Eu não vira nenhuma das peças e assistira a poucos dos filmes mencionados, de modo que guardei um silêncio discreto, entrecortado apenas por comentários sussurrados para Eunice, que vira todas as peças representadas em Londres e em Paris e falava com autoridade, sendo ouvida com respeito. Lily estava sentada a outra mesa e, na ausência da irmã, Eunice falava com muito mais segurança e liberdade. Pelo visto, em determinada época ela quisera ser atriz e estudara por algum tempo na Academia Real de Arte Dramática. Observei-a com renovado interesse. Se ela não me contara esse fato importante da sua vida, que outras surpresas poderia reservar para mim?
O tema da política veio à tona com a sobremesa, um sorvete de limão flutuando em champanha. (Num cálculo por alto, estimei que a festa deveria ter custado pelo menos dois mil dólares, embora me envergonhasse de pensar em tais termos.) Entre os homens à mesa havia um americano gorducho, dos seus cinqüenta anos, presidente de uma companhia de seguros, um crítico de arte francês com uma barbicha preta e um volumoso banqueiro inglês. Os governos das três nações foram educadamente deplorados pelos três cavalheiros. O chauvinismo brilhava pela ausência. Se, como dizem, o patriotismo é o último refúgio dos patifes, não havia um único patife à mesa. O francês queixava-se, num inglês quase perfeito, da França: "A política externa da França combina os piores elementos do gaullismo: egocentrismo, escapismo e ilusão"; o banqueiro inglês não ficava atrás: "O trabalhador inglês perdeu toda a vontade de trabalhar. E eu não o censuro"; o segurador americano afirmava: "O destino do sistema capitalista foi selado no dia em que os Estados Unidos venderam dois milhões de toneladas de trigo à União Soviética".
Todos comeram suas lagostas com deleite, mantendo o garçom ocupado a encher ininterruptamente os copos com um delicioso vinho branco. Deitei uma olhadela para o rótulo de uma das garrafas – Corton-Charlemagne – e guardei o nome para futuras ocasiões de gala.
Mantinha-me calado, embora de vez em quando assentisse gravemente, para mostrar que também estava na festa. Hesitava em falar, temendo de algum modo mostrar que estava por fora, que uma única opinião deslocada me pudesse desmascarar como um intrometido, um homem das classes inferiores, pensando talvez em revolução, tornando detectável a perigosa mancha do Hotel St. Augustine, que até ali eu conseguira esconder.
Depois do jantar, dançou-se numa enorme boate instalada no andar térreo. Eunice, que gostava de dançar, não parou, enquanto eu não saí do bar, bebendo, olhando para o relógio, sentindo-me deprimido. Sempre fora um péssimo dançarino, nunca gostara de dançar e não ia dar um vexame entre todos aqueles dançarinos, aparentemente treinados nos passos da moda. Estava mesmo procurando sair sem dar na vista, quando Eunice se afastou do seu par e se aproximou de mim.
– Alma Gentil! – disse ela. – Você não está se divertindo!
– É, não estou.
– Sinto muito. Quer voltar para o hotel?
– Estava pensando nisso. Mas você não tem que ir.
– Não se faça de mártir, Alma Gentil. Detesto mártires. Já me cansei de dançar. – Tomou-me a mão. – Vamos. – Guiou-me pela beira da pista, evitando Lily. Uma vez em cima, pegamos os nossos casacos e saímos sem dizer adeus a ninguém.
Caminhamos pelo atalho cheio de neve, envoltos no frio da noite e no ar cheirando a pinheiros, num belo contraste com o calor e o barulho da festa. Quando já tínhamos andado uns duzentos metros e o chalé era apenas um pequeno foco de luz atrás de nós, estacamos, como se obedecendo a um sinal, e nos beijamos. Uma vez. A seguir, caminhando sem pressa, rumamos para o hotel.
Pegamos nas nossas chaves e entramos no elevador. Sem dizer palavra, Eunice desceu no meu andar. Encaminhamo-nos lentamente pelo corredor atapetado. Era como se ela também quisesse saborear todos os momentos da noite.
Abri a porta do meu quarto e segurei-a para que Eunice pudesse entrar. Ela roçou em mim, a pele gelada e elétrica do seu casaco contra a minha manga. Entrei depois dela e acendi a luz do pequeno hall.
– Oh, meu Deus! – exclamou ela.
Deitada na cama, iluminada pela luz que vinha do hall, estava Didi Wales. Dormindo. E nua. Suas roupas estavam muito bem dobradas numa cadeira, as botas de neve uma ao lado da outra. Sua mãe podia ter falhado em muita coisa, mas via-se que ensinara a filha a ser arrumada.
– Deixe-me sair daqui – disse Eunice num murmúrio, como se temesse o que aconteceria se acordasse a moça adormecida. – A moça é sua.
– Eunice… – disse eu, desolado.
– Boa noite – replicou ela. – Divirta-se. – Passou por mim e saiu porta afora.
Olhei para Didi. Sua longa cabeleira loura quase lhe cobria o rosto, e sua respiração compassada levantava-lhe e abaixava-lhe as pontas dos cabelos. À luz elétrica, sua pele era infantilmente rosada, exceto na garganta e no rosto, escurecidos pelo sol. Seus seios eram pequenos e cheios, suas pernas fortes, atléticas, pernas de colegial. As unhas dos pés estavam pintadas de vermelho. Podia ter posado para um anúncio de alimentos infantis, se tivesse mais roupas e as unhas sem pintar. Seu ventre era um pequeno monte macio, e o cabelo abaixo dele, uma sombra encaracolada. Tinha os braços estendidos ao longo dos flancos, o que lhe dava um estranho ar de estar em guarda. Se fosse um quadro, em vez de uma jovem de carne e osso, poderia ter representado perfeitamente a inocência.
Mas não era um quadro e sim uma jovem de dezesseis anos cujos pais, pelo menos em teoria, eram meus amigos, e não havia possibilidade de que as suas intenções, entrando no meu quarto e deitando-se na minha cama, fossem inocentes. Tive o impulso covarde de esgueirar-me para fora do quarto e deixá-la passar ali a noite. Em vez disso, tirei o casaco e cobria-a com ele.
Ao fazer isso, acordei-a. Ela abriu os olhos lentamente e olhou para mim, afastando o cabelo do rosto. Depois, sorriu, um sorriso que a fez parecer ter apenas dez anos.
– Diabos, Didi – disse eu. – Em que tipo de colégio você estuda?
– Um tipo de colégio onde as moças pulam pelas janelas à noite – respondeu ela. – Achei que seria agradável surpreendê-lo. – Sua voz estava muito mais controlada do que a minha.
– Muito bem, você me surpreendeu.
– E você não gostou?
– Não – respondi. – Não gostei nada.
– Quando você se acostumar com a idéia – disse ela -, talvez mude de opinião.
– Por favor, Didi…
– Se está com medo de que eu seja virgem – declarou, muito séria -, pode ficar sossegado. Já tive um caso com um homem bem mais velho do que você. Um velho grego.
– Não quero conversa – disse eu. – Quero é que você saia dessa cama, vista-se, dê o fora daqui e volte a pular a tal janela.
– Sei que não é isso o que você quer – disse ela, calmamente. – Está falando tudo isso porque me conheceu quando eu tinha treze anos. Acontece que eu não tenho mais treze anos.
– Sei quantos anos você tem – retruquei -, e não são bastantes.
– Nada me chateia mais do que as pessoas fingirem que sou uma criança. – A não ser pelo afastar dos cabelos, ainda não se arredara da cama. – Qual é a idade mágica para você? Vinte anos, dezoito?
– Não tenho idade mágica, como você lhe chama. – Minha voz foi crescendo de exasperação e sentei-me em frente dela para manter a dignidade e mostrar que estava pronto a ser razoável. – Não tenho por hábito ir para a cama com moças de qualquer idade, depois de ter falado com elas dez minutos.
– E eu, que pensei que você era sofisticado! – exclamou ela, pondo nessa palavra todo o desprezo possível. – Com aquelas damas elegantes e aquele Jaguar!
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