— Xangai Três é o mais próximo. Posso ir para o Dois, se você quiser.
— Vá para o Três mesmo. Ligue para mim quando pousar, certo?
— Tudo bem. — A voz dela parecia infeliz. — Sinto muito, chefe. — A voz suavizou-se. — Não se pode ganhar todas.
O céu estava límpido, com apenas uns fiapos de cúmulos de verão, e tínhamos altitude mais que suficiente para planar até o aeroporto. Mesmo com o motor parado e com o vidro coberto de óleo, não seria difícil aterrissar.
— Xangai Três — chamou ela —, aqui é Líder Delta Estados Unidos. Peço permissão para pouso.
A torre de controle estivera à espera de sua chamada.
— Líder Delta Estados Unidos, tem permissão para pouso de emergência.
— Obrigada. — Ela suspirou, afundando no assento. Atrevi-me, então, a lhe falar: — Você se importa de me explicar o que está acontecendo?
Se eu fosse ela, teria tomado um susto suficiente para saltar do avião, mas Linda Albright respondeu com raiva, pouco se lixando para quem tinha falado.
— Perdi um dia para nós — respondeu, zangada, esmurrando o painel. — Todo mundo diz que sou a superestrela e coisa e tal, e acabo de perder dez pontos nas semifinais internacionais! Não me interessa o ala, não me interessa ninguém, eu nunca mais… Eu vou olhar olhar olhar olhar para trás de mim! — Linda soltou o ar dos pulmões, com força, e logo atentou para o que estava dizendo. Virou a cabeça depressa, para olhar atrás… para nós. — Quem são vocês?
Expliquei-lhe, e assim que ela acabou os procedimentos de aproximação, já havia aceito o que dizíamos, como se as pessoas de universos paralelos a visitassem com freqüência. Ela continuava com o pensamento voltado para os dez pontos.
— Isso é um esporte aqui? Vocês transformaram os combates aéreos num esporte! — indaguei.
— Dizem que sim — respondeu, carrancuda. — Aerojogo. Mas não é um jogo, é uma grande indústria! Assim que uma pessoa sai das ligas locais, ou quase isso, torna-se um profissional nas redes de televisão mundiais. Eu o derrubei nas simples do ano passado, derrubei Xiao Xien Ping em 26 minutos, mas droga! Acabei de deixar esse sujeito me pegar, só porque não prestei atenção, e virei jornal de ontem!
— Linda baixou a alavanca do trem de pouso com violência, como se isso alterasse o acontecido.
— O trem de pouso está puxado e preso — disse ela, furiosa.
A função do ala consiste em se manter na espreita em combate, mas seu ala a avisara tarde demais. O caça chinês surgira de repente, vindo em direção do sol, e a pegara numa única passagem.
Fizemos a aproximação final em direção à larga pista branca. As rodas roçaram de leve o concreto, paramos junto a uma linha vermelha perto do fim da pista, acompanhados por câmaras de televisão.
O que havia à nossa volta era menos um aeroporto que um enorme estádio, com imensas arquibancadas de ambos os lados de pistas duplas, Deviam estar ali cerca de duzentas mil pessoas, e dez telões gigantescos mostravam a mesma imagem.
Perto da linha vermelha estavam dois outros caças americanos e o avião chinês que Linda abatera. Tal como o nosso, cada aparelho estava todo coberto de óleo negro, da coberta do motor até a empenagem. Equipes de mecânicos trabalhavam nos outros aviões, limpando-os, trocando os geradores de fumaça e óleo. Os outros, porém, não tinham fileiras de marcas de vitórias pintadas sob o nome do piloto, na carlinga.
Um repórter aproximou-se, apressado, acompanhado por três operadores de câmara.
— Odeio essa parte — disse a pilota. — Nesse exato minuto, no mundo inteiro, o canal da guerra está noticiando que Linda Albright levou a pior, derrubada por trás por algum novato qualquer. — Suspirou. — Ora, muito bem. Linda, agüente firme e sorria.
No momento seguinte o pequeno avião tinha sido focalizado em close-up, um mosquito sob microscópios. Nos enormes telões surgiu a imagem de Linda no momento em que ela abria a cabine e tirava o capacete, sacudindo os cabelos ruivos. Estava aborrecida, insatisfeita consigo. Não aparecíamos na imagem.
— A Campeã Classe A americana Linda Albright! — anunciou o repórter ao microfone. Falava um inglês perfeito. — Vitoriosa na excelente batalha contra Chung Li Huan, vítima infeliz de Xiao Xien Ping, de Szechwan! Pode falar sobre suas batalhas de hoje, Srta.
Albright?
Do outro lado da linha vermelha acotovelava-se uma multidão de torcedores do aerojogo, a maioria deles com chapéus e jaquetas que traziam insígnias de esquadrões de caça, na maior parte chineses.
Degustavam o momento, olhando para os telões e saboreando a oportunidade de ver ali Linda Albright em carne e osso. Como era bom vê-la, aquela celebridade! Sob sua imagem nos telões surgiu o nome LINDA ALBRIGHT, uma fileira de notas, em geral 9,8 e 9,9, mais uma fileira de caracteres chineses. A multidão silenciou.
— O honorável Xiao conta-se entre os mais valentes jogadores que ornamentam os céus do mundo — disse ela, enquanto suas palavras eram traduzidas através de alto-falantes. — Estendo minha mão em respeito à coragem e à perícia desse grande piloto! Os Estados Unidos da América se sentirão muito honrados se uma pessoa humilde como eu conquistar o direito de defrontar-se com ele novamente nos céus de nosso belo país.
Ser uma estrela do aerojogo exigia mais que saber o momento exato de apertar o gatilho. A multidão delirou.
O entrevistador levou a mão ao fone no ouvido, fez um sinal com a cabeça.
— Muito obrigado, Srta. Albright. Estamos gratos por sua visita ao Estádio Três, esperamos que se divirta durante sua visita à nossa cidade e desejamos-lhe boa sorte na continuação desses jogos internacionais! — Virou-se para a câmara. — Passamos agora para Zuan Kai Lee, que se acha num avião na zona quatro, onde se desenrola neste momento uma importante batalha…
Os telões focalizaram uma vista aérea, três caças chineses que procuravam interceptar oito americanos. Ou os três tinham autoconfiança infinita ou estavam desesperados em busca de pontos e glória, mas assistir àquela demonstração de coragem era uma coisa magnetizadora. Todos os olhos se voltaram para a ação no momento em que ela teve início, e o estádio calou-se.
A batalha era transmitida de câmaras instaladas em cada um dos 11 caças, e ainda por aviões da rede de televisão. O diretor de televisão dispunha de uma dúzia de imagens, à sua escolha. E mais outras viriam.
Da pista subiram num ronco ensurdecedor duas esquadrilhas de quatro caças chineses, apressando-se para participar da batalha, modificar a perspectiva de derrota antes que o embate da zona quatro se tornasse apenas parte da história desportiva.
Linda Albright desafivelou as correias do ombro e desceu do avião, muito garbosa num traje de seda cor de fogo, justo como uma malha de bailarina. Vestia uma jaqueta de cetim azul com estrelas brancas, com um lenço listrado de vermelho e branco.
Esperamos enquanto um jornalista gravava com ela uma entrevista de dez minutos. Seu treinamento decerto compreendera aulas de tato e cortesia, tanto quanto de acrobacias e manejo de armas.
Para cada pergunta, tinha uma resposta inesperada, ao mesmo tempo modesta e segura. Quando chegou ao fim da entrevista, uma verdadeira multidão pressionava-a com outras perguntas, estendia-lhe programas do torneio em chinês, no qual aparecia uma foto dela em página inteira, pedindo autógrafos. Linda assinou o nome várias vezes antes de sair dali.
— Se é isso que acontece quando ela perde num país estrangeiro — comentou Leslie —, como será quando vence em sua própria terra?
A polícia ajudou-a a abrir caminho até uma limusine, e meia hora depois estávamos a sós e em tranqüilidade. O estádio-aeroporto aparecia emoldurado numa das janelas da suíte de cobertura do hotel, a cidade e o rio em outra. Era uma cidade muito parecida com a imagem que fazíamos de Xangai, porém maior, mais alta e mais moderna. A televisão mostrava cenas das disputas do aerojogo daquele dia, e fazia comentários.
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