— Acho que alguém esteve aqui — sussurrou Hermione, apontando para o objeto.
— Isso pode ter acontecido quando a Ordem deixou a casa — murmurou Rony em resposta.
— Então, onde estão os feitiços que lançaram contra Snape? -perguntou Harry.
— Talvez só sejam ativados se ele aparecer, não? — arriscou Rony. Eles permaneceram juntos ainda no capacho da entrada, com as costas voltadas para a porta, receando entrar no resto da casa.
— Bem, não podemos ficar aqui para sempre — disse Harry, dando um passo à frente.
— Severo Snape?
A voz de Olho-Tonto sussurrou no escuro, fazendo os três se sobressaltarem.
— Não somos Snape! — Harry ainda pôde responder com a voz rouca, mas uma espécie de jato de ar frio foi lançada contra ele e sua língua enrolou para trás, impedindo-o de continuar. Antes que tivesse tempo de sentir a boca por dentro, no entanto, a língua tornou a desenrolar.
Os outros dois pareciam ter experimentado a mesma sensação desagradável. Rony engulhava; Hermione gaguejou:
— Deve t-ter s-sido o F-feitiço da Língua Presa que Olho-Tonto armou contra o Snape!
Cauteloso, Harry deu mais um passo à frente. Alguma coisa se mexeu nas sombras do fim do corredor, e, sem lhes dar tempo de falar, um vulto se ergueu do tapete, alto, cor de poeira e ameaçador. Hermione gritou e foi acompanhada pela sra. Black, pois as cortinas negras do retrato repentinamente se abriram; o vulto cinzento deslizou para eles, cada vez mais rápido, seus cabelos até a cintura e a barba esvoaçando às costas, o rosto fundo, descarnado, as órbitas vazias; horrivelmente familiar, pavorosamente mudado, ele ergueu um braço murcho e apontou-o para Harry.
— Não! — gritou o garoto, e, embora tivesse erguido a varinha, não lhe ocorreu nenhum feitiço. — Não, não fomos nós! Não o matamos...
A menção da palavra “matamos”, o vulto explodiu formando uma grande nuvem de poeira: tossindo, os olhos lacrimejando, Harry olhou para os lados e viu Hermione agachada junto à porta, cobrindo a cabeça com os braços, e Rony, trêmulo da cabeça aos pés, lhe dando palmadinhas desajeitadas no ombro e dizendo:
— Está tudo b-bem... já p-passou...
A poeira rodopiava em torno de Harry como uma névoa, refletindo a luz azulada do gás, enquanto a sra. Black continuava a berrar.
— Sangues-ruins, lixo, estigmas de desonra, manchas de vergonha sobre a casa dos meus pais...
— CALA A BOCA! — berrou Harry apontando a varinha para ela, e, com um estampido e um clarão de faíscas vermelhas, a cortina tornou a se fechar silenciando a mulher.
— Aquele... aquele era... — choramingou Hermione, enquanto Rony a ajudava a se levantar.
— Era — confirmou Harry —, mas não era realmente ele, era? Só uma coisa para apavorar o Snape.
Teria dado resultado, perguntou-se Harry, ou Snape teria explodido a aparição horripilante, displicentemente, como fizera com o verdadeiro Dumbledore? Os nervos ainda vibrando, ele saiu à frente dos amigos pelo corredor, à espera de que um novo terror se revelasse, mas nada se mexeu exceto um camundongo correndo pelo rodapé.
— Antes de prosseguir, acho melhor fazer uma verificação — cochichou Hermione e, erguendo a varinha, ordenou: — Homenum revelio!
Nada aconteceu.
— Bem, você acabou de levar um grande susto — disse Rony gentilmente. — Para que serviu esse feitiço?
— Serviu para o que eu queria que servisse! — respondeu Hermione, bastante zangada. — Era um feitiço para revelar presença humana, e não tem ninguém aqui exceto nós!
— E o velho Poeirão — acrescentou Rony, olhando para o lugar no tapete de onde saíra o espectro.
— Vamos subir — disse Hermione assustada, e, lançando um olhar para o mesmo ponto, subiu à frente a escada rangedeira para a sala de visitas no primeiro andar.
Ao chegar, acenou com a varinha para acender as velhas luminárias a gás. Então, estremecendo na sala ventosa, empoleirou-se no sofá com os braços apertados em volta do corpo. Rony foi à janela e afastou uns dois centímetros a pesada cortina de veludo.
— Não vejo ninguém lá fora — informou. — E eu diria que, se Harry ainda tivesse o rastreador, eles teriam nos seguido até aqui. Eu sei que não podem entrar na casa, mas... que foi, Harry?
O garoto soltara um grito de dor: sua cicatriz recomeçara a queimar ao mesmo tempo que algo lampejou por sua mente como uma luz forte incidindo sobre a água. Ele viu uma grande sombra e sentiu uma fúria que não era sua percorrer seu corpo, violenta e breve como um choque elétrico.
— Que foi que você viu? — perguntou Rony, avançando para o amigo. — Você o viu na minha casa?
— Não, eu só senti raiva, ele está realmente enraivecido...
— Mas isso poderia ser n’A Toca! — exclamou Rony em voz alta. — Que mais? Não viu mais nada? Ele estava amaldiçoando alguém?
— Não, eu só senti raiva... e não saberia dizer...
Harry se sentiu atormentado, confuso, e Hermione não ajudou muito ao perguntar amedrontada:
— A sua cicatriz novamente? Afinal, que está acontecendo? Pensei que essa ligação tivesse sido fechada!
— Fechou, por algum tempo — murmurou Harry; sua cicatriz ainda doía dificultando a concentração. — Acho que recomeçou a abrir, sempre que ele se descontrola, é como costumava...
— Então, você tem que fechar sua mente! — disse Hermione esganiçada. — Harry, Dumbledore não queria que você usasse essa ligação, queria que você a fechasse, é para isso que devia usar a Oclumência! Do contrário, Voldemort pode plantar falsas imagens em sua mente, lembra...
— Lembro, sim, obrigado — respondeu o garoto entre os dentes; não precisava que Hermione lhe dissesse que Voldemort já usara essa mesma ligação entre eles para atraí-lo a uma armadilha, nem que isso causara a morte de Sirius. Desejou que não tivesse contado aos amigos o que sentira e vira; isso tornara Voldemort mais ameaçador, como se ele estivesse forçando a janela da sala. A dor em sua cicatriz estava aumentando e ele a repelia: era como se resistisse ao impulso de enjoar.
Ele deu as costas a Rony e Hermione, fingindo examinar a velha tapeçaria com a árvore genealógica da família Black pendurada na parede. Então Hermione deu um grito agudo: Harry sacou a varinha e se virou, um Patrono prateado entrou pela janela da sala de visitas e aterrissou no chão diante deles, onde assumiu a forma de uma doninha e a voz do pai de Rony.
— Família a salvo, não responda, estamos sendo vigiados.
O Patrono se dissolveu no ar. Rony deixou escapar um som entre um choro e um gemido e se largou no sofá: Hermione sentou-se com ele, apertando seu braço.
— Eles estão bem, eles estão bem! — sussurrou ela, e Rony ao mesmo tempo ria e a abraçava.
— Harry — disse ele por cima do ombro de Hermione —, eu...
— Não tem problema — respondeu Harry nauseado de dor na cabeça. — É sua família, claro que está preocupado. Eu sentiria o mesmo. — Lembrou-se de Gina. — Eu sinto o mesmo.
A dor em sua cicatriz foi atingindo o auge, queimando como no jardim d’A Toca. Ao longe, ele ouviu Hermione dizer:
— Eu não quero ficar sozinha. Podemos usar os sacos de dormir que trouxemos e acampar aqui hoje à noite?
Ele ouviu Rony concordar. Não conseguiria resistir à dor por mais tempo: tinha que se entregar.
— Banheiro — murmurou e saiu da sala o mais depressa que pôde, sem correr.
Quase não chegou lá. Trancando a porta com as mãos trêmulas, ele agarrou a cabeça latejante e se largou no chão. Então, em uma explosão de agonia, sentiu a raiva que não lhe pertencia se apoderar de sua alma, viu uma sala comprida, iluminada apenas pela lareira, e o Comensal grandalhão e louro no chão, berrando e se contorcendo, e um vulto mais leve em pé ao lado dele, empunhando a varinha, e Harry falando com uma voz fria e cruel.
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