– Pode soltar as piadinhas que quiser – disse Fabian, calmamente. – Sei que elas se originam de um sentimento de embaraço, de modo que não me ofendem.
– Não seja tão irritantemente superior, Miles! – preveni.
– A palavra-chave, repito, é "controle" – disse ele, ignorando minha explosão.
– Se a memória não me falha, você se casou por dinheiro – lembrei. – E o resultado não foi assim tão maravilhoso.
– Eu era jovem e ambicioso – retrucou ele – e não tinha um homem mais velho e experiente para me orientar. Casei-me com uma idiota simplesmente porque ela era rica e estava disponível. Faria tudo quanto estivesse nas minhas mãos para evitar que você caísse no mesmo erro. O mundo está cheio de moças lindas e encantadoras, com pais ricos e indulgentes, que nada mais querem da vida senão casar-se com um jovem bonito, bem-educado e culto, e suficientemente rico para não estar atrás do dinheiro delas. Numa palavra, um rapaz como você. Puxa, Douglas, você sabe: é tão fácil amar uma moça rica quanto uma pobre.
– Se estou assim tão rico como você diz – insisti -, para que me preocupar com tudo isso?
– Questão de segurança – respondeu Fabian. – Não sou infalível. Sem dúvida, dispomos, no momento, de uma quantia que aos seus olhos parece substancial. Mas, aos olhos de homens verdadeiramente ricos, não passamos de dois pobrezinhos, Douglas.
– Tenho fé em você – disse eu, com um toque de ironia. – Você nos salvará de terminar a vida num asilo.
– É o que espero – retrucou ele. – Mas não há garantias. As fortunas são feitas e desfeitas. Vivemos numa era de revoluções. – Meneou a cabeça, tristemente. – Estamos sujeitos a catástrofes cíclicas. Quem sabe se agora mesmo não estamos à véspera de uma tormenta? É melhor prevenir do que remediar. E, sem querer trazer à baila assuntos desagradáveis, você é mais vulnerável do que a maioria. Não se pode ter a certeza de que não acabe sendo descoberto. A qualquer momento, algum sujeito extremamente desagradável poderá apresentar-lhe uma conta de cem mil dólares. Seria conveniente que você pudesse pagá-la na hora, não acha?
– Sem dúvida – falei.
– Uma esposa bonita e rica, de boa família, seria um excelente disfarce. Seria necessária muita imaginação para se desconfiar de que um rapaz bem-educado e elegante, freqüentador da melhor sociedade internacional e casado com uma sólida fortuna inglesa, tenha começado surrupiando um pacote de notas de cem dólares de um cadáver num hotel de má morte em Nova York. Está me entendendo?
– Estou – respondi, relutantemente. – Mas você estava falando em interesses mútuos. O que você teria a lucrar? Não ia esperar que eu lhe pagasse uma comissão sobre o dote da minha esposa imaginária…
– Nada tão grosseiro como isso, meu velho – disse Fabian. – Só esperaria que nossa sociedade não acabasse. A coisa mais natural deste mundo seria que sua esposa se sentisse grata se você a aliviasse do peso de manejar o seu dinheiro. E, como eu conheço as mulheres, ela preferiria que você se encarregasse disso, em vez de ter que depender da conhecida corte de corretores, procuradores e banqueiros astutos.
– E é aí que você entraria?
– Exatamente – sorriu ele, como se acabasse de me dar um presente de grande valor. – Nossa sociedade continuaria como antes. Qualquer capital novo que você trouxesse ficaria, é claro, reservado para você, mas os lucros seriam compartilhados. Coisa simples e justa. Espero ter-lhe provado a minha utilidade no campo dos investimentos.
– Prefiro nem comentar – disse eu.
– O trabalhador vale o que ganha – declarou ele, sentenciosamente. – Não acho que lhe seria difícil explicar isso à sua esposa.
– Depende da esposa.
– Depende de você, Douglas. Espero que escolha uma moça ajuizada, que confie em você, ame-o e queira dar-lhe uma prova concreta do seu amor.
Recordei o meu curriculum vitae no que dizia respeito a mulheres.
– Miles – falei -, acho que você tem uma idéia exagerada dos meus atrativos.
– Como já lhe disse, meu velho – retrucou ele -, você é demasiado modesto. Perigosamente modesto.
– Certa vez, namorei uma garçonete em Columbus, Ohio, durante três meses – contei. – E ela só me deixou segurar-lhe a mão no cinema.
– Você está subindo na esfera social, Douglas – disse Fabian. – As mulheres que você vai encontrar daqui por diante são atraídas pelos ricos, de modo que inevitavelmente se vêem rodeadas por homens mais velhos, ocupados quase que vinte e quatro horas por dia com negócios, e com muito pouco tempo para dedicar a elas. Por outro lado, há os homens que têm tempo para dedicar às mulheres, mas cuja masculinidade muitas vezes é ambígua, para não dizer outra coisa. Ou cujos interesses são transparentemente pecuniários. Sua garçonete de Columbus nem sequer iria ao cinema com um deles. Nos ambientes em que você vai circular agora, qualquer homem abaixo dos quarenta, com fortuna aparente e sinais evidentes de virilidade, que tenha tempo para um almoço de três horas com uma mulher, é recebido com enorme gratidão. Pode crer, meu velho, basta ser natural, ser você mesmo, para obter um grande sucesso. Um dos benefícios que pretendo incutir em você é um novo conceito do seu valor. Confio em que me convide para ser padrinho do seu casamento.
– Você é um calculista cínico, não? – falei.
– Sou calculista, sim, e pretendo ensiná-lo a calcular, também – respondeu ele, calmamente. – Acho absurdo que o verbo "calcular" tenha tão má reputação no mundo atual. Deixe a mania de romancear para as colegiais e os soldados, Douglas. Você, calcule.
– Tudo me parece tão… tão imoral – argumentei.
– Esperava que você nunca usasse essa palavra – disse ele. – Acha que foi moral fugir com todo aquele dinheiro do Hotel St. Augustine?
– Não.
– Foi moral, da minha parte, ficar com sua mala, quando vi o que havia nela?
– Acho que não.
– A moral é indivisível, meu filho. Não se pode escolher alguns pedaços, como se ela fosse uma torta pronta para ser servida. Convenhamos, Douglas, nem eu nem você podemos mais nos dar ao luxo de falar em moral. Entendamo-nos, Douglas: não foi uma questão de moral que fez você fugir de Steubel… e sim uma grande relutância em partilhar uma cela com ele.
– Você tem sempre um maldito argumento para tudo – reclamei.
– Ainda bem que você acha isso – retrucou ele, sorrindo. – Permita-me apresentar mais alguns argumentos. Desculpe-me se me repito, ao lhe assegurar que todas as minhas sugestões são no seu interesse. Já lhe disse que os seus interesses são também os meus. Estou pensando no tipo de vida que eventualmente vamos levar. Você concorda, creio, que, façamos o que fizermos, teremos que fazê-lo juntos… que vamos ter que estar sempre unidos ou em constante comunicação, como quaisquer sócios em qualquer empreendimento. Praticamente, em comunicação diária. Você concorda com isso, não?
– Concordo.
– Até agora, tirando aquele pequeno desentendimento em Lugano, tem sido muito agradável andar por aí, como temos feito.
– Realmente. – Eu não lhe falara nos Alka-Seltzers, nem nas calças apertadas.
– Com o tempo, porém, vai começar a enjoar. Andar de hotel em hotel, mesmo que sejam os melhores do mundo, viver fazendo malas acaba cansando. Viajar só é divertido quando se tem para onde voltar. Mesmo na sua idade…
– Por favor, não fale como se eu tivesse dez anos – pedi.
– Não seja tão sensível. – Riu. – Naturalmente, para mim você é invejavelmente jovem. – O seu tom tornou-se mais sério. – Na verdade, a nossa diferença de idade é uma vantagem. Duvido que pudéssemos continuar como estamos se ambos tivéssemos cinqüenta ou trinta e três anos. Começariam as rivalidades, surgiriam as diferenças de temperamento. Assim, você pode ser impaciente comigo e eu posso ser paciente com você. Conseguimos um equilíbrio muito útil.
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