O comissário de polícia disse algo em voz baixa.
– A senhora que o senhor visitou – disse o assistente da gerência – saiu do hotel às oito e meia da manhã. Por acaso sabe para onde ela foi?
– Não – respondi, quase sinceramente. Nunca pedira o endereço de Eunice. O bilhete que ela me mandara estava no bolso do meu robe. Esperava que não aparecesse.
O policial grunhiu várias frases que me soaram desagradavelmente.
– O senhor comissário pede licença para revistar o quarto – disse o assistente da gerência. As palavras pareciam sufocá-lo.
– Por acaso ele tem mandado? – perguntei, americano até o último dos direitos civis.
Nova palestra em alemão.
– Não tem mandado. Por ora – disse o assistente da gerência. – Se o senhor insistir num mandado, o comissário diz que terá de levá-lo à delegacia, onde o senhor ficará até que seja expedido o mandado. Avisa que pode levar muito tempo, talvez dois dias. E não será possível evitar a publicidade. Há sempre muitos jornalistas estrangeiros no hotel, devido à importância dos nossos hóspedes.
– Ele disse isso? – perguntei.
– Eu acrescentei alguma coisa – confessou o assistente da gerência. – Para o senhor ter uma base de ação.
Olhei para o Comissário Brugelmann. Ele devolveu-me glacialmente o olhar. Fazia calor no quarto, mas ele não desabotoara o sobretudo. Devia ter sangue gelado nas veias. Parente de cobras e lagartos.
– Muito bem – falei, sentando-me na poltrona. – Não tenho nada a esconder. Ele que comece a revistar o quarto. Mas, por favor, rápido. Tenho um compromisso às onze.
O assistente da gerência traduziu e o Comissário Brugelmann assentiu rigidamente. A primeira coisa que fez foi, com um gesto, mandar que eu me levantasse.
– O que ele quer agora? – perguntei.
– Quer revistar a poltrona.
Levantei-me, admirando a contragosto o talento profissional do Comissário Brugelmann. Naturalmente, se o colar estivesse escondido na poltrona, eu imediatamente me sentaria nela. Afastei-me e vi o policial passar a mão sobre a almofada, levantá-la e apalpar as molas. Depois, recolocou a almofada no lugar, alisando-a cuidadosamente, e fez-me sinal de que poderia sentar-me de novo.
Depois, passou rapidamente em revista todos os meus pertences. Terminando de revistar o armário, tirou para fora as minhas calças de esquiar e disse algo ao assistente da gerência, pelo tom de voz, uma pergunta. O assistente brincou nervosamente com o botão do paletó, enquanto traduzia.
– O Comissário Brugelmann deseja saber se estas são as únicas calças de esqui que o senhor trouxe.
– São – respondi.
– Onde o senhorr estafa antes? – O policial estava ficando impaciente com a demora da tradução e resolveu mostrar que falava uma variante de inglês.
– Em St.Moritz – respondi. – E em Davos.
– Em St.Moritz? Só com estas? – O comissário parecia não acreditar. – E agorra também em Gstaad?
– Chegam para os gastos – respondi.
– Quanto tempo o senhorr pensar ter férrias?
– Três semanas. Talvez mais.
Solenemente, o comissário voltou a pendurar as calças no armário. Depois voltou-se para mim, tirando do bolso um bloco com capa de plástico preto e sentando-se à escrivaninha, a fim de poder escrever com conforto.
– Agorra sentir mais algumas perguntas precisar fazer – disse ele. – Enderreço permanente nos Estados Unidos?
Quase disse Hotel St. Augustine, mas acabei dando o endereço da 81 stStreet, East. Pelo menos, se a Interpol, ou fosse lá o que fosse, investigasse, não poderia acusar-me de estar mentindo.
– Profission? – O comissário anotava diligentemente no seu bloquinho.
– Investidor particular – respondi imediatamente.
– Banco?
Pela expressão do seu rosto, percebi que, mais cedo ou mais tarde, eu teria de me explicar com mais detalhes.
– Union Bank of Switzerland, Zurique. – Agradeci, de todo. o coração, a Miles Fabian por ter insistido em abrir contas separadas em nossos nomes, para o que ele chamava de "dinheirinho de bolso".
– Na América?
– Desisti de aplicar dinheiro na América – respondi. – Estou pensando em residir na Europa. A economia…
– 0 senhorr já alguma vez foi prreso? – perguntou o comissário.
– Escute aqui – disse eu, apelando para o assistente do gerente. – Sou hóspede deste hotel, que é tido como um dos melhores da Europa. Não pretendo responder a perguntas insultuosas.
– É apenas simples rotina policial. – O botão do paletó do assistente da gerência estava quase caindo. – Não há nada de pessoal. Outros hóspedes também estão sendo interrogados.
O comissário não levantou a cabeça do bloco, escrevendo e falando ao mesmo tempo.
– Conhece o Sr. Miles Fabian, não? – perguntei.
– Claro, o Sr. Fabian é um dos nossos hóspedes mais antigos e estimados – disse o assistente.
– Pois bem, ele é meu amigo. Por que não o chamam e lhe perguntam a meu respeito?
O assistente falou num alemão muito rápido. O policial assentiu e disse:
– Antes já o senhorr ser prreso?
– Não, pelo amor de Deus!
– Outra coisa. – O comissário levantou-se. – Gostaria que o senhorr me dafa seu passaporte.
– Para que o senhor quer meu passaporte?
– Parra senhorr non sair de Suíça, Herr Grimes.
– E se eu não lhe der o meu passaporte?
– Enton outras medidas precisar tomarr. Como prrender senhorr. Prisons suíças boa fama, mas prisons.
– Por favor, Sr. Grimes – suplicou o assistente.
Abri a carteira e tirei o passaporte.
– Vou procurar um advogado – disse eu ao comissário, ao mesmo tempo em que lhe entregava o passaporte.
– O senhorr ter toda libertade – disse ele guardando o passaporte num bolso interno do seu sobretudo preto. – Precisar ainda fazerr talfez outras perguntas. Por hoje, serr tuda. – Moveu a enferrujada dobradiça do seu poderoso pescoço cantonal e saiu.
O assistente da gerência torcia as mãos de aflição.
– A gerência lhe pede mil desculpas. Isto é terrível para todos nós.
– Para os senhores também? – retruquei. Não pretendia facilitar-lhe as coisas.
– São essas mulheres ricas e descuidadas – continuou ele. – Não têm a menor idéia do valor do dinheiro. Perdem oitenta mil dólares em jóias no trem e depois nós ficamos dias procurando reavê-las. Felizmente, estamos na Suíça…
– O senhor não faz idéia de como eu me sinto feliz em estar na Suíça – falei. Arrependia-me agora amargamente da opção de compra de terreno que assináramos, no dia anterior.
– Tudo o que a gerência puder fazer, Sr. Grimes… – disse, contrito, o assistente. – Envidaremos todos os esforços.
– A gerência pode talvez reaver meu passaporte – disse eu. – Quero ir embora. Depressa.
– Compreendo – disse ele, com uma leve inclinação. – O foench está soprando. – Levou a mão à testa, como se quisesse ver se tinha febre. – O vento suão. Todo mundo se comporta de maneira estranha. Deixe-me dizer-lhe uma coisa, Sr. Grimes. Nunca acreditei que o senhor fosse um criminoso.
– Obrigado – falei.
– Um bom dia de esqui – disse ele, automaticamente.
– Farei o possível – retruquei.
Torcendo o botão, o homem retirou-se.
Fabian estava à minha espera diante do banco, metido no seu elegante traje tirolês. Parecia tão bem como sempre e ninguém poderia suspeitar de que passara metade da noite perdendo trinta mil dólares. Quando me viu chegar, sorriu, mas logo franziu a testa diante da expressão no meu rosto.
– Escute aqui, meu velho – perguntou ele -, aconteceu alguma coisa?
Читать дальше