– Esta região é rica em três coisas – continuou Fabian: – dinheiro, batatas e pintores. Você poderia fazer cinco exposições por ano só com artistas locais e ainda sobrariam muitos. As pessoas estão interessadas em arte e têm dinheiro para investir. É como Palm Beach… as pessoas estão de férias e gostam de gastar dinheiro. Pode conseguir por um quadro duas vezes o preço que você obteria em Nova York. Isso não quer dizer que fiquemos apenas aqui. Começaremos modestamente, para ver no que dá, e, depois, poderemos sondar as possibilidades de Palm Beach, Houston, Beverly Hills, até mesmo Nova York. Você não se oporia a passar um mês em Palm Beach no inverno, pois não? – perguntou ele a Evelyn.
– Acho que não – respondeu ela.
– Além do mais, Douglas – prosseguiu ele -, teria uma boa explicação para os caras do imposto de renda. Foi você quem quis viver nos Estados Unidos e eles vão lhe cair em cima. Poderia mostrar os livros e dormir sossegado. E teria uma boa razão para ir à Europa, à procura de talentos. Uma vez na Europa, poderia fazer uma visitinha ao seu dinheiro. E, finalmente, por uma vez poderia fazer-me um favor.
– Por uma vez – repeti.
– Não espero gratidão – disse Fabian, ofendido -, mas sim afabilidade natural.
– Escute o que ele tem a dizer – falou Evelyn. – Ele está com a razão.
– Obrigado, minha cara – disse Fabian. E, voltando-se para mim: – Você decerto não se oporá se algo que interessar aos dois for também um projeto que me daria muito prazer.
– Talvez não – retruquei.
– Você às vezes é desagradável – disse ele. – Não obstante… permita-me continuar. Você me conhece. Acompanhou-me o suficiente a museus e galerias para ter uma idéia do que eu penso sobre a arte e sobre os artistas. E não apenas em termos de dinheiro. Gosto de artistas. Gostaria de ser um deles. Como não posso, acho que a melhor coisa do mundo é conviver com eles, ajudá-los, talvez um dia descobrir um grande artista. – Parte disso podia ser verdade, parte pura retórica a fim de me convencer. Duvidava de que o próprio Fabian soubesse distinguir uma da outra. – Ângelo Quinn é bastante bom – continuou ele -, mas talvez um dia um garoto entre com um quadro debaixo do braço e me faça dizer: "Agora, já posso deixar de lado tudo o mais. Era por isto que eu estava esperando".
– Ok – falei. Desde o princípio eu sabia que não podia lutar contra ele. – Você me convenceu. Como de hábito. Dedicarei a minha vida à construção do Museu Miles Fabian. Onde é que você vai querê-lo? Que tal perto do Museu Maeght, em St. Paul-de-Vence?
– Não seria nada de mais – retrucou Fabian.
Tínhamos alugado um celeiro nos arredores de East Hampton, que mandáramos pintar, limpar e indicar com um cartaz: "The South Fork Gallery". Recusara-me a pôr o meu nome no negócio. Não tinha certeza de que essa recusa fosse motivada pela modéstia ou pelo medo do ridículo.
Agora, Fabian estaria esperando por mim às nove da manhã, rodeado por trinta quadros de Ângelo Quinn, que leváramos quatro dias pendurando nas paredes do celeiro. Os convites para o vernissage tinham sido expedidos duas semanas antes, e Fabian prometera champanha de graça para cerca de mil dos seus melhores amigos, que estavam em Hampton passando o verão. Tínhamos também contratado dois guardas para disciplinar o trânsito.
Eu estava terminando a segunda xícara de café, quando o telefone tocou no hall.
– Alô – atendi.
– Doug – disse uma voz de homem -, aqui fala Henry.
– Quem?
– Henry. Hank, seu irmão!
– Oh! – exclamei. Telefonara-lhe quando me casara, mas desde então nunca mais o vira nem falara com ele. Ele me escrevera duas vezes, dizendo-me que o negócio continuava promissor, o que subentendi como estando à beira da falência. – Que tal você está?
– Muito bem – respondeu ele, apressado. – Escute, Doug, preciso vê-lo. Ainda hoje.
– Tenho um dia cheio, Hank. Será que não…?
– Não posso esperar. Estou em Nova York. Você pode estar aqui em duas horas…
Suspirei.
– Impossível, Hank!
– Está bem. Então, eu vou até aí.
– Estou mesmo com o dia cheio…
– Mas vai almoçar, não vai? – perguntou ele, acusador. – Meu Deus, será que você não pode dedicar uma hora, a cada dois anos, ao seu irmão?
– Claro que posso, Hank.
– Posso estar aí ao meio-dia. Onde nos encontramos?
Dei-lhe o nome de um restaurante em East Hampton e expliquei-lhe como chegar até lá.
– Ótimo – disse ele. Desliguei e suspirei alto. Subi para me vestir.
Evelyn estava saindo da cama e dei-lhe um beijo de bom-dia. Pela primeira vez, ela não estava mal-humorada a essa hora.
– Você cheira a sal – murmurou ela. – Hum, delicioso! – Dei-lhe uma palmada carinhosa no bumbum e disse-lhe que ia estar ocupado à hora do almoço, mas que lhe telefonaria mais tarde, para lhe dizer como iam as coisas.
No carro, a caminho de East Hampton, resolvi que poderia dar a Hank dez mil dólares. No máximo, dez mil. Gostaria que ele tivesse escolhido outro dia para me telefonar.
Fabian andava de um lado para outro da galeria, endireitando os quadros, embora todos eles me parecessem perfeitamente direitos. A estudante que tínhamos contratado para nos ajudar durante o verão estava tirando as taças de champanha dos caixotes e arrumando-as na grande mesa que instaláramos num canto do celeiro. O champanha seria entregue à tarde, pela firma encarregada de banquetes que Fabian contratara. Os dois quadros do nosso living estavam também pendurados, com os "vendidos" que Fabian colocara.
– Para quebrar o gelo – explicara ele. – Ninguém gosta de ser o primeiro a comprar. Cada negócio tem os seus truques, meu caro.
– Não sei o que seria de mim sem você – falei.
– Nem eu – replicou ele. – Escute, estive pensando numa coisa.
Pelo tom de voz, vi que ele tinha tido uma nova idéia.
– O que é agora? – perguntei.
– Estamos cobrando preços baratos demais – respondeu ele.
– Pensei que já tínhamos resolvido isso. – Passáramos dias discutindo os preços. Tínhamos combinado que os quadros maiores seriam vendidas a mil e quinhentos dólares e os menores a oitocentos e mil dólares.
– Sei que já falamos nisso, mas acho que fomos demasiado modestos. As pessoas vão pensar que não confiamos no valor do homem.
– O que você sugere?
– Dois mil para os quadros maiores. De mil e duzentos a mil e quinhentos para os menores. Assim vão querer ver que somos sérios.
– Vamos acabar sendo proprietários de trinta Ângelo Quinn – disse eu.
– Confie no meu instinto, meu caro – disse Fabian. – Esta noite, vamos colocar o nosso amigo no mapa.
– Ainda bem que ele não vai estar aqui – falei. – Iria desmaiar.
– Pois acho uma pena que ele não possa vir. Pagando-lhe um corte de cabelo e um bom barbeiro, ele ficaria bem simpático. As amantes da arte adorariam! – Fabian oferecera-se para pagar a viagem de Quinn de Roma aos Estados Unidos, para que ele pudesse comparecer ao vernissage, mas o pintor respondera que ainda não tinha acabado de retratar a América. – Então – disse Fabian -, fixamos em dois mil?
– Você é quem sabe – respondi. – Vou me esconder no banheiro, quando alguém perguntar o preço de um quadro.
– É preciso ser ousado, meu caro – disse Fabian. – Estamos com sorte. Ontem à noite fui a uma festa e conheci o critico de arte do Times. Está passando o fim de semana aqui e prometeu vir hoje.
Fiquei apreensivo. Quinn só conseguira duas linhas num jornal italiano, quando da sua exposição em Roma. Tinham falado bem dele, mas em apenas duas linhas.
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