— Os aviões têm 900HP — informou a pilota. — Os jatos são muito enfadonhos. A velocidade de ataque chegava a duas vezes a do som. Uma batalha curta durava meio segundo, uma longa podia chegar a 30 segundos, e durante a maior parte do tempo não se avistavam os aviões. Para quem estava vendo pela televisão, bastava piscar um olho que perdia o momento principal. Depois de se acostumarem com a novidade, os espectadores rejeitaram os jatos. Não é fácil torcer por um técnico universitário que voa um computador supersônico dotado de asas.
— Entendo o que era capaz de atrair pilotos, levando-os a sair da Força Aérea — disse Leslie. — Mas no caso do Exército e da Marinha, seria diferente.
— Não por muito tempo. O Exército dispunha de tantos tanques e soldados na Europa que eles pensaram: por que não instalar algumas câmaras neles e tirar proveito de toda essa agitação? E, evidentemente, as Marinhas não iam ficar de fora. Entraram na dança com toda vontade: duas semanas de jogos navais naquele primeiro ano.
Deram àquilo o nome de Jogos Terceira Guerra Mundial, mas a participação militar era pesada e um pouco enfadonha. Na televisão não se ganha com réplicas incapazes de pensar por si ou com máquinas que não funcionam, ganha-se atingindo alvos. A novidade envelheceu depressa.
“Foi então que a indústria privada criou equipes civis para os jogos terrestres e navais, mais leves, mais rápidas e mais hábeis. Os militares acabaram alijados dos jogos. Não conseguiam manter nas fileiras soldados, condutores de tanques e comandantes de navios, quando o dinheiro e a fama estavam nas equipes civis de combate.
Notei quatro luzes que piscavam no telefone de Linda. Ela não lhes deu atenção.
— Em breve não restava mais ninguém para lutar. Ninguém se interessava por luta, quando havia tanto o que planejar e tanta necessidade de treinamento para os jogos. Era inútil planejar uma guerra que talvez só acontecesse num futuro remoto, quando havia vantagens imediatas em combater agora e, além-mar, ganhar bastante dinheiro!
— Mas as forças armadas não deixaram de existir — falei. — Como foi que…
— Por fim, acabaram, sim. Foram obrigadas. Os governos continuaram a destinar verbas para seus exércitos, por questão de hábito, durante alguns anos, mas a rebelião tributária pôs fim a isso. As pesadas e enferrujadas máquinas militares, assim como seus modos convencionais, transformaram-se numa grande piada.
— E assim as forças armadas acabaram — comentei. — Graças a Deus!
— Não! — replicou ela. — As pessoas as recuperaram.
— As pessoas o quê? — admirou-se Leslie.
— Nós adoramos as forças armadas! — exclamou Linda. — Todo ano, preencho a área destinada a elas em meu formulário de imposto de renda, e lhes destino uma fortuna, a maior parte do imposto que pago. Porque elas mudaram! Primeiro, começaram a ficar mais leves, livraram-se de tanta burocracia e pararam de gastar tanto dinheiro em porcarias. Compreenderam que a única possibilidade de conseguirem recursos era fazer alguma coisa que os jogos não podiam fazer. Um trabalho perigoso e emocionante, um trabalho que exigisse os recursos de toda a nação: colônias no espaço! Dez anos depois a estação marciana estava em operação, e agora estamos atacando o trabalho na colônia de Alfa do Centauro!
Isso poderia dar certo, pensei. Nunca passara pela minha cabeça que pudesse haver outra alternativa para a guerra senão a paz total.
Estava enganado.
— Isso poderia dar certo! — falei a Leslie.
— Dá certo — respondeu ela. — Está dando aqui.
— E há outra coisa — disse Linda. — O que os jogos representaram para a economia! Havia uma demanda gigantesca de qualidade nos jogos. Mecânicos, técnicos, pilotos, estrategistas, planejadores, grupos de apoio… O dinheiro envolvido é inacreditável, um jogador pode ganhar milhões para sua equipe, um campeão é capaz de ganhar dezenas de milhões. Quando se chega a ser um supercampeão. Bem. juntando os ganhos básicos e os prêmios por vitória, ganhamos mais dinheiro do que conseguimos gastar. Há perigo suficiente para nos conservar felizes, às vezes um pouco mais que o suficiente. Principalmente na rodada de abertura, ninguém quer ficar para trás, são 48 combatentes se engalfinhando na tela…
A campainha da porta tocou, com som melodioso.
— Há cobertura de imprensa suficiente para os mais vaidosos do mundo, como eu — disse Linda, indo atender. — E, naturalmente, ninguém precisa adivinhar quem poderá vencer a próxima guerra, tudo que fazemos é esperar o dia 21 de junho e vê-la pela televisão. Muitas pessoas apostam nos favoritos, é claro. Às vezes a gente tem a impressão de que se transformou num cavalo de corrida… — Linda abriu a porta.
O homem estava escondido atrás de uma cascata de flores de primavera.
— Coitadinha — ouvimos sua voz. — Não precisamos de um pouco de carinho esta noite?
— Krys! — Linda enlaçou-o com força, e o portal emoldurou dois vultos em reluzentes trajes de vôo, borboletas pousadas em flores.
Olhei para Leslie, perguntando em silêncio se não seria a hora de nos despedirmos. A Leslie alternativa ficaria embaraçada em continuar uma conversa com pessoas que seu amigo não conseguia ver.
Mas quando voltei os olhos para a porta, entendi que esse problema não existiria. O homem era eu.
— Meu querido, o que está fazendo em… — disse Linda. — Você devia estar em Taipé, estava cumprindo o terceiro período em Taipé!
O homem deu de ombros e olhou para suas botas de vôo, esfregando-as no tapete. Não nos notara.
— Mas foi um combate espetacular, Lindie! — comentou. Ela ficou pasma.
— Você foi abatido?
— Só danificado. O líder do esquadrão dos Estados Unidos é um piloto incrível. — Fez uma pausa, caiu na gargalhada. — Mas não o suficiente. Ele se esquece de que fumaça branca não é fumaça preta.
Em último recurso, solto as rodas, baixo os flaps, uso velocidade total, faço um tonneau rápido ao completar a curva, e pronto, ali está ele bem em meu visor. Pimba! Foi por sorte, mas o diretor disse que ficou ótimo na tela. Um combate de 21 minutos! A essa altura, Taipé está fora do meu raio, por isso chamo o Xangai Três. Só ao pousar é que vi seu avião estacionado, preto como uma ovelha negra! Assim que minha entrevista acabou, achei que minha mulher precisava de um pouco de ânimo… — Nesse instante, ele lançou os olhos em nossa direção, viu-nos e virou-se para Linda. — Ah! A imprensa. Desculpe. Quer que eu saía um pouco?
— Não são da imprensa — disse ela, observando suas reações.
Depois dirigiu-se a nós. — Richard e Leslie, este é meu marido, Krysztof Sobieski, o Campeão Polonês Número Um!
O homem era menos alto que eu, os cabelos mais escuros.
Usava uma jaqueta vermelha e branca, na qual estava gravado Pohzki Aereokgasz. Não fossem esses detalhes, era como se eu estivesse fitando meu próprio reflexo sobressaltado. Cumprimentamos o homem e explicamos quem éramos, da maneira mais simples possível.
— Entendo — disse ele, inquieto, mas nos aceitando porque Linda nos aceitara. — O lugar de vocês, de onde vieram, é parecido com o nosso?
— Não — respondi. — Temos a impressão de que vocês construíram seu mundo em torno de jogos. Como se seu planeta fosse uma feira, uma espécie de parque de diversões. Há de compreender que para nós ele parece um tanto extravagante.
— Você acabou de me dizer que todo o mundo de vocês está construído em torno da guerra, da guerra de verdade, o assassínio em massa, deliberado e premeditado, um planeta voltado para a autodestruição — atalhou Linda. — Bem, extravagância é isso¥ Krysztof apressou-se a explicar.
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