— Mais, Rowle, ou vamos encerrar logo e dar você para Nagini comer? Lord Voldemort não tem certeza se desta vez irá lhe perdoar... Foi para isso que me chamou, para me dizer que Harry Potter tornou a escapar? Draco, dê a Rowle mais uma amostra do nosso desagrado... faça isso ou sinta pessoalmente a minha ira!
Uma tora de madeira caiu na lareira: as chamas se avivaram, sua claridade bateu no rosto pálido, aterrorizado e fino... com a sensação de emergir de águas profundas, Harry arquejou várias vezes e abriu os olhos.
Estava estatelado no frio piso de mármore negro, seu nariz a centímetros de um dos rabos de serpente prateados que sustentavam a grande banheira. Sentou-se. O rosto magro e petrificado de Malfoy parecia gravado em sua retina. Harry se sentiu nauseado com a cena que vira, com o uso que Voldemort estava fazendo de Draco.
Houve uma forte batida na porta e Harry se sobressaltou ao ouvir a voz de Hermione.
— Harry, você quer a sua escova de dentes? Eu a trouxe.
— Quero, beleza, obrigado — disse ele, procurando manter a voz descontraída ao se levantar para deixar a amiga entrar.
Harry acordou na manhã seguinte, dentro de um saco de dormir no chão da sala de visitas. Viu uma lasca de céu entre as pesadas cortinas: era um azul frio e claro de tinta aguada, entre a noite e a alvorada, e tudo estava silencioso, exceto pela respiração lenta e profunda de Hermione e Rony. Harry olhou para as sombras escuras que eles projetavam no chão ao seu lado. Rony teve um acesso de galanteria e insistiu que Hermione dormisse sobre as almofadas do sofá, por isso a silhueta dela estava acima da dele. O braço da garota formava um arco até o chão, seus dedos a centímetros dos de Rony. Harry ficou imaginando se teriam adormecido de mãos dadas. A idéia fez com que se sentisse estranhamente solitário.
Ele ergueu os olhos para o teto sombreado, o lustre coberto de teias de aranha. A menos de vinte e quatro horas, estivera parado à entrada ensolarada de uma tenda, aguardando para conduzir os convidados do casamento aos seus lugares. Parecia que tinha sido em outra vida. Que iria acontecer agora? Deitado ali no chão, ele pensou nas Horcruxes, na missão assustadora e complexa que Dumbledore lhe deixara... Dumbledore...
O pesar que o possuíra desde a morte do diretor agora era diferente. As acusações que ouvira de Muriel na festa pareciam ter se aninhado em seu cérebro, como coisas doentias que infectavam suas lembranças do bruxo que idolatrava. Teria Dumbledore deixado aquelas coisas acontecerem? Teria agido como Duda, contente em observar o abandono e o abuso desde que não o afetassem? Poderia ter dado as costas a uma irmã que estava presa e escondida?
Harry pensou em Godric’s Hollow, nos túmulos que Dumbledore jamais mencionara; pensou nos objetos misteriosos deixados, sem explicação, no testamento do diretor, e o seu ressentimento cresceu na obscuridade. Por que Dumbledore não lhe contara? Por que não lhe explicara? Teria tido real afeição por ele? Ou Harry tinha sido apenas um instrumento a ser polido e afinado, sem, no entanto, merecer confiança ou confidências?
O garoto não suportou ficar deitado ali, tendo por companhia apenas seus pensamentos amargurados. Desesperado para arranjar o que fazer e se distrair, deslizou para fora do saco de dormir, apanhou a varinha e saiu furtivamente da sala. No corredor, sussurrou: “ Lumus ”, e começou a subir a escada à luz da varinha.
No segundo patamar ficava o quarto em que ele e Rony tinham dormido na última vez que estiveram na casa; ele espiou para dentro. As portas dos guarda-roupas estavam abertas e as roupas de cama tinham sido arrancadas. Harry se lembrou da perna de trasgo caída no chão da entrada. Alguém revistara a casa desde que a Ordem a deixara. Snape? Ou talvez Mundungo, que afanara muita coisa antes e depois da morte de Sirius? O olhar de Harry vagueou até o porta-retratos onde por vezes aparecia Fineus Nigellus Black, o tetravô de Sirius, mas estava vazio, exibia apenas um pedaço de forro encardido. Era evidente que Fineus Nigellus estava passando a noite no gabinete do diretor de Hogwarts.
Harry continuou a subir a escada até o último patamar onde havia apenas duas portas. A que estava à sua frente tinha uma plaquinha em que se lia Sirius . O garoto jamais entrara no quarto do padrinho. Ele empurrou a porta, erguendo a varinha no alto para poder iluminar a maior área possível.
O quarto era espaçoso e, antigamente, devia ter sido bonito. Havia uma larga cama com a cabeceira de madeira entalhada, uma janela alta sombreada por compridas cortinas de veludo e um lustre coberto por uma espessa camada de pó, com tocos de velas ainda nos suportes, a cera grossa pendendo como pingos de gelo. Uma fina película de poeira cobria os quadros nas paredes e a cabeceira da cama; uma teia de aranha se estendia do lustre ao topo do grande guarda-roupa, e, quando Harry entrou no quarto, ouviu o tropel de camundongos assustados.
O adolescente Sirius tinha colado nas paredes tantos pôsteres e fotos que deixara visível muito pouco da seda cinza-prateado que a forrava. Harry só pôde supor que os pais de Sirius não tinham conseguido remover o Feitiço Adesivo Permanente que os mantinha colados à parede, porque dificilmente eles teriam apreciado o gosto do filho mais velho em matéria de decoração. Sirius parecia ter saído do caminho para aborrecer os pais. Havia uma coleção de grandes flâmulas da Grifinória, vermelho desbotado e ouro, somente para enfatizar como ele era diferente do resto da família Sonserina. Havia muitas fotos de motos trouxas e também (Harry tinha que admirar a coragem de Sirius) vários pôsteres de garotas trouxas de biquíni; Harry sabia que eram trouxas porque não se mexiam nas fotos, seus sorrisos eram desbotados e os olhos vidrados pareciam congelados no papel. Faziam um contraste com a única foto bruxa que havia nas paredes, a de quatro alunos de Hogwarts em pé, de braços dados, rindo para o fotógrafo.
Com um assomo de prazer, Harry reconheceu seu pai; com cabelos rebeldes no alto da cabeça como os dele, também usava óculos como ele. Ao lado, estava Sirius displicentemente bonito, seu rosto, ligeiramente arrogante, muito mais jovem e feliz do que Harry jamais o vira em vida. A direita de Sirius, estava Pettigrew, mais de uma cabeça mais baixo, gorducho, os olhos aguados, radiante de prazer por ser incluído em uma turma tão legal, com os rebeldes muito admirados que tinham sido Tiago e Sirius. A esquerda de Tiago estava Lupin, mesmo então malvestido, mas com o mesmo ar de prazerosa surpresa por se ver apreciado e incluído... ou seria simplesmente porque Harry sabia o que acontecera, que ele via tudo isso na foto? Tentou destacá-la da parede; afinal, agora lhe pertencia — Sirius lhe deixara tudo —, mas a foto não soltou. Seu padrinho não correra riscos para impedir que os pais redecorassem o seu quarto.
Harry olhou para o chão. O céu lá fora estava clareando: um raio de luz revelou pedacinhos de papel, livros e pequenos objetos espalhados pelo tapete. Era evidente que o quarto de Sirius também fora revistado, embora desse a impressão de que seu conteúdo fora considerado quase todo, se não todo, imprestável. Alguns dos livros tinham sido sacudidos o suficiente para soltarem as capas, e o chão estava juncado de páginas soltas.
Harry se abaixou, apanhou uns pedaços de papel e examinou-os. Reconheceu um deles como parte de uma velha edição de História da magia , de Batilda Bagshot, e outro como uma página de um manual de manutenção de motos. O terceiro estava escrito a mão e amassado: alisou-o.
Caro Almofadinhas,
Muito, muito obrigada pelo presente de aniversário que mandou para Harry! Foi o que ele mais gostou até agora. Um aninho de idade e já dispara pela casa montado em uma vassoura de brinquedo, tão vaidoso que estou enviando uma foto para você ver. Sabe, a vassoura só levanta uns sessenta centímetros do chão, mas ele quase matou o gato e quebrou um vaso horrível que Petúnia me mandou no Natal (nada contra). E claro que Tiago achou muito engraçado, diz que ele vai ser um grande jogador de quadribol, mas tivemos que guardar todos os enfeites da casa e dar um jeito de ficar sempre de olho nele quando brinca.
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