Dera o endereço de Evelyn Coates em Washington como minha residência. Agora, que estava inteiramente só, todas as minhas brincadeiras tinham de ser particulares.
Naqueles últimos dias, tinha havido poucas oportunidades para rir. Washington fora, para mim, uma experiência importante. Se, como tanta gente acreditava, a riqueza trazia felicidade, eu ainda era um principiante. Escolhera mal as companhias, no meu novo estado: Hale, com sua carreira truncada e o seu furtivo caso amoroso; Evelyn Coates, com sua armadura; e meu pobre irmão.
Na Europa, decidi, só ia procurar pessoas sem problemas.
A Europa sempre fora um lugar para onde os americanos ricos tinham fugido. Agora, eu me considerava um membro dessa classe. Deixaria os que me tinham precedido ensinar-me a doce técnica da fuga. Procuraria rostos alegres.
Passei a noite de terça-feira sozinho no meu quarto, vendo televisão. Na última noite na América não havia por que correr riscos desnecessários.
Meu último gesto foi pôr cento e cinqüenta dólares num envelope com um bilhete para o bookmaker do St. Augustine: "Desculpe tê-lo feito esperar pelo dinheiro" e a minha assinatura. Haveria pelo menos um homem, nos Estados Unidos, que garantiria minha reputação como homem honesto. Pus o envelope no correio quando saí do hotel.
Cheguei cedo ao aeroporto, de táxi. A pasta 007, com o dinheiro dentro, estava na mala azul grande, a da fechadura com o segredo. O dinheiro ficaria fora do meu alcance, no compartimento da bagagem, enquanto atravessássemos o Atlântico, mas era o jeito. Sabia que todos os passageiros eram revistados e a bagagem de mão aberta e examinada antes de embarcar, como precaução contra seqüestradores, e teria sido difícil tentar explicar a um guarda armado por que razão eu precisava levar mais de setenta mil dólares para uma excursão de três semanas, cujo fim era esquiar.
Wales tampouco mentira sobre o excesso de peso. O homem do balcão nem sequer olhou para a balança quando o carregador jogou as minhas duas malas em cima dela.
– Nada de esquis nem botas? – estranhou ele.
– Não – respondi. – Vou comprá-los na Europa.
– Compre Rossignols – aconselhou. – Ouvi dizer que são os melhores. – Tinha se tornado entendido em equipamento de esqui no balcão de embarque do Aeroporto Kennedy.
Mostrei-lhe meu passaporte, ele verificou a lista de passageiros, deu-me um talão de embarque, e as formalidades terminaram.
– Boa viagem – desejou-me. – Quem dera eu ir com o senhor. – As outras pessoas na fila já tinham, obviamente, começado a celebrar e havia no ar um clima de férias, com as pessoas se abraçando, chamando-se umas às outras, e os esquis batendo no chão.
Cheguei cedo ao aeroporto, de modo que fui até o restaurante comer um sanduíche e beber um chope. Não almoçara; tão cedo não serviriam nada no avião e eu estava faminto.
Enquanto comia e bebia, li o jornal da tarde. Um policial fora baleado no Harlem, naquela manhã. Os Rangers tinham ganho o jogo, na noite anterior. Um juiz se manifestava contra os filmes pornográficos. Os diretores do jornal eram a favor de um impeachment contra o presidente. Falava-se que ele se demitiria. Homens que tinham ocupado altos cargos na Casa Branca estavam sendo mandados para a cadeia. O envelope que Evelyn Coates me dera para entregar em Roma estava na minha mala menor, agora sendo arrumada no porta-bagagens do avião. Não sabia se iria ajudar a pôr alguém na cadeia ou a evitar sua prisão. Fiquei pensando em minha visita a Washington.
Havia um telefone na parede, perto de onde eu estava sentado, e, de repente, senti vontade de falar com alguém, de ouvir uma voz familiar antes de deixar o país. Levantei-me, liguei para interurbano e mais uma vez pedi o número de Evelyn Coates.
De novo, não houve resposta. Evelyn era uma mulher difícil de ser encontrada em casa. Desliguei e peguei de volta a ficha. Ia voltar para a mesa, onde me esperava o sanduíche meio comido, quando estaquei. Lembrei-me de ter passado de carro diante do St. Augustine e de quase ter parado. Desta vez, não haveria perigo. Dentro de quarenta minutos, estaria em pleno espaço internacional. Enfiei novamente a ficha e disquei o número do hotel.
Como de costume, o telefone tocou e tocou antes que eu ouvisse a voz de Clara.
– Hotel St. Augustine – atendeu ela, pondo nessas três palavras toda a raiva e irritação que sentia pelo mundo.
– Gostaria de falar com o Sr. Drusack, por favor – disse eu.
– Sr. Grimes! – exclamou ela, num grito. Tinha reconhecido minha voz.
– Gostaria de falar com o Sr. Drusack, por favor – repeti, fingindo não a ter ouvido ou, pelo menos, não a ter entendido.
– Sr. Grimes – volveu ela -, onde é que o senhor está?
– Por favor, senhorita – insisti -, gostaria de falar com o Sr. Drusack. Ele está no hotel?
– Está no hospital, Sr. Grimes – respondeu ele. – Dois homens seguiram o carro dele e lhe bateram na cabeça com a coronha dos revólveres. Ele está em coma. Parece que com fratura do crânio e…
Desliguei e voltei para minha mesa, onde acabei o chope e o sanduíche.
As luzes de amarrar o cinto e não fumar se acenderam e o avião começou a descer da zona do sol da manhã. Os picos cobertos de neve dos Alpes brilhavam a distância quando o 747 penetrou na névoa cinzenta que envolvia as cercanias do Aeroporto de Kloten.
O grandalhão sentado a meu lado roncava escandalosamente. Entre as oito e a meia-noite, quando eu desistira de continuar contando, ele bebera onze doses de uísque. Sua espora, no assento ao lado, mantivera o ritmo de um uísque para cada dois dele. Tinham-me dito que planejavam pegar o primeiro trem de Zurique para St.Moritz e esquiar no Corvatch nessa mesma tarde. Lamentava não estar presente para vê-los descer a primeira encosta.
O vôo não fora tranqüilo. Como todos os passageiros eram sócios do mesmo clube de esqui e muitos deles viajavam juntos todos os invernos, tinha havido grandes manifestações, risadas, brincadeiras, etc, acompanhadas por abundante consumo de bebidas. Os passageiros não eram jovens. Na sua maioria, tinham trinta e poucos ou quarenta e pouco anos, os homens pertencendo aparentemente à vaga categoria dos executivos e as mulheres, donas-de-casa típicas e cuidadosamente penteadas, cujo maior atributo social era saber beber tão bem quanto os maridos. Podia-se imaginar uma determinada porcentagem de troca de esposas nos fins de semana. Se eu tivesse que fazer um cálculo, diria que a renda média familiar dos passageiros do charter era de uns trinta e cinco mil dólares anuais e que seus filhos tinham todos belas cadernetas de poupança abertas por vovô ou vovó, a fim de evitar ao máximo os impostos sobre heranças.
Se havia passageiros naquele avião lendo calmamente ou olhando para as estrelas e o nascer do dia, eles não estavam no meu lado do avião. Não tendo bebido, eu contemplava os meus "altos" e barulhentos companheiros de viagem com repugnância. Num país menos livre do que os Estados Unidos, pensei, não lhes teriam permitido viajar. Se meu irmão Hank estivesse a bordo, lembrei com pena, teria sentido inveja deles.
Fizera calor no avião e eu não pudera tirar o paletó porque minha carteira, com o dinheiro e o passaporte, estava nele, e ela era demasiado grande e estava muito cheia para caber no bolso das minhas calças.
O avião pousou suavemente e, por um momento, tive inveja dos homens que pilotavam aquelas máquinas maravilhosas. Para eles, o que interessava era a viagem, não o valor da carga. Procurei ser um dos primeiros passageiros a sair do avião. Na alfândega, passei pela porta reservada para os passageiros sem nada a declarar. Tive a sorte de ver as minhas duas malas, ambas azuis, uma grande, outra pequena, saírem logo. Agarrei um carrinho, joguei as malas dentro dele e saí da alfândega sem que ninguém me detivesse. Pelo que via, os suíços eram muito tolerantes com os turistas prósperos.
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