– No fim – garantiu ele -, você vai sorrir. Pelo menos sorrir. Esta noite, vão mostrar o que já fizeram até aqui. Estamos todos convidados. Aposto como você vai ficar impressionado.
– Nunca na minha vida vi um filme pornográfico – falei.
– Nunca é tarde para começar, amigo. Agora – mudou ele de assunto – sugiro que desçamos ao bar para esperar Lily. Ela não deve demorar. Enquanto isso, brindemos à nossa sociedade com champanha. E depois o levarei para comer o melhor almoço de sua vida. A seguir, iremos ao Louvre. Você já esteve no Louvre?
– Cheguei a Paris ontem.
– Tenho inveja de sua iniciação – afirmou ele.
Tínhamos terminado uma garrafa de champanha, quando Lily Abbott entrou no bar. Quando Fabian me apresentou como um velho amigo de St. Moritz, ela não demonstrou, nem por um piscar de olhos, que já nos conhecêramos em Florença.
Fabian mandou vir uma segunda garrafa de champanha.
Oxalá o gosto me agradasse!
Éramos oito, na pequena sala de projeção. Meus pés doíam, da visita ao Louvre. A sala cheirava a vinte anos de cigarros e suor. O prédio, nos Champs-Élysées, era velho e mal conservado, com elevadores antiquados e rangentes. Os cartazes dos escritórios, nos andares por onde passamos, pareciam anunciar firmas a caminho da bancarrota ou que tivessem algo a ocultar. Os corredores estavam debilmente iluminados, como se as pessoas que freqüentavam o prédio não quisessem ser claramente vistas entrando e saindo. No nosso grupo, além de Fabian, Lily e eu, estava a encantadora francesa de Fabian, cujo nome era Nadine Bonheur. Ao fundo, o câmara do filme, um profissional grisalho, com ar cansado e uns sessenta e cinco anos, uma boina na cabeça e um cigarro permanentemente pendurado nos lábios. Parecia demasiado velho para aquele tipo de trabalho e estava sempre de olhos quase fechados, como se não quisesse lembrar-se do que tinha fixado no filme que íamos ver.
Sentados juntos, do outro lado da fila de cadeiras, estavam os dois astros do filme, um jovem escuro e esbelto, provavelmente norte-africano, com um rosto comprido e triste, e uma jovem e bonita americana chamada Priscilla Dean, com um rabo-de-cavalo louro, anacrônica relíquia de uma geração anterior de virgens do centro-oeste. Estava vestida de maneira clássica e quase pudica.
– Muito prazer – disse ela, numa voz tipicamente interiorana.
Fui apresentado aos outros sem qualquer cerimônia, numa atmosfera de reunião de negócios. Poderíamos estar ali reunidos para uma conferência sobre a colocação no mercado de uma nova marca comercial.
Um homem barbudo e cabeludo, sentado longe dos outros e metido numa jaqueta bastante suja, com cara de quem acabou de comer algo extremamente desagradável, limitou-se a grunhir quando o cumprimentei.
– Trata-se de um crítico – murmurou Fabian. – Vive com Nadine.
– Prazer em conhecê-lo – disse Nadine Bonheur, estendendo-me a mão sedosa. Era baixinha e magrinha, mas com um busto atrevido e generoso, metade do qual o vestido preto e decotado deixava ver. Seu tom de pele era lindamente bronzeado. Imaginei-a nua, na praia de St. Tropez, rodeada por rapazes igualmente despidos e dissolutos.
– Vá ver o que esse maldito encarregado da projeção está fazendo – disse ela ao câmara. – Só temos a sala por trinta minutos. – Falava um inglês com essa pronúncia francesa de que os americanos tanto gostam.
O câmara berrou algo em francês num telefone que havia na sua frente e as luzes se apagaram.
Na meia hora que se seguiu, dei graças a Deus de que a sala estivesse às escuras. Corava tão intensamente que, embora ninguém me pudesse ver, parecia-me que o calor do sangue no meu rosto devia estar aumentando a temperatura da sala qual enorme lâmpada infravermelha. Os acontecimentos projetados na tela, em cores, eram do tipo que meu pai teria descrito como indescritíveis. Havia cópulas de todas as espécies, em todas as posições, numa variedade de back-grounds. A três, a quatro, com animais, inclusive um cisne negro, práticas lésbicas e dessas carícias que a Playboy nos ensinou a chamar "fellatio" e "cunnilingus". Havia sadismo e masoquismo, mais outros comportamentos para os quais eu, por exemplo, não tinha nome. Conforme Fabian dissera, havia de tudo para todos os gostos. A época parecia ser por volta de meados do século XIX, pois alguns dos homens usavam tricórnios e casacas e as mulheres, crinolinas e espartilhos. Havia também uniformes e hussardos, botas e esporas e, de vez em quando, um castelo, com curvilíneas camponesas sendo arrastadas para trás das moitas. Nadine Bonheur, escassamente vestida, com seu rosto levado mas incorruptível de colegial encimado por uma longa peruca negra, fazia uma espécie de mestra de orgias, dispondo corpos com a calma elegância de uma dona-de-casa arrumando flores num salão antes da chegada dos convidados. Fabian dissera-me que o script era intelectual, mas, como não havia som nem diálogos, era-me difícil julgar a que ponto sua opinião era acurada. O filme seria dublado mais tarde, disse-me ele. De vez em quando, aparecia na tela um jovem de aspecto angélico, vestindo uma longa túnica enfeitada de peles e aparando sebes. Ocasionalmente, olhava tristemente para o vácuo. Também aparecia sentado numa poltrona dourada semelhante a um trono, numa grande sala de pedra iluminada por candelabros, assistindo a várias combinações dos sexos em pleno orgasmo. A sua expressão nunca mudava, embora a certa altura, quando a ação atingia o clímax, ele languidamente colhesse uma rosa de cabo longo e a cheirasse. Lily, sentada do outro lado de Fabian, abafou uma risada.
– A história é simples – explicou-me Fabian, num murmúrio. – Tem lugar num país da Europa central. O jovem da túnica é um príncipe. Aliás, o título do filme é O P ríncipe Adormecido. Ele acaba de desposar uma bela princesa estrangeira. Seu pai, o rei – essa parte vai ser filmada na semana que vem -, quer um herdeiro. Mas o rapaz é virgem. Não está interessado em mulheres. Só em jardinagem.
– Isso explica a tesoura de jardinagem – disse eu, esperando que isso provasse que eu ainda me sentia capaz de falar.
– Claro – disse Fabian, com impaciência. – A tia dele, representada por Nadine, foi encarregada pelo irmão, o rei, de estimular a libido do príncipe. Enquanto isso, a princesa recém-casada espera por ele, chorando numa das torres do castelo, deitada no leito nupcial por estrear, todo ele guarnecido de flores. Mas nada… e, como você vê, são apresentadas todas as atrações possíveis… nada desperta o príncipe. A tudo ele assiste com olhos desinteressados. Todo mundo está desesperado. Por fim, como último recurso, a tia, Nadine, dança sozinha diante dele, numa roupa diáfana, segurando uma rosa vermelha entre os dentes. O olhar do príncipe se anima. Senta-se, deixa cair a tesoura. Desce do trono. Toma a tia nos braços. Dança com ela. Beija-a. Os dois caem juntos na grama. Amam-se. Todos prorrompem em vivas no castelo. O rei declara o casamento com a princesa anulado. O príncipe casa com a tia. No castelo e atrás das moitas, há Uma orgia de três dias para comemorar. Nove meses mais tarde, nasce um herdeiro. Todos os anos, para celebrar a ocasião, o príncipe e sua tia repetem a dança, nas suas vestimentas originais, enquanto os sinos da igreja repicam. Assim contado, é tudo bem iraniano, mas há um encanto telúrico. Há ainda um enredo secundário, com um vilão que ambiciona o trono e tem uma tara por chicotes, mas não vou me estender mais, por ora…
As luzes acenderam-se. Fingi um ataque de tosse para explicar o rubor das faces.
– Em termos gerais – falou Fabian -, esse é o filme. Tem tudo para agradar ao público e aos intelectuais.
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