– Não se esqueça de que sou inglesa – respondeu ela. Mas fechou a janela. Cheia de corpo, descalça, coberta de renda.
– Posso sentar-me?
– Se quiser. – Indicou-me uma poltrona. – Jogue essas roupas em qualquer lugar.
Peguei no vestido de seda que ela usara na festa. Imaginei que ainda estivesse quente da pele dela. Coloquei-o cuidadosamente sobre uma pequena escrivaninha. Sentei-me na poltrona e ela recostou-se nas almofadas da cama, fazendo o peignoir abrir-se e revelar as pernas. Longas, como as da irmã, porém mais cheias. Mais bem torneadas. Havia no ar um leve cheiro de sabonete. Via-se que ela tinha lavado o rosto, sua pele brilhava à luz do abajur. Lamentei a noite perdida.
– Eunice – disse eu. – Vim explicar-lhe.
– Não precisa explicar. Houve uma confusão de intenções, mais nada.
– Você não vai pensar que eu convidei aquela meninazinha a subir ao meu quarto…
– Não penso nada. Só sei que ela estava lá. E não é tão meninazinha assim. Bem desenvolvida, me pareceu. – Seu tom era seco, cansado. – Uma de nós estava demais. E achei que era eu.
– Esta noite – disse eu – achei que, por fim…
– Eu também achei – disse ela, sorrindo melancolicamente.
– Devia ter sido mais ousado – falei -, mesmo antes desta noite. Só que não consigo ser diferente. E, ainda por cima, estávamos sempre acompanhados por Miles e por sua irmã.
– Minha irmã não lhe disse que comigo não eram necessárias preliminares? – perguntou ela, com voz subitamente dura.
– Não lhe vou dizer o que sua irmã me disse.
– Ela gosta de dar a impressão de que eu sou a maior farrista de Londres. Bruxa!
– Como? – perguntei, espantado.
– Nada, não. – Tapou o rosto com os braços cruzados e foi falando, numa voz estrangulada. – Se quer saber, não fui a Zurique por sua causa… embora lhe deva dizer que você se revelou muito mais simpático do que eu poderia imaginar num americano, Alma Gentil.
– Obrigado.
– Sinto tê-lo desapontado.
– Podíamos esquecer o que aconteceu no meu quarto.
Vi a cabeça dela abanar por trás dos braços.
– Não. Eu até devia sentir-me grata àquela mocinha gorda, porque a verdade é que tinha resolvido ir a seu quarto por motivos escusos.
– O que você quer dizer com isso?
– Não fui lá por sua causa. Ou por mim.
– Por quem, então?
– Por Miles Fabian – disse ela, amargamente. – Tinha decidido ter o maior caso com você… só para mostrar a ele…
– O quê?
– Só para mostrar que já não ligava para ele. Que podia ser tão volúvel e cínica quanto ele. – Por trás dos braços, Eunice chorava. Era a minha noite de ver mulheres chorarem.
– Acho melhor você se explicar, Eunice – disse eu, lentamente.
– Não seja burro, americano – retrucou ela. – Estou apaixonada por Miles Fabian. Desde o dia em que o conheci. Pedi-o em casamento há anos atrás. E ele fugiu. Fugiu para os braços da bruxa da minha irmã.
– Oh! – foi tudo o que consegui dizer.
Ela destapou o rosto. As lágrimas tinham-lhe deixado marcas brilhantes nas faces. Mas sua expressão era calma, aliviada.
– Se você se apressar – disse ela -, talvez a meninota gorda ainda esteja no seu quarto. Pelo menos, você não terá perdido a noite.
Mas Didi já tinha ido embora, deixando sobre a mesa um bilhete em letra de colegial. "Levei seu casaco. Queria ter uma lembrança sua. Talvez um dia você queira reavê-lo. Sabe onde me encontrar. Sua Didi."
Quando eu estava acabando de ler, o telefone tocou. Meu primeiro impulso foi não atender. A noite não estava para receber boas notícias pelo telefone. Acabei atendendo.
– Douglas? – Era Fabian.
– Sim?
– Espero não o ter interrompido em algo sério – disse ele, numa voz irônica.
– Não me interrompeu.
– Achei que você gostaria de saber como foi a noite.
– Claro que gostaria!
Ouvi um suspiro do outro lado da linha.
– Acho que não fui tão bem como esperava, meu velho. Sloane teve uma sorte louca. Amanhã vamos ter que ir ao banco.
– Quanto você perdeu?
– Uns trinta mil – disse Fabian, com a maior naturalidade.
– Francos?
– Dólares, Alma Gentil.
– Safado! – exclamei e desliguei.
De manhã, as seguintes coisas me aconteceram: Na bandeja do café, que mandei subir às dez horas porque não conseguira dormir senão quase de manhã, havia um bilhete de Eunice: "Querido Alma Gentil, vou-me embora de Gstaad no trem das nove. Tenho certeza de que você entende por que estou fazendo isto. Um beijo". Eu entendia.
Miles Fabian ligou para mim, pedindo-me que me encontrasse com ele na cidade, às onze, em frente ao Union Bank of Switzerland.
Fui preso. Ou, pelo menos, pareceu-me, na ocasião, que havia sido preso.
Estava fazendo a barba, olhando com desgosto para meus olhos amarelos refletidos no espelho, quando bateram à porta. Com o rosto ainda coberto de espuma, fui abrir: Um dos assistentes da gerência surgiu diante de mim, correto num terno escuro e numa camisa branca, acompanhado por um homem de sobretudo cintado e cabeça de porco-espinho, com cabelo grisalho e cortado bem curto.
– Sr. Grimes – disse o assistente da gerência -, podemos entrar?
– Estou fazendo a barba – respondi. – E, como vêem, ainda não me vesti. – Estava só com a calça do pijama e descalço. – Não podem esperar alguns minutos?
O assistente da gerência falou rapidamente em alemão com o homem do cabelo grisalho, que disse apenas:
– Nein.
– O Comissário Brugelmann diz que não pode esperar – falou o assistente da gerência, em tom de quem pede desculpas.
O Comissário Brugelmann entrou no quarto sem pedir licença.
– Por favor, Sr. Grimes – disse, por sua vez, o assistente da gerência.
Entrei no banheiro, peguei uma toalha, limpei o rosto e vesti um robe. O Comissário Brugelmann ficou no meio do quarto, percorrendo com olhar gelado o alto da escrivaninha, onde eu tinha a carteira e o relógio, e passando depois para as duas malas, colocadas em compartimentos sob as janelas.
"Didi", pensei. "Oh, meu Deus, descobriram a respeito de Didi. Ou pensam que descobriram." Eu não tinha idéia de qual era a idade mínima na Suíça. Provavelmente, variava de cantão para cantão, como tudo o mais no país. Estávamos no cantão de Berna. Podia ser até vinte e um anos, com todos aqueles colégios de meninas.
– Considero isto uma invasão – disse eu, secamente. – E gostaria de uma explicação.
De novo o assistente da gerência falou rápido em alemão com o policial. O comissário assentiu, num gesto de cabeça extremamente rígido. Tinha um pescoço grosso, caindo em pregas sobre o colarinho.
– O Comissário Brugelmann deu-me licença para explicar – disse o assistente da gerência. – Em resumo, Sr. Grimes, foi cometido um roubo. Ontem à noite. No quinto andar do hotel. Foi dada falta de um valioso colar de brilhantes.
O quarto de Eunice ficava no quinto andar.
– E que tem isso a ver comigo? – perguntei, aliviado. Pelo menos, Didi Wales não estava envolvida.
Nova troca de palavras em alemão. "Antes de viajar para qualquer lugar", pensei, "nunca mais vou esquecer de tomar aulas na Berlitz."
– Ontem à noite, bem tarde, o senhor foi visto perambulando pelos corredores do hotel – disse o assistente da gerência.
– Fui visitar uma amiga – retruquei. – Não estava, como o senhor diz, perambulando.
– Limitei-me a traduzir – disse o assistente da gerência, aborrecido. Via-se que não estava gostando nada de sua tarefa e provavelmente já estava arrependido de ter aprendido inglês.
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