– Como quiser – respondeu ela. Sentou-se sem falar e a cadeira saiu para a luz do sol e começou a subir silenciosamente, deixando-nos ver toda a cidade, espalhada embaixo. Os alvos picos das montanhas em volta pareciam catedrais brancas.
– Importa-se se eu fumar? – perguntou ela, tirando do bolso um maço de cigarros.
– Importo-me.
– Ok, papai! – disse ela, e depois riu. – Que tal o dia? Está se divertindo?
– Muito.
– O senhor não está esquiando tão bem como esquiava – disse ela. – Parece estar fazendo um esforço maior.
Eu sabia que isso era verdade, mas não gostei de ouvi-la dizer aquilo.
– Estou um pouco enferrujado – repliquei, com dignidade. – Tenho andado ocupado.
– Está se vendo – disse ela, aparentando desinteresse. – E essas moças que o acompanham – acrescentou, com um muxoxo – ainda vão acabar se matando.
– Já as avisei.
– Aposto que quando não há nenhum homem com elas, se é que vão a algum lugar sem um homem, engatinham montanha abaixo. Mas têm roupas chiques mesmo. Vi as duas nas lojas, no dia em que chegaram, comprando tudo o que havia.
– São moças bonitas – defendi-as -, e gostam de andar elegantes.
– Se as calças delas fossem um centímetro mais justas – afirmou Didi -, elas não poderiam respirar.
– Suas calças também não são tão largas assim.
– Mas eu sou jovem – retrucou ela. – É diferente.
– Pensei que você tinha dito que ia me guiar, aqui em Gstaad.
– Se o senhor não estivesse ocupado – disse ela. – E o senhor me parece muito ocupado.
– Mas você podia ter vindo conosco – retruquei. – As senhoras teriam gostado.
– Pode ser, mas eu não teria – declarou ela. – Aposto como vocês vão todos almoçar no Eagle Club.
– Como é que você sabe?
– Vão, não vão?
– Sim, por acaso vamos.
– Eu sabia! – disse ela, com uma nota de triunfo e desprezo na voz. – Mulheres que se vestem como elas sempre almoçam lá.
– Você nem sequer as conhece.
– Este é o meu segundo inverno em Gstaad. Aprendi a distinguir os tipos de pessoas.
– Por que você não almoça conosco?
– Obrigada, mas não vou aceitar. Não gosto do tipo de conversa. Principalmente da parte das mulheres. Sempre falando mal umas das outras, roubando os maridos umas das outras. Confesso que me decepcionou um pouco, Sr. Grimes.
– Eu? Por quê?
– Pelo fato de estar num lugar destes. Com mulheres dessas.
– São umas perfeitas senhoras – falei. – Não se meta a censurar todo mundo. Elas não falam mal de ninguém.
– Eu sou obrigada a estar aqui – continuou ela, teimosamente. – Minha mãe acha que uma moça, para ser bem educada, precisa estudar na Suíça. Ah! Ela acha que estou estudando muito! Estou é aprendendo a ser inútil em três línguas. E cara.
A amargura em sua voz era perturbadoramente adulta. Não era o tipo de conversa que se esperava ter com uma bonita jovem americana de dezesseis anos, enquanto se subia lentamente ao sol, tendo aos pés a paisagem de conto de fadas dos Alpes.
– Bem – falei, sabendo que ia soar falso -, tenho certeza de que você não vai ser inútil, mesmo que em várias línguas.
– Farei tudo para não ser – disse ela.
– Quais são seus planos?
– Pretendo ser arqueóloga. Escavar as ruínas de antigas civilizações. Quanto mais antigas, melhor. Quero afastar-me o mais possível da civilização do nosso século. Pelo menos, da versão dos meus pais.
– Acho que você está sendo muito severa com eles – disse eu, defendendo não só os pais dela, como também a mim próprio. Afinal de contas, os dois eram quase da mesma geração que a minha.
– Se o senhor não se importa, prefiro não falar em meus pais – disse ela. – Prefiro falar no senhor. Já se casou?
– Não.
– Também não pretendo casar-me. – Olhou para mim desafiadoramente, como se esperasse que eu fizesse algum comentário.
– Parece que está saindo de moda – falei.
– E com boas razões – retrucou ela. Estávamos chegando ao alto da montanha e preparamo-nos para desembarcar. – Se alguma vez quiser esquiar comigo, a sós… – sublinhou – deixe um recado para mim no hotel. – Pulamos da cadeira e pegamos os nossos esquis. – Mas, se eu fosse o senhor – acrescentou ela, ao sairmos da estação para o sol -, não ficaria aqui muito tempo. Não é o seu habitat natural.
– Em sua opinião, qual é o meu habitat natural?
– Acho que Vermont. – Inclinou-se e pôs-se a colocar os esquis, ágil e competente. – Uma cidadezinha de Vermont, onde as pessoas trabalhem para viver.
Pus meus esquis ao ombro. O clube ficava a uns cinqüenta metros dali, ao nível do teleférico, e um caminho aberto na neve levava até a entrada.
– Por favor, não se zangue comigo – disse ela, endireitando-se. – Há pouco tempo, tomei a decisão de falar sempre o que penso.
Levado por um impulso que não tentei analisar, inclinei-me e beijei-lhe a face fria e rosada.
– Oh, muito obrigada – disse ela. – Um esplêndido almoço! – Era evidente que tinha ouvido Eunice e Lily falarem. E partiu, esquiando competentemente. Fiquei observando seu vulto brilhantemente colorido afastar-se veloz, e sacudi a cabeça. Depois, carregando os esquis, encaminhei-me para o maciço edifício de pedra que servia de sede ao clube.
Fabian apareceu quando eu, Lily e Eunice estávamos tomando o nosso segundo bloody-mary no terraço do clube. Não vinha vestido para esquiar, mas estava muito elegante, num suéter de gola roulée, casaco tirolês de lã azul, calças de veludo cotelé cor de caramelo e botas de camurça "pós-esqui". Eu estava usando a roupa de esquiar que comprara em St.Moritz por ser a coisa mais barata que havia na loja, e me sentia completamente deselegante ao lado dele. Minhas calças já estavam formando bolsas no assento e nos joelhos. Tinha certeza de que todo mundo no terraço estava murmurando a nosso respeito, surpreso de que alguém vestido como eu estivesse num grupo tão alinhado. O comentário de Didi Wales sobre o meu habitat natural fizera algum efeito.
Lá em cima, no azul brilhante do céu, uma grande ave planava. Podia bem ser uma águia. Fiquei pensando que presa ela encontraria naquele vale de ricos.
– Que tal a manhã? – perguntei a Fabian, enquanto ele beijava as moças e mandava trazer também um bloody-mary para si.
– Só o tempo dirá – respondeu. Ele gostava dos seus misteriozinhos.
Procurei não parecer preocupado.
– Espero que você não fique aborrecido, Douglas – disse Fabian. – Mas marquei encontro para nós na cidade, depois do almoço.
– Se as senhoras me derem licença… – falei.
– Tenho certeza de que encontrarão quem esquie com elas – retrucou Fabian.
– É, sem dúvida – concordei.
– Vai haver uma grande festa esta noite – disse Lily. – De qualquer maneira, marcamos hora no cabeleireiro…
– Estou convidado? – perguntei.
– Claro! – respondeu ela. – Todo mundo sabe que somos inseparáveis.
– Gentileza sua – falei.
Ela olhou severamente para mim.
– Receio que Alma Gentil não esteja se divertindo como devia. – Também Lily me chamava agora de Alma Gentil. – Talvez prefira a companhia de moças mais jovens. – Ela não tinha dito nada, mas a minha subida na cadeira aérea com Didi Wales não passara despercebida.
– Ela é filha de velhos amigos meus – retruquei, com dignidade.
– O que não a impede de estar no ponto – disse Lily. – Bem, que tal entrarmos e almoçarmos? Está frio, aqui fora.
O encontro que Fabian marcara era com um corretor imobiliário que tinha um pequeno escritório na rua principal da cidade. Antes de entrarmos na sala, ele me explicou que nessa manhã estivera olhando terrenos à venda.
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