A manhã passou rapidamente. Raios luminosos saltavam de diamantes para esmeraldas, e dali para rubis, ganhando fulgor a cada volta, cada novo ângulo.
Como tínhamos nos sentido solitários com nossas idéias esquisitas! E que prazer maravilhoso era nos sentirmos à vontade ao lado daquela família de estranhos!
— Não acha que Tink iria adorar isto, se ao menos ela pudesse conhecer aqui? — perguntou Leslie.
— Mas é claro que ela conhece aqui — sussurrei. — De onde teria vindo a idéia de Spring Hill?
— Ela não disse que era nossa fada das idéias, que ela é um outro nível de nós?
Toquei na mão de Leslie.
— Onde é que nós paramos e as pessoas que estão nesta sala começam, querida?
Eu mesmo não sabia. Em que ponto a mente e o espírito começam e terminam, onde é que o interesse começa e termina, quais são os limites da inteligência e da curiosidade?
Quantas vezes eu desejara que tivéssemos mais corpos! Apenas uns poucos mais, e poderíamos ir e ficar ao mesmo tempo.
Poderíamos viver placidamente no deserto, para assistir ao nascer pacífico do sol, para domesticar a fauna silvestre, para viver em comunhão com a terra; e ao mesmo tempo poderíamos ser parte da massa urbana, vendo filmes e produzindo-os, participando de conferências e pronunciando-as. Carecemos de corpos suficientes para encontrarmos pessoas a cada hora e ao mesmo tempo estarmos a sós, juntos, construir pontes e refúgios ao mesmo tempo, aprender todas as línguas, dominar todos os ofícios, estudar, exercitar e ensinar tudo que gostaríamos de fazer, trabalhar até cairmos de exaustão e não fazer absolutamente nada.
— …descobrimos que os cidadãos dessas nações forjam lealdades entre si mais fortes que a lealdade que têm para com seus países separados. Isso sem que algum dia se tenham encontrado pessoalmente ou mesmo esperem encontrar-se…
— Essas pessoas são nós em outros corpos! — murmurou Leslie. — Elas sempre desejaram pilotar hidraviões, e nós o fizemos para elas. Nós sempre desejamos conversar com os golfinhos, explorar nações eletrônicas e eles o estão fazendo para nós! As pessoas com os mesmos interesses não são estranhas, mesmo que nunca se tenham encontrado!
CHIP, CHIP, CHIP, CHIP, CHIP, CHIP, CHIP, CHIP, CHIP, CHIP, CHIP…
— …com os mesmos valores não são estranhos — disse o jovem, afastando-se do microfone —, mesmo que nunca se tenham conhecido!
Juntamo-nos aos rápidos aplausos, e a seguir começou a oradora seguinte, procurando expressar-se depressa para vencer o tempo.
— Assim como as menores unidades da matéria são energia pura — começou ela —, as menores unidades de energia são pensamento puro. Realizamos uma série de extraordinários experimentos que indicam que o que vemos a nosso redor pode ser, literalmente, uma construção de nosso pensamento. Descobrimos uma unidade, do tipo das partículas, à qual demos o nome de imajon…
Nossos cadernos de anotações estavam cheios de rabiscos; cada toque do timer representava um momento de frustração. Tanta coisa a ser dita, tanta coisa a aprender! Como era possível tantas idéias surpreendentes convergirem para um só local?
Poderíamos ser, todos que estamos nesta sala, pensei, uma só pessoa?
Percebi que Leslie olhava para mim e virei-me para ela.
— Realmente, temos uma coisa a partilhar com eles — disse ela.
— Poderemos viver em paz se não fizermos isso?
Sorri para ela.
— Minha querida cética..
— …e é da diversidade que advém essa notável unidade — continuou a oradora. — Notamos com freqüência que aquilo que imaginamos é exatamente o que encontramos…
Enquanto ela falava, levantei-me e fui até o quadro-negro central, peguei um pedaço de giz e escrevi, em letras de fôrma, no final da lista, o título daquilo que exporíamos em nossos quinze minutos.
UM.
Coloquei o giz no lugar e voltei para minha cadeira, ao lado de Leslie, e segurei-lhe a mão. O dia mal havia começado.