– Havia também a possibilidade – continuou ele – de conhecer viúvas com fortunas e jovens divorciadas com belas pensões. Infelizmente – disse, com um suspiro – sou terrivelmente romântico, um defeito num homem da minha idade, e não me interessava o que me aparecia e o que eu queria não me era oferecido. Pelo menos – falou, com um quê de vaidade -, não numa base financeiramente aceitável. Sei que não estou traçando um retrato muito heróico de mim mesmo…
– Não – concordei.
– … mas queria que você acreditasse que lhe estou dizendo a verdade, que pode confiar em mim.
– Continue – retruquei. – Ainda não confio em você.
– Bem, assim era o homem que tentou abrir uma mala ostensivamente sua, num quarto caro do Palace Hotel de St.Moritz, e descobriu que o segredo não funcionava.
– Então, você mandou vir uma ferramenta para abrir o fecho – disse eu, recordando minha própria experiência.
– Pedi à portaria para mandar um homem. Assim que ele abriu a mala, vi que não era minha. Não sei por que não lhe disse que a mala era de outra pessoa. Acho que foi um sexto sentido. Ou talvez tivesse sido o fato de ver a pasta 007, novinha em folha, em cima de tudo. Geralmente, ninguém põe uma pasta dessas dentro da mala, leva-a na mão. Agradeci ao homem e dei-lhe uma gorjeta… incidentalmente, não tive coragem de jogar a pasta fora. Está no quarto e, naturalmente, às suas ordens.
– Obrigado.
– Naturalmente – prosseguiu -, quando contei o dinheiro, compreendi que o mesmo tinha sido roubado.
– Naturalmente.
– Isso faz com que o caso mude um pouco de figura, não é assim?
– Um pouco.
– Também significava que a pessoa que tinha atravessado o Atlântico com o dinheiro não iria pedir à Interpol para recuperá-lo. Meu raciocínio não lhe parece correto?
– Sem dúvida.
– Revistei cuidadosamente a mala. Espero que você me perdoe, se lhe disser que não encontrei nada que me fizesse acreditar que o dono da mala não fosse pessoa das mais modestas.
– Sem dúvida – concordei novamente.
– Também não encontrei nenhum indício da identidade do seu proprietário. Nem livrinhos de endereços, nem cartas, nada. Olhei até no estojo de barbear, para ver se havia algum remédio com o nome no rótulo.
Tive que rir.
– Você deve ser extremamente saudável – disse Fabian, em tom de aprovação.
– Tanto quanto você – repliquei.
– Ah! – exclamou ele, sorrindo. – Você fez a mesma coisa.
– Exatamente.
– Passei bem uma hora – continuou ele – tentando recordar se havia algo na minha mala com o meu nome. Achei que não havia nada. Naturalmente, tinha me esquecido da carta de Lily. Pensei que a tinha jogado fora. Mesmo assim, com a sua habitual prudência, sabia que ela nunca teria mencionado nomes. O próximo passo era óbvio.
– Você roubou o dinheiro.
– Digamos antes que o apliquei bem.
– O que você quer dizer com isso?
– Vamos por partes. Até então, eu nunca pudera arriscar o suficiente para garantir um lucro significativo. Em vista dos círculos que freqüentava, as quantias que eu podia arriscar eram ridículas. Mesmo quando ganhava, o que acontecia quase sempre, nunca podia tirar pleno partido da minha sorte. Está me acompanhando, Grimes?
– Parcialmente – respondi.
– Por exemplo, até agora, eu nunca ousara jogar bridge a mais de cinco cents por ponto.
– A Sra. Sloane disse-me que você estava jogando com o marido dela a cinco cents cada ponto.
– Certo. Na primeira noite. Depois, subimos para dez cents cada ponto. E depois, para quinze. Naturalmente, como Sloane estava perdendo muito, mentiu para a mulher.
– Quanto ele perdeu?
– Vou ser franco com você. Quando saí de St.Moritz, tinha na carteira um cheque de vinte e sete mil dólares, assinado por Sloane.
Assobiei e olhei para Fabian com crescente respeito. Meu jogo de pôquer em Washington pareceu-me insignificante. Ali estava um jogador que realmente sabia aproveitar a sorte. Mas depois lembrei-me de que era o meu dinheiro que ele estava arriscando e comecei de novo a ficar furioso.
– E qual a vantagem que isso me dá? – perguntei.
Fabian ergueu a mão num gesto apaziguador.
– Tudo no seu devido tempo, meu caro. – disse ele. – Fui também muito feliz no gamão. Por acaso você se lembra daquele jovem grego com uma mulher muito bonita?
– Vagamente.
– Ficou encantado quando sugeri aumentar as apostas. Um pouco acima de nove mil dólares.
– O que você está me dizendo – atalhei, asperamente – é que aumentou o meu capital em trinta e seis mil dólares. Ótimo para você, Fabian; agora, pode devolver-me os meus setenta, apertamos as mãos, tomamos um drinque e cada qual vai para o seu lado.
Ele meneou tristemente a cabeça.
– Acho que não é tão simples assim.
– Não abuse da minha paciência. Ou você tem o dinheiro ou não tem. E acho melhor você ter.
Fabian levantou-se.
– Acho que devemos tomar mais um drinque – disse ele, dirigindo-se para o bar.
Cravei nele um olhar fulminante. Mas, não o tendo matado quando tivera oportunidade, agora quaisquer ameaças tinham perdido muito do seu valor. Também me passou pela cabeça, enquanto olhava para as suas costas bem vestidas (não com as minhas roupas, mas com peças de duas ou três outras malas com que sempre viajava), que tudo aquilo podia ser uma balela, uma história inventada para me sossegar, até que alguém… uma arrumadeira, Lily Abbott, um amigo, entrasse no apartamento. Então, nada o impediria de me acusar de o estar incomodando, de estar fazendo chantagem com ele, de lhe estar tentando vender postais obscenos, qualquer coisa do gênero, para me expulsarem do hotel. Quando me deu o drinque, eu disse:
– Se você estiver mentindo, Fabian, da próxima vez vou vir com um revólver. – Não tinha a menor idéia, claro, de como se podia adquirir um revólver na França. E as únicas armas de fogo que eu manejara tinham sido os rifles 22 das barracas de tiro ao alvo, nos parques de diversões.
– Gostaria que você acreditasse em mim – disse Fabian sentando-se com a bebida na mão, depois de se ter servido de soda. – Tenho planos para nós dois que exigem confiança mútua.
– Planos? – Sentia-me infantilmente manipulado, astutamente manobrado por aquele homem que vivera de expedientes durante quase trinta anos e cuja mão podia estar tão firme alguns minutos após ter escapado a uma morte violenta. – Muito bem, continue – falei. – Você está trinta e seis mil dólares mais rico do que há três semanas atrás e diz que não é simples devolver-me o dinheiro que me deve. Por que não?
– Para começar, fiz alguns investimentos.
– Como, por exemplo…?
– Antes de entrar em detalhes – disse Fabian -, deixe-me apresentar-lhe, em linhas gerais, meu plano. – Deu um longo trago em sua bebida e pigarreou. – Acho que você tem algum direito em estar zangado com o que fiz…
Emiti um pequeno som abafado, que ele ignorou.
– Mas, a longo prazo – continuou -, tenho todas as razões para acreditar que você vai se sentir muito grato. – Eu ia interromper, mas ele, com um gesto, pediu-me silêncio. – Sei que setenta mil dólares parecem muito dinheiro. Principalmente para um jovem como você, que, segundo parece, nunca foi muito próspero.
– Aonde quer chegar, Fabian? – Eu não podia deixar de sentir que, momento a momento, uma espécie de teia estava sendo tecida à minha volta e que, dentro de muito pouco tempo, ficaria incapaz de me mexer ou mesmo de articular um som
A voz continuava, suave, quase britânica, confiante, persuasiva.
– Quanto tempo esse dinheiro lhe duraria? Um ano, dois. No máximo, três anos. Não demoraria e você seria visado por homens mal-intencionados e mulheres rapinantes. Suponho que tenha tido muito pouca experiência, se é que teve, em administrar grandes somas em dinheiro. Só a maneira primitiva… e, se me permite uma pequena crítica, imprudente como você tentou transferir o dinheiro dos Estados Unidos para a Europa já é prova bastante disso…
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