— É claro que entendo por que isso o perturbou, Harry...
— Não estou perturbado — mentiu. — Eu só gostaria de saber se é ou não verdade ou...
— Harry, você acha mesmo que vai chegar à verdade ouvindo fofocas maliciosas de uma velhota como a Muriel, ou de Rita Skeeter? Como pode acreditar nelas? Você conheceu Dumbledore!
— Pensei que conhecia — murmurou o garoto.
— Mas você sabe o quanto havia de verdade em tudo que a Rita escreveu sobre você! Doge está certo, como pode deixar essa gente macular as lembranças que você tem de Dumbledore?
Harry desviou o olhar, tentando não revelar o rancor que sentia. Ali estava outra vez o impasse: escolher no que acreditar. Ele queria a verdade. Por que estavam todos tão decididos a convencê-lo de que não devia procurá-la?
— Vamos descer para a cozinha? — sugeriu Hermione após uma breve pausa. — Arranjar alguma coisa para comer?
Ele concordou, mas de má vontade, e seguiu-a ao corredor onde passaram em frente a uma segunda porta. Harry notou que havia fundos arranhões na tinta sob um pequeno aviso que tinha passado despercebido no escuro. Parou, então, no alto da escada para lê-lo. Era um aviso breve e pomposo, caprichosamente escrito à mão, o tipo de coisa que Percy Weasley poderia ter colado na porta do próprio quarto.
Não entre
sem a expressa permissão de
Régulo Arturo Black
A agitação foi se infiltrando em Harry, mas ele não teve imediatamente certeza do porquê. Tornou a ler o aviso. Hermione já estava um lance de escada abaixo.
— Hermione — disse ele, surpreso que sua voz estivesse tão calma. — Volta aqui em cima.
— Que foi?
— R.A.B. Acho que o encontrei.
Ouviu-se uma exclamação, e Hermione correu escada acima.
— Na carta de sua mãe? Mas não vi...
Harry balançou a cabeça, apontando para o aviso na porta de Regulo. A garota leu-o e apertou o braço de Harry com tanta força que ele fez uma careta de dor.
— O irmão de Sirius? — sussurrou.
— Ele foi um Comensal da Morte, Sirius me contou a história dele, Regulo se alistou quando ainda era muito moço e depois se acovardou e tentou sair; então, eles o mataram.
— Isso faz sentido! — exclamou Hermione. — Se ele foi um Comensal da Morte, teve acesso a Voldemort, e quando se desencantou deve ter querido derrubar Voldemort!
Ela largou Harry, debruçou-se no corrimão da escada e berrou:
— Rony! RONY! Vem aqui em cima, depressa!
O garoto apareceu, ofegante, um minuto depois, empunhando a varinha.
— Que aconteceu? Se é outro ataque maciço de aranhas, eu quero o meu café da manhã antes de...
Ele franziu a testa ao ver o aviso na porta do quarto, para o qual Hermione apontava silenciosamente.
— Quê? Esse era o irmão de Sirius, não era? Régulo Arturo... Régulo... R. A. B ! O medalhão... você acha... ?
— Vamos descobrir — disse Harry. Ele empurrou a porta; estava trancada à chave. Hermione apontou a varinha para a maçaneta e disse: — Alorromora ! — Ouviu-se um clique e a porta abriu.
Eles cruzaram o portal juntos, olhando para os lados. O quarto de Régulo era ligeiramente menor que o de Sirius, embora transmitisse a mesma sensação de antigo esplendor. Enquanto o irmão tinha procurado anunciar sua dessemelhança com o resto da família, Régulo tinha se esforçado para ressaltar o oposto. As cores da Sonserina, verde e prata estavam por toda parte, guarnecendo a cama, as paredes e janelas. O brasão da família Black fora laboriosamente pintado por cima da cama com a divisa Toujours Pur . Abaixo uma coleção de recortes de jornal, presos uns aos outros formando uma colagem irregular. Hermione atravessou o quarto para examiná-los.
— São todos sobre Voldemort — disse ela. — Pelo visto, Régulo já era fã dele anos antes de se reunir aos Comensais da Morte...
Uma nuvenzinha de pó se ergueu da colcha da cama quando Hermione se sentou para ler os recortes. Nesse intervalo, Harry tinha reparado em uma foto: um time de quadribol de Hogwarts sorria e acenava do espaço emoldurado. Ele se aproximou mais um pouco e viu as serpentes nos brasões no peito dos garotos: Sonserinos. Régulo era instantaneamente reconhecível como o garoto que estava sentado no centro da primeira fileira: tinha os mesmos cabelos escuros e o ar ligeiramente arrogante do irmão, embora fosse menor, mais franzino e menos bonito do que Sirius.
— Ele jogava na posição de apanhador — comentou Harry.
— Quê?! — exclamou Hermione distraída; ela continuava absorta nos recortes sobre Voldemort.
— Ele está sentado no centro da primeira fila, é onde o apanhador... ah, esquece — falou Harry ao perceber que ninguém lhe prestava atenção; Rony estava de quatro procurando alguma coisa embaixo do armário. Harry olhou ao seu redor, procurando esconderijos prováveis, e se aproximou da escrivaninha. Mais uma vez, alguém já a revistara. O conteúdo das gavetas tinha sido revirado recentemente, a poeira deslocada, mas não havia nada de valor ali: penas velhas, livros de escola antiquados que exibiam os vestígios dos maus-tratos, um tinteiro recentemente quebrado, seu resíduo pegajoso derramado sobre os objetos na gaveta.
— Há um jeito mais fácil — disse Hermione, enquanto Harry limpava os dedos sujos de tinta no jeans. Ela ergueu a varinha e ordenou: — Accio medalhão !
Nada aconteceu. Rony, que estivera procurando nas dobras das cortinas desbotadas, pareceu desapontado.
— Então é isso? Não está aqui?
— Ah, poderia até estar aqui, mas protegido por contrafeitiços — respondeu a garota. — Feitiços para impedir que se possa convocá-lo por magia, entende.
— Como o que Voldemort lançou na bacia de pedra na caverna -afirmou Harry, lembrando que não conseguira convocar o falso medalhão.
— Como vamos encontrá-lo, então? — perguntou Rony.
— Procurando com as mãos — respondeu Hermione.
— É uma boa idéia — disse Rony, virando os olhos para o teto e retomando o exame das cortinas. Eles verificaram cada centímetro do quarto durante mais de uma hora, mas foram forçados a concluir que o medalhão não estava ali.
Agora o sol já nascera; a luz os ofuscava mesmo através das cortinas sujas dos corredores.
— Mas poderia estar em qualquer outro lugar da casa — sugeriu Hermione, em um tom de convocação, ao descerem as escadas. Enquanto os dois garotos tinham ficado mais desanimados, ela ficara mais decidida. — Quer ele tenha conseguido ou não destruir o medalhão, iria querer escondê-lo de Voldemort, não acham? Lembram aquelas lixarias todas de que precisamos nos livrar quando estivemos aqui na última vez? Aquele relógio que lançava raios e aquelas vestes velhas que tentaram estrangular Rony; Régulo talvez as tivesse posto lá para proteger o esconderijo do medalhão, ainda que a gente não tenha entendido à... à...
Harry e Rony olharam para Hermione. Ela estava parada com um pé no ar e a expressão abobada de alguém que acabou de ser obliviado; seus olhos tinham até saído de foco.
— ... a época — terminou ela em um sussurro.
— Algum problema? — perguntou Rony.
— Havia um medalhão.
— Quê?! — exclamaram os dois garotos ao mesmo tempo.
— No armário da sala de visitas. Ninguém conseguiu abri-lo. E nós... nós...
Harry teve a sensação de que um tijolo tinha escorregado do seu peito para o estômago. Lembrou-se: tinha até manuseado o objeto quando passou de mão em mão, todos experimentando abri-lo. Por fim, fora atirado em um saco de lixo, junto com a caixa de pó de verrugueira e a caixa de música que deixou todo mundo com sono...
— Monstro pegou montes dessas coisas escondido de nós — disse Harry. Era a única chance, a única e tênue esperança que lhes restava, e o garoto ia se apegar a ela até que fosse forçado a abandoná-la. — Ele tinha um verdadeiro tesouro escondido no armário da cozinha. Vamos.
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