– Que está apaixonada por você.
– Meu Deus! – exclamou ele.
– Que você teve um caso com ela. Eu ainda não estou em posição de aceitar o que você rejeita.
– Meu Deus! – disse ele de novo. – Ela disse isso?
– E mais.
– Desde que o conheci – disse ele – preocupo-me com sua inocência. Você se choca com tudo. As pessoas têm casos, é um dos fatos da vida. Casos que duram mais ou menos. Meu Deus, homem, alguma vez você foi a um casamento no qual a noiva não tenha tido um caso com pelo menos um dos convidados?
– Você podia ter me dito – retruquei, sabendo que parecia idiota.
– Para quê? Pense bem. Sugeri-a a você com as melhores intenções. Tanto no seu interesse como no dela. Posso garantir-lhe que ela é uma moça encantadora. Tanto na cama como fora dela.
– Mas ela queria casar-se era com você.
– Um capricho passageiro. Para começar, sou demasiado velho para ela.
– Ora, ora, Miles. Cinqüenta não são tantos anos assim.
– Mas acontece que eu não tenho cinqüenta. Tenho muito mais.
Olhei para ele incrédulo. Se não me tivessem dito, quando o conhecera, que ele tinha cinqüenta anos, eu teria achado difícil acreditar que passava muito dos quarenta. Sabia que ele gostava de mentir, mas por que quereria fingir que era mais velho do que na verdade era?
– Quantos anos mais? – perguntei.
– Vou fazer sessenta anos no mês que vem, meu velho.
– Você precisa contar-me o seu segredo – disse eu. – Um dia destes.
– É, um dia destes – concordou ele, fechando uma das malas. – As mulheres como Eunice não têm noção do futuro. Olham para um homem que lhes interessa e vêem apenas um amante, sem idade e apaixonado, não o velho, sentado junto ao fogo e de chinelas, que ele vai ser dali a alguns anos. Claro que você não precisa dizer a ninguém o que acabou de saber.
– Lily sabe?
– Absolutamente – respondeu ele. – É por essas e outras que pensei estar fazendo a você e a Eunice um favor.
– Que não deu resultado – disse eu.
– Sinto muito.
Quase lhe contei sobre Didi Wales deitada nua na minha cama, mas percebi a tempo que isso não me faria crescer aos olhos dele.
– Seja como for – falei -, acho que foi bom para todos Eunice ter ido embora.
– Talvez você tenha razão – retrucou. – Como vamos saber? Por falar nisso, há alguém a quem você gostaria que eu telefonasse ou visitasse durante a minha estada nos Estados Unidos?
Pensei um pouco.
– Talvez você pudesse telefonar a meu irmão, em Scranton – disse eu, escrevendo o endereço dele. – Pergunte-lhe como vai indo. E diga-lhe que comigo vai tudo bem, que fiz um amigo.
Fabian sorriu, satisfeito.
– E fez mesmo. Mais alguém?
Hesitei.
– Não – acabei dizendo.
– Será um prazer. – Fabian guardou o papel com o endereço de Henry no bolso. – Agora, se você não se importa, preciso fazer os meus exercícios de ioga antes de tomar banho. Imagino que você queira trocar de roupa para jantar…
Ioga, pensei, ao sair da suíte. Talvez fosse esse o segredo.
Fiquei vendo o enorme avião decolar de Cointrim, o aeroporto de Genebra, com Fabian, Lily e o caixão. O céu estava cinzento e começava a chover. Eu tinha dito que nada me agradaria mais do que ficar sozinho por alguns dias e pensara que ia sentir-me aliviado com a partida deles, como um colegial no início das férias, mas na verdade senti-me só e deprimido. Tinha o endereço e o telefone do Sr. Quadrocelli, mais os endereços do alfaiate e do camiseiro, em Roma, e uma lista que Fabian me dera dos restaurantes e das igrejas que eu devia conhecer, na viagem à Itália. Mas foi com esforço que não me dirigi ao balcão e comprei uma passagem no próximo avião para Nova York. Assim que o avião deles sumiu no oeste, senti-me abandonado, como uma criança que não foi convidada para uma festa.
E se o avião caísse? Afinal de contas, era provável. Senão, por que teria eu pensado nisso? Como piloto, sempre tivera um interesse macabro e profissional por acidentes de aviação. Sabia muito bem que não havia coisa mais fácil. Uma válvula entupida, turbulência inesperada em céu claro, um bando de andorinhas… Quase podia ver Fabian se precipitando calmamente nos ares, afogando-se imperturbável, talvez confessando a Lily, antes que o oceano o engolisse, a sua verdadeira idade.
Desde o início da minha aventura, já estivera envolvido em duas mortes – o velho do St. Augustine e Sloane, agora voando para a sepultura. Haveria uma terceira morte? O dinheiro que eu roubara seria maldito? Devia ter deixado Fabian partir? Como seria o resto da minha vida sem ele? Se pudesse teria mandado voltar o avião e corrido pela pista para abraçá-lo, mesmo antes de o aparelho ter pousado.
Em meio à escuridão do tempo, a Europa me parecia subitamente hostil e cheia de armadilhas. "Talvez", pensei, dirigindo-me para onde o Jaguar ficara estacionado, "a Itália me cure." Mas não tinha muita esperança.
Viajando de Genebra para Roma, visitei a maioria das igrejas constantes da lista que Fabian me dera e comi nos restaurantes que ele me indicara, resultando numa confusão de vitrais, madonas, santos e pratos de spaghetti à la vongole e fritto misto. Não houvera notícia de nenhum avião caindo no oceano Atlântico. O tempo estava bom, o Jaguar rodava que era uma beleza, as paisagens eram lindas. Era o tipo da viagem com que eu sonhava desde garoto, e deveria ter saboreado cada momento dela. Mas, quando atravessei a Piazza del Popolo, percebi que, pela primeira vez na minha vida, me sentia tristemente só. Sloane conseguira vingar-se.
Utilizando um mapa, dirigi-me lentamente para o Grand Hotel, outra sugestão de Fabian. O trânsito parecia coisa de loucos, os outros motoristas terrivelmente hostis. Parecia-me que, se entrasse numa rua errada, ficaria perdido dias a fio numa cidade de inimigos.
O quarto que me deram no Grand Hotel era demasiado grande para mim e, embora lá fora estivesse batendo sol, no interior estava bastante escuro. Pendurei cuidadosamente minhas roupas. Fabian dissera-me que Quadrocelli estava viajando e só deveria voltar a Porto Ercole no fim da semana. Estávamos na segunda-feira. Tinha quatro dias para apreciar Roma ou ficar desesperado.
Quando tirei as coisas da maleta, encontrei no fundo o espesso envelope que Evelyn Coates me dera para entregar ao seu amigo da embaixada. Anotara o nome, o endereço e o telefone dele numa agenda. Verifiquei. Lorimer, David Lorimer. Evelyn me pedira que não lhe telefonasse para a embaixada. Passava um pouco da uma da tarde. Talvez ele tivesse ido a casa almoçar. Havia quase uma semana que eu estava só, isolado pela barreira da língua. Tinha a esperança de que o Sr. Lorimer me convidasse para almoçar. A voluntária insociabilidade dos meus tempos do St. Augustine desaparecera. Sentia falta de Lily e Fabian, das suas vozes falando em inglês, sentia falta de muitas outras coisas, algumas vagas e indefiníveis.
Dei o número à telefonista. Pouco depois, uma voz masculina disse:
– Pronto.
– Meu nome é Douglas Grimes – disse eu. – Evelyn…
– Sei – atalhou ele. – Onde você está?
– No Grand Hotel – respondi.
– Dentro de quinze minutos estou aí. Você joga tênis?
– Bem… – Estaria ele falando em código? – Um pouco.
– Estava de saída para o clube. Precisamos de um quarto jogador.
– Não trouxe nada…
– Tudo se arranja no clube. E eu tenho uma raquete extra. Encontro-me com você no bar. Meu cabelo é vermelho, dou na vista.
E desligou abruptamente.
Um homem alto, magro e ruivo entrou no bar, com passos ao mesmo tempo desengonçados e enérgicos. Tinha o cabelo muito comprido, pelo menos para um diplomata, rosto vincado, sobrancelhas grossas, também ruivas, e um senhor nariz. Como ele bem dissera, dava na vista. Apertamos as mãos um do outro. Ele devia ter aproximadamente a minha idade.
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