não conhecia, e fiquei pensando como voltar à cidade sem levar horas procurando o caminho. Tinha resolvido tentar voltar a East Hampton e encontrar um hotel para Priscilla ou largá-la no meio da calçada, se necessário, quando os meus faróis iluminaram um carro bem à nossa frente, encostado à beira da estrada, com o capô levantado e dois homens olhando para dentro do motor. Parei meu carro e gritei:
– Será que um de vocês poderia dizer-me onde…
De repente, percebi que estava olhando para o cano de uma arma.
Os dois homens aproximaram-se do carro, andando lentamente. No escuro, não podia ver suas caras, mas via que ambos usavam blusões de couro e bonés.
– Estão armados – murmurei para Fabian e senti Priscilla ficar rígida, a meu lado. -
– Isso mesmo, cara – disse o que empunhava a arma. – Estamos armados. Agora, escute com atenção. Deixe a chave no motor, porque vamos pedir emprestado seu carro. E vá saindo, você e o velho também. Vão saindo bem bonitinho. Deixem a dona no carro. Vamos levar ela também.
Priscilla fez um som com a boca, mas ficou imóvel. O homem recuou um passo, enquanto eu abria a porta e saía. O outro deu a volta para o lado de Fabian.
– Vá para onde está o seu chapa. – Fabian deu a volta ao carro e ficou a meu lado. Ofegava.
Foi aí que Priscilla começou a gritar. Eu nunca tinha ouvido grito mais estridente.
– Faça essa puta calar – berrou o homem da arma para o colega.
Priscilla continuava gritando, a cabeça no volante, dando pontapés no homem que tentava agarrá-la.
– Porra! – disse o da arma. Avançou, como se quisesse segurar Priscilla pelo outro lado. A arma oscilou e Fabian atirou-se a ele. Ouviu-se um enorme estrondo quando a arma disparou. Fabian gemeu e eu pulei em cima do homem. O nosso peso combinado foi demais e ele caiu para trás, largando a arma. Priscilla continuava a gritar. Apanhei a arma bem na hora em que o segundo homem dava a volta pela frente do carro, iluminado pelos faróis. Atirei e ele saiu correndo para o bosque. O que tinha caído começou a rastejar e atirei nele também. O homem deu um pulo e correu para refugiar-se no escuro. Priscilla gritava sem parar.
Fabian estava agora caído de costas, segurando o peito com ambas as mãos. Respirava com esforço, a intervalos irregulares.
– Acho bom você me levar a um hospital, meu velho – disse ele, com longas pausas entre as palavras. – Depressa. E diga a Priscilla para parar de gritar.
Eu estava tentando erguer Fabian, com o máximo de cuidado possível, e colocá-lo no banco traseiro do carro, quando percebi que os faróis de um outro carro me iluminavam por trás.
– Desculpe – disse eu a Fabian, que já estava meio dentro do carro – mas vem alguém aí. – Peguei novamente a arma e fiquei entre Fabian e o carro que se aproximava. Priscilla tinha parado de gritar e agora soluçava histericamente no banco da frente, batendo com a cabeça, como louca, no painel. Não sabia o que era pior, se ela gritar ou fazer aquilo.
Quando o carro se aproximou, vi que era um carro da polícia. Deixei cair a arma que empunhava. O carro parou e dois policiais pularam dele, revólveres na mão.
– O que está havendo aqui? – perguntou um deles.
– Houve um assalto. Dois homens; esconderam-se no bosque. Meu amigo foi ferido. Temos de levá-lo imediatamente para o hospital.
– De quem é essa arma? – perguntou o policial, curvando-se para apanhá-la, a meus pés.
– O senhor se atracou com um cara armado? – perguntou o policial, incrédulo.
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