Linda Albright mexeu no console de controles, desligando a televisão, e caiu no sofá.
— Que dia!
— Como foi que aconteceu? — perguntou Leslie. — O que a fez…
— Quebrei minhas próprias regras — respondeu a Leslie alternativa. — Viaje sempre atrás! Xiao é um magnífico piloto, poderíamos ter tido uma batalha maravilhosa, mas…
— Não — disse minha mulher. — O que eu queria saber era outra coisa. Como foi que os jogos começaram? E por quê? O que significam?
— Vocês são de outra época, certo? — disse a pilota. — Alguma utopia onde não há competição, não c? Um mundo sem guerra? Muito monótono!
— Não somos de um mundo sem guerras — respondi —, e ele não é monótono, é estúpido. Morreram milhares de pessoas, milhões.
A política nos assusta, as religiões causam guerras…
Ela afofou uma almofada atrás da cabeça.
— Milhares de nós morremos, também — disse, chateada. — Quantas vezes pensa que já fui morta em minha carreira? Não muitas depois que me profissionalizei (bato na madeira!), mas dias como o de hoje de vez em quando acontecem. Em 1980, toda a equipe americana aérea foi abatida… a equipe inteira, durante três dias seguidos! Sem cobertura aérea durante três dias, podem imaginar o que aconteceu na parte terrestre e naval! Os poloneses e os romenos… Bem… — Linda levantou as mãos, balançando a cabeça. — Não havia como detê-los, varreram-nos da competição internacional. Três divisões. Isso significa trezentos mil competidores! Riscaram do mapa toda a equipe americana. Zero!
Referir-se ao episódio pareceu minorar sua fúria com o que tinha acontecido naquele dia.
— Não que estivéssemos sozinhos na derrota — continuou. — Os poloneses aniquilaram a União Soviética, acabaram com o Japão e Israel. Quando, por fim, derrotaram o Canadá e ganharam o troféu de ouro, podem imaginar o que houve. Os poloneses enlouqueceram, o país inteiro entrou em delírio. Chegaram a comprar um canal próprio só para comemorar! — Narrando tudo isso, ela parecia orgulhosa, por algum motivo.
— Você não compreende — disse Leslie. — Nossas guerras não são jogos. Não matamos os competidores apenas no papel. Em nossas guerras, as pessoas morrem de verdade!
O ânimo dela abateu-se.
— Nas nossas também isso acontece, de vez em quando. No aerojogo ocorrem colisões aéreas. Ainda no ano passado, os ingleses perderam um navio nos jogos navais, durante uma tempestade. O navio e toda a tripulação. E os jogos terrestres são os piores, pois utilizam máquinas velozes em terreno difícil. Se quer minha opinião, quando estão sendo televisados demonstram mais coragem do que bom senso. Mas sempre haverá acidentes mesmo.
— Não entende o que Leslie disse? — perguntei. — Não estamos falando de jogos. Na vida real, as coisas se tomam mortalmente sérias para nós.
— Ora, para nós também são sérias na vida real — insistiu ela.
— Temos agora o caso da estação marciana com os soviéticos, no próximo ano haverá a missão de Alfa do Centauro, praticamente todos os cientistas do mundo estão envolvidos com ela. Enquanto houver nações, enquanto todos estiverem tentando realizar alguma coisa, a vida será perigosa e mortalmente séria! Mas, afinal de contas, uma atividade na qual estão envolvidos muitos trilhões de dólares não vai parar por causa de alguns acidentes.
— Não há mesmo jeito de fazer você entender, não é? — retrucou Leslie. — Não nos referimos a acidentes, nem a jogos ou competições. Estamos falando de assassinatos deliberados, premeditados, por atacado.
Linda sentou-se e olhou para nós, estupefata.
— Meu Deus! — exclamou, de repente. — Você se refere à guerra! — A idéia era tão absurda que ela nem pensara na possibilidade.
De um instante para outro, mostrou-se compadecida, preocupada.
— Ah, desculpem. Nunca imaginei… Nós também tivemos guerras, faz muito tempo. Guerras mundiais, até entendermos que a seguinte significaria o fim de todos nós.
— O que vocês fizeram? Como pararam?
— Não paramos. Nós mudamos. — Linda sorriu, lembrando-se.
— Foram os japoneses que começaram tudo, vendendo carros. Há trinta anos, a Matsumota começou a participar de corridas aéreas nos Estados Unidos… Num golpe de publicidade, instalaram o motor dos carros Sundai num avião de corridas. Colocaram microcâmaras nas asas do avião, para as corridas aéreas nacionais, fizeram algumas excelentes tomadas e as transformaram nos primeiros anúncios do Sundai Drive. Ninguém tomou conhecimento de que eles terminaram em quarto lugar, e as vendas do Sundai dispararam.
— Isso transformou o mundo?
— Aos poucos, sim. Logo depois disso, Gordon Bremer, o promotor de espetáculos aéreos, teve a idéia de instalar microcâmaras de televisão e canhões computadorizados em aviões, redigiu as regras e ofereceu grandes prêmios a pilotos de combate. A coisa virou um programa local durante cerca de um mês, mas de repente o combate aéreo virou um esporte de grande audiência, uma coisa que nunca se viu. É um jogo de equipe, que reúne toda a estratégia do caratê, do xadrez, da esgrima e do futebol americano em três dimensões, muito veloz e barulhento, com toda a aparência de enorme perigo.
O que quer que atraíra Linda Albright para esse esporte ainda a fascinava. Não era de admirar que fosse uma campeã.
— Aquelas microcâmaras colocavam os torcedores bem dentro das carlingas, não havia nada igual! Era como se, toda semana, acontecesse o Kentucky Derby, as 500 milhas de Indíanápolis e o Superbowl num único espetáculo. Quando Bremer passou a transmitir o show em cadeia nacional, foi como se tivesse ateado fogo num rastilho. Em pouco tempo era o segundo esporte em audiência nos Estados Unidos, logo depois era o primeiro, e aí a coisa passou a ser televisada para o mundo inteiro. Um sucesso!
— Dinheiro — disse Leslie.
— Bote dinheiro nisso! Cidades compravam licenças para inscrever equipes de combate aéreo, depois surgiram equipes nacionais.
E não demorou muito para começarem as competições internacionais, uma espécie de olimpíada aérea, e foi quando as coisas realmente mudaram. Dois bilhões de televisores ligados durante sete dias, enquanto todos os países que dispunham de aviões combatiam feito loucos. Alguns países pagaram suas dívidas externas com a receita daquela primeira competição.
Ouvíamos fascinados.
— Não podem imaginar com que rapidez isso aconteceu. Cada cidade onde houvesse um aeroporto organizou sua equipe amadora, e daí a alguns anos garotos de favelas eram ídolos esportivos. Se você se considerasse rápido, vivo e corajoso, se estivesse interessado em ser uma estrela da televisão, ganhava mais dinheiro do que um presidente consegue imaginar.
“Enquanto isso”, prosseguiu Linda, “a Força Aérea estava perdendo seus melhores elementos. Assim que completavam seu tempo de serviço, os pilotos largavam a Força Aérea e aderiam ao jogo.
Evidentemente, ninguém se alistava mais. Quem deseja ser um oficial mal remunerado, obrigado a obedecer a disciplina militar em alguma base aérea nos cafundós do mundo, cercado sobretudo por homens, acumulando horas em simuladores que representam mais tensão e exames do que vôos, treinando em aviões enormes e perigosos, e ainda mais com a certeza de que será um dos primeiros a morrer quando começar uma guerra? Poucos!
Claro, pensei. Se houvesse equipes de demonstração aérea quando eu era garoto, uma oportunidade de voar com emoção e glória em outros aparelhos que não fossem os militares, o jovem Richard não se teria alistado na Força Aérea.
— Mas, se corre nisso tanto dinheiro assim, por que vocês estão utilizando aviões a pistão? — perguntei. — Estão voando aviões de, vamos ver, uns 600HP. Por que não usam jatos? Se a Força Aérea quisesse capitalizar…
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