– Não, não ouvi.
Ele olhou para mim com desaprovação, como um professor para um aluno que não fez o dever de casa.
– Bem, é um grupo enorme – repetiu. – Estão prontos a fechar o negócio hoje, oferecendo-nos… isto é, à nossa companhia… meio milhão de dólares. – Reclinou-se na cadeira, à espera da minha reação. – A quantia lhe interessa?
– Interessa – respondi.
– Devemos ter o dinheiro dentro de dois meses – disse Henry. – Ainda por cima, nós… eu e os dois rapazes que tiveram a idéia… vamos continuar a dirigir a companhia durante os próximos cinco anos… escute só!… ganhando três vezes mais do que estávamos retirando, além de ter direito à preferência nas ações. Naturalmente, você também terá o mesmo direito…
Senti vontade de que Fabian estivesse almoçando conosco. Era o tipo de coisa que o deleitava.
O garçom trouxe o bife de Henry, que se pôs a comê-lo esfomeadamente, acompanhando-o com uma batata assada e um pãozinho, ambos cobertos de manteiga. Não tardaria a precisar fazer regime.
– Faça um cálculo, Doug – disse ele, com a boca cheia. – Você investiu vinte e cinco mil. Nosso terço das ações vai-nos dar trinta e três por cento de meio milhão, ou seja, cento e sessenta e seis mil dólares. Os seus dois terços…
– Sei fazer contas – atalhei.
– Isso sem levar em conta as ações – disse Henry, continuando a comer. Fosse a comida quente ou as contas, o fato é que seu rosto estava todo vermelho e ele suava. – Mesmo com a inflação…
– É uma bela quantia – concluí.
– Eu lhe disse que você não se arrependeria, não disse?
– Disse.
– Adeus ao dinheiro dos outros – falou ele. Parou de comer e olhou para mim, muito sério. Através das lentes de contato, seus olhos eram fundos e brilhantes. As marcas vermelhas dos lados do nariz tinham desaparecido. – Você me salvou, Doug – disse ele, em voz baixa. – Nunca vou poder agradecer-lhe o suficiente.
– Nem precisa – retruquei.
– Você está bem? – perguntou ele. – Isto é… tudo bem?
– Tudo ótimo.
– É, você está com bom aspecto.
– E você também – falei.
– Bem – disse ele, sem jeito. – A decisão final é sua. É sim ou não?
– Sim – respondi. – Claro.
Ele sorriu e pegou novamente na faca e no garfo. Terminou o bife e mandou vir torta de morangos de sobremesa.
– Comendo dessa maneira, Hank – observei -, você vai ter que fazer algum exercício.
– Estou jogando tênis novamente.
– Então, venha jogar comigo de vez em quando – falei. – Há umas mil quadras neste pedaço da ilha.
– Gostaria. E também gostaria de conhecer sua mulher.
– Quando você quiser. – E comecei a rir.
Ele olhou para mim desconfiado.
– De que é que você está rindo?
– A caminho da cidade, esta manhã – contei -, depois que você telefonou, decidi não lhe emprestar mais do que dez mil dólares.
Por um momento, ele pareceu sentido. Mas depois começou também a rir. Estávamos ambos rindo, algo histericamente, quando Madeleine entrou no restaurante para tomar um cafezinho conosco.
– Qual a piada? – perguntou ela, sentando-se.
– Coisas de família – respondi. – Ou, melhor, de irmãos.
– Henry vai me contar mais tarde – disse ela. – Ele me conta tudo, não, Henry?
– Tudo – confirmou ele. Pegou na mão dela e beijou-a. Nunca fora homem de demonstrações, mas até isso tinha mudado, junto com os óculos, os dentes, o apetite. Se roubar cem mil dólares de um morto podia pôr no rosto do meu irmão a expressão que ele agora tinha, juro que roubaria outras dez vezes de outros dez mortos.
Acompanhei-os até o carro deles, e Madeleine deu-me o endereço.
– Venha nos visitar um dia destes – pediu.
– Irei – prometi. Nenhum de nós podia imaginar que seria tão cedo.
A exposição, garantiu Fabian, era um sucesso. A certa altura, devia haver mais de sessenta carros estacionados do lado de fora. A sala estava sempre cheia, com gente entrando e saindo. O champanha foi muito apreciado, mas os quadros também. Todos os comentários que ouvi eram entusiásticos.
– Eu não lhe disse? – sussurrou Fabian, quando nos encontramos ocasionalmente no bar.
Não vi o crítico do Times, mas Fabian disse-me que gostara da expressão no rosto do homem. Às oito, Dora já tinha afixado "vendidos" em quatro quadros grandes e seis pequenos.
– Fantástico! – exultou Fabian, ao passar por mim. – E muita gente prometeu voltar. Que pena Lily não estar aqui! Ela enfeitaria a sala. E adora festas. – Sua fala estava um pouco pastosa. Não comera durante todo o dia e estava sempre com uma taça de champanha na mão. Nunca o tinha visto embriagado. Pensava que ele não podia ficar embriagado.
Evelyn parecia algo estonteada com tudo aquilo. Muitos dos convidados eram gente do teatro e do cinema e havia quatro ou cinco escritores famosos, que ela reconheceu, apesar de ser a primeira vez que os via ao vivo. Em Washington, nem os senadores nem os embaixadores a impressionavam, mas aquele era um mundo novo para ela e ficava quase sem poder falar quando apresentada a um escritor cujos livros admirava ou a uma atriz que a tinha emocionado no palco. Gostei ainda mais dela por isso.
– Puxa, seu amigo Miles – disse-me ela, abanando a cabeça – conhece todo mundo.
– Você nem faz idéia das pessoas que ele conhece – retruquei.
Evelyn teve que ir cedo para casa, pois era a noite de folga de Anna.
– Parabéns, querido – disse-me, quando a acompanhei até seu carro. – Foi esplêndido. – Beijou-me e disse: – Vou ficar acordada, esperando por você.
O ar da noite era fresco, em contraste com o calor da galeria cheia de gente; e fiquei uns minutos lá fora, respirando o ar não poluído pela fumaça de cigarros. Vi um grande Lincoln Continental parar e Priscilla Dean sair dele com dois jovens de aspecto elegante. Os homens estavam em traje a rigor e Priscilla usava um longo preto, com uma capa de um vermelho vivo jogada sobre os ombros nus. Não me viu e eu não achei que tivesse de ir cumprimentá-la. Segui-os para a galeria. Todo mundo parou momentaneamente de falar, quando ela entrou na sala, mas logo a conversa voltou a seu tom normal. Eram todas pessoas bem-educadas, e não era difícil imaginar que, como Dora, a maioria dos presentes não era do tipo que costumava ver filmes como O Príncipe Adormecido ou assinar revistas como aquelas em que Priscilla Dean, sem roupas, aparecia com tanto destaque.
Fabian em pessoa acompanhou-a até o bar. Não a vi olhar para um único quadro. Depois das dez, quando todos os outros convidados já tinham saído, ela ficou sozinha no bar. Bêbada, completamente bêbada. Os dois rapazes tinham tentado convencê-la a ir embora.
– Estão nos esperando para jantar, Prissy – dissera um deles. – Vamos chegar tarde. Venha, Prissy.
– Para o inferno o jantar – retrucou Priscilla.
– Nós temos que ir embora – falara o outro rapaz.
– Vão logo, ora bolas! – disse Priscilla, firmando-se contra o bar. A capa caíra no chão e uma porção generosa de seu busto aparecia. – Podem ir também para o inferno, veados! Miles Fabian, meu velho amigo de Paris, vai me levar para casa, não vai, Miles?
– Claro – respondeu Fabian, sem qualquer entusiasmo.
– Ele é velho – disse Priscilla. – Mas oh, lá, lá! Nadine Bonheur espalhou a fama dele desde Passy até Vincennes. Classe A. Três bien [7] . Estou falando francês, estão ouvindo, seus veados?
Agora, o último dos convidados já se fora. Agradeci, intimamente, o fato de Priscilla ter chegado tarde e Evelyn ter tido de ir para casa cedo, cuidar do bebê. Dora olhava para Priscilla de boca aberta. Dissera-nos, quando entrevistada, que desejava um emprego sossegado e decente, que lhe permitisse estudar. Meus olhos evitaram os de Fabian.
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