Ele arqueou as sobrancelhas.
– Bem… – falou.
– Estou cansado de correr de um lado para outro – expliquei. – Estou precisando de umas férias.
– Pensei que você estivesse se divertindo – disse ele, num tom de censura.
– As opiniões divergem – retruquei.
– Lily – disse Fabian ao telefone -, preciso viajar para os Estados Unidos amanhã. Vou ficar lá umas duas ou três semanas. Quer vir comigo? – Escutou por um momento. Depois, sorriu. – Eu sabia que você não me desapontaria – falou. – Volte logo, para começar a fazer as malas. – Desligou. – Ela adora Nova York – disse-me. – Vamos ficar hospedados no St. Regis, para o caso de você querer entrar em contato comigo.
– Vida dura, hem?
Ele deu de ombros e continuou a fazer as malas.
– É um hotel conveniente – disse. – E gosto do bar. Para dizer a verdade, mesmo que isto não tivesse acontecido, eu teria de viajar dentro de um ou dois dias. Quero tratar do negócio do chalé, e todos os prováveis interessados estão agora na costa leste. Posso ter de ir a Palm Beach por uma semana. Depois do funeral, claro.
– Lugar horrível!
– Essas suas ironias escondem um certo ressentimento de sua parte, Douglas. – Franziu a testa para um suéter de caxemira que estava dobrando. – Acho que não vou precisar disto, você não acha?
– Não. Em Palm Beach você não vai precisar disso.
– Você fala como se eu fosse fazer uma viagem de recreio – falou, novamente em tom de censura. – Juro que preferiria ir até a Itália com você. Por falar nisso, quero que faça uma coisa para mim, ou melhor, para nós… quando chegar a Roma. Entrei em contato com um encantador italiano chamado Quadrocelli. Que lindos nomes têm os italianos, não? Vou telegrafar ao dottore para ir esperá-lo. Há um belo negócio a concretizar.
– De que se trata?
– Não fique tão desconfiado.
– Você tem de confessar que não teve muita sorte na última coisa em que se meteu.
– Mas tudo acabou bem, não foi? – retrucou Fabian, sorridente.
– Não acho que possamos esperar que todo mundo com quem negociemos morra no dia de receber.
Fabian riu, revelando dentes esplêndidos por sob o bigode bem aparado.
– Quem pode dizer? Eu mesmo estou chegando à idade crítica.
– Só um machado daria cabo de você, Miles – respondi. – E você sabe disso.
Ele riu de novo.
– Seja como for, você pode explicar as circunstâncias ao Sr. Quadrocelli. Por que eu não pude ir pessoalmente. Ele mora em Porto Ercole, a cerca de duas horas de Roma. Um lugar lindo. Eu esperava poder passar pelo menos duas semanas lá. Há um hotel de primeira debruçado sobre o Mediterrâneo. Chama-se Pellicano. Um lugar ideal para se esconder com uma bela mulher. – Suspirou, com saudades do hotel de primeira classe debruçado sobre o Mediterrâneo. – Lily adora-o. Talvez possamos ir lá mais tarde. Peça o quanto com a varanda grande. O doutor tem uma villa relativamente, perto.
– Qual o negócio, desta vez?
– Gostaria que você não adotasse um ar tão sombrio, meu velho. Gosto de sócios otimistas.
– Meus nervos não são tão fortes quanto os seus.
– É, acho que não. Vinho.
– Como?
– Você me perguntou qual o negócio, desta vez. Pois o negócio é vinho. Do jeito que o mundo está bebendo atualmente, negociar com vinho é como ter uma licença para roubar. Você já reparou como os preços do vinho estão subindo? Principalmente nos Estados Unidos.
– Não, não reparei.
– Pois estão subindo, e muito. Quadrocelli tem uma pequena propriedade nos arredores de Florença. Produz um Chianti delicioso. Por ora, em pequena escala, só para consumo próprio e dos amigos. Está rodeado por vários pequenos proprietários que também produzem vinho da mesma qualidade. No verão passado, tivemos a idéia de comprar toda a produção dos vizinhos, mandar desenhar um bonito rótulo e engarrafar o vinho com o nome dele, para vendê-lo nos Estados Unidos, diretamente às cadeias de restaurantes, eliminando os intermediários. Você pode imaginar as vantagens.
– A verdade é que não posso – respondi. – Nunca eliminei nenhum intermediário. Mas suponho que basta você poder.
– Confie em mim – disse ele. – Naturalmente, seria necessário um pequeno capital. O Sr. Quadrocelli não tem o suficiente, e no verão passado, como você pode imaginar, eu também não tinha.
– Mas agora você tem.
– Nós temos. Primeira pessoa do plural, meu velho. – Bateu no meu braço num gesto fraterno. – Tenho estado em contato com o Sr. Quadrocelli e ele está elaborando um plano de produção. Gostaria que você desse uma olhada nele e me ligasse para Nova York. Acho até que seria uma boa idéia se você me ligasse a cada poucos dias, digamos às dez horas da manhã, hora de Nova York. Os negócios estão sempre surgindo.
– Eu que o diga.
– Faz com que o sangue circule melhor – disse ele. – Diga ao Sr. Quadrocelli que estarei contatando restaurantes nos Estados Unidos. Felizmente, tenho ótimos amigos nesse setor. Alguns deles até insistiram comigo para que eu aceitasse o cargo de vice-presidente, encarregado das relações públicas. Mas isso significaria ter que ir todos os dias trabalhar. Nem posso pensar! Por mais que me pagassem. Também teria que sorrir a toda hora, coisa que não é para mim. Mas eles comprarão um bocado de vinho.
– Miles – disse eu -, que outros planos você tem na cabeça, prontos a jogar em cima de mim, um de cada vez?
– Não quero preocupá-lo com planos antes que eles amadureçam, Alma Gentil. – Riu. – Você devia agradecer-me por isso.
– E agradeço – repliquei.
– Depois do jantar – disse ele – vou dar-lhe o endereço e o telefone de Quadrocelli. E o endereço do meu alfaiate em Roma. Diga-lhe que é meu amigo. Sugiro que você passe a usar novas roupas. Também vou lhe dar o endereço de um ótimo camiseiro. E acho que você deveria jogar fora todo o seu guarda-roupa atual. Não favorece em nada a nossa imagem, se é que você entende o que quero dizer. Espero não o ofender.
– Pelo contrário – repliquei. – Entendo muito bem. Quando nos voltarmos a ver, eu serei um crédito para você.
– Ótimo! – disse ele. – Quer o telefone de algumas lindas garotas italianas?
– Não. Disso eu cuido sozinho, obrigado.
– Foi só para lhe poupar tempo.
– Não estou com pressa.
– Finalmente – disse ele -, vamos ter que procurar expurgar o velho puritano que há em você. Entrementes, acho que terei de aceitá-lo como é.
– E como eu aceito você.
Enquanto falava, ele ia e vinha, saindo do quarto com vários artigos de vestuário que metia numa mala ou noutra. Por fim, trouxe a bela jaqueta tirolesa.
– Acho que isto ficaria muito bem em você, Douglas – disse ele. – Está um pouco grande em mim. Você gostaria?
– Não, obrigado. Não pretendo mais esquiar este ano – respondi.
– É, eu compreendo. O que aconteceu hoje tirou mesmo a vontade de esquiar.
– Eu não queria vir.
– Às vezes, a gente tem que fazer coisas para agradar às mulheres – disse Fabian. – Por falar nisso, não quer me dizer por que Eunice foi embora?
– Não.
– Sinto que você não tenha querido seguir meu conselho – disse Fabian. – Era um bom conselho.
– Ora, por favor, Miles! Chega! Ela me contou tudo. – De repente, senti uma raiva louca daquele homem elegante, perfeitamente calmo, sempre bem-posto, calça e camisa impecáveis, sapatos bem engraxados, fazendo com perícia suas malas, o protótipo do viajante da era do jato. – Contou-me tudo a seu respeito. Ou, pelo menos, o suficiente.
– Não tenho a menor idéia do que você está falando, meu velho. – Enfiou meia dúzia de pares de meias num dos cantos da mala. – O que ela lhe poderia contar a meu respeito?
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