— Os bruxos abortados normalmente iam para escolas de trouxas e eram incentivados a se integrarem na comunidade trouxa... muito mais caridoso do que tentar encontrar um lugar para eles no mundo bruxo, onde seriam sempre considerados inferiores; mas naturalmente Kendra Dumbledore não sonharia em deixar a filha freqüentar uma escola trouxa.
— Ariana era delicada! — argumentou Doge desesperado. — A saúde dela sempre foi precária demais para lhe permitir...
— Permitir sair de casa? — cacarejou Muriel. — No entanto, ela jamais foi levada ao St. Mungus e nenhum curandeiro jamais foi chamado para atendê-la!
— Francamente, Muriel, como é possível você saber se...
— Para sua informação, Elifas, meu primo Lancelote era curandeiro no St. Mungus naquela época e contou à minha família, em confiança, que Ariana nunca fora vista por lá. Tudo muito suspeito, era o que o Lancelote pensava!
Doge parecia à beira das lágrimas. Tia Muriel, que parecia estar se divertindo imensamente, estalou os dedos para que lhe trouxessem mais champanhe. Sem sentir, Harry pensou nos Dursley e como, no passado, o tinham calado, trancado e mantido fora de vista, tudo pelo crime de ser bruxo. A irmã de Dumbledore teria sofrido o reverso do mesmo destino? Presa por lhe faltar magia? E Dumbledore teria realmente deixado a irmã entregue à própria sorte enquanto partia para Hogwarts, para provar sua genialidade e talento?
— Agora, se Kendra não tivesse morrido primeiro — retomou Muriel —, eu diria que foi ela quem liquidou Ariana...
— Como pode dizer isso, Muriel? — gemeu Doge. — Uma mãe matar a própria filha? Pense no que está dizendo!
— Se a mãe em questão fosse capaz de manter a filha presa durante anos, por que não? — retrucou Muriel sacudindo os ombros. -Mas, como digo, a história não se encaixa, porque Kendra morreu antes de Ariana, portanto, ninguém jamais soube direito...
— Ah, com certeza Ariana assassinou a mãe — replicou Doge, tentando corajosamente desdenhar. — Por que não?
— É, Ariana talvez tenha feito uma desesperada tentativa para se libertar e, no esforço, matou Kendra — concluiu tia Muriel, pensativa. — Pode balançar a cabeça o quanto quiser, Elifas! Você esteve nos funerais de Ariana, não esteve?
— Estive — confirmou Doge, com os lábios trêmulos. — E não me lembro de ocasião mais desesperadamente triste. Alvo estava com o coração despedaçado...
— E não era só o coração. Aberforth não quebrou o nariz de Dumbledore durante a encomendação do corpo?
Se Doge parecera horrorizado antes, não se comparava ao que demonstrava agora. Era como se Muriel o tivesse esfaqueado. A bruxa riu alto e tomou mais um gole de champanhe, que escorreu pelo seu queixo.
— Como você...?! — exclamou Doge rouco.
— Minha mãe era amiga da velha Batilda Bagshot — disse ela, alegre. — Batilda contou tudo a minha mãe, e eu ouvi atrás da porta. Uma briga ao lado do caixão. Pelo que Batilda descreveu, Aberforth gritou que era culpa de Alvo que Ariana tivesse morrido e, em seguida, deu-lhe um murro na cara. Ela contou ainda que Alvo nem sequer se defendeu, o que é estranho, porque poderia ter acabado com o irmão em um duelo com as mãos amarradas nas costas.
Muriel continuou bebendo champanhe. A enumeração desses velhos escândalos parecia animá-la tanto quanto horrorizava Doge. Harry não sabia o que pensar, em que acreditar: queria a verdade, contudo, Doge não reagia, apenas balia debilmente que Ariana adoecera. Harry não conseguia acreditar que Dumbledore não tivesse intervindo se estivesse ocorrendo uma crueldade daquelas em sua própria casa, mas, sem dúvida, havia alguma coisa estranha na história toda.
— E vou lhe dizer mais — continuou Muriel, com um leve soluço, baixando sua taça. — Acho que Batilda deu com a língua nos dentes para Rita Skeeter. Aquelas insinuações que ela fez na entrevista sobre uma importante fonte chegada aos Dumbledore... todos sabem que Batilda presenciou o que aconteceu com Ariana, e se encaixaria perfeitamente!
— Batilda jamais falaria com Rita Skeeter! — murmurou Doge.
— Batilda Bagshot? — indagou Harry. — A autora de História da magia ?
O nome estava impresso na capa de um de seus livros de escola, embora o garoto reconhecesse que não era um dos que ele tivesse lido com muita atenção.
— É — confirmou Doge, agarrando-se à pergunta de Harry como um afogado se agarra a uma bóia. — Uma talentosa historiadora da magia e uma velha amiga de Alvo.
— E ultimamente bem gagá, segundo ouvi dizer — acrescentou tia Muriel animada.
— Se isso é verdade, foi ainda mais desonroso Skeeter ter se aproveitado dela — disse Doge —, e ninguém pode confiar em nada que Batilda possa ter dito!
— Há maneiras de se recuperar lembranças, e tenho certeza de que Rita Skeeter conhece todas. Mas, mesmo que Batilda esteja completamente lelé, tenho certeza de que ainda guarda velhas fotos e talvez até cartas. Conheceu os Dumbledore durante anos... o que valeria uma viagem a Godric’s Hollow, na minha opinião.
Harry, que estivera bebericando sua cerveja amanteigada, se engasgou. Doge deu-lhe palmadas nas costas enquanto o garoto tossia, olhando para tia Muriel com os olhos cheios de lágrimas. Quando recuperou a voz, perguntou:
— Batilda Bagshot mora em Godric’s Hollow?
— Ah, sim, há uma eternidade! Os Dumbledore se mudaram para lá depois que Percival foi preso, e ela foi vizinha da família.
— Os Dumbledore moraram em Godric’s Hollow?
— Sim, Barry, foi o que acabei de dizer — respondeu tia Muriel irritada.
Harry se sentiu esgotado, vazio. Nem uma vez, naqueles seis anos, Dumbledore lhe contara que os dois tinham morado e perdido familiares queridos em Godric’s Hollow. Por quê? Seus pais teriam sido enterrados perto da mãe e da irmã de Dumbledore? Dumbledore teria visitado seus túmulos e, talvez, passado pelos de Lílian e Tiago a caminho? E jamais contara a Harry... jamais se preocupara em dizer...
E por que era tão importante, Harry não sabia explicar nem para si mesmo, contudo sentia que equivalia a uma mentira não ter mencionado que tinham aquele lugar e aquelas experiências em comum. O garoto ficou olhando duro em frente, mal notando o que estava acontecendo ao seu redor, e não percebeu que Hermione se destacara da multidão de convidados, até ela puxar uma cadeira e sentar ao seu lado.
— Simplesmente não consigo dançar mais — ofegou, tirando um dos sapatos e esfregando a sola de um pé. — Rony foi buscar mais cerveja amanteigada. Que coisa estranha, acabei de ver Vítor se afastando enfurecido do pai de Luna, parecia que estiveram discutindo... — Ela baixou a voz, olhando-o. — Harry, você está bem?
O garoto não sabia por onde começar, mas não fez diferença. Naquele momento, algo volumoso e prateado atravessou o toldo sobre a pista de dança. Gracioso e reluzente, o lince aterrissou com leveza entre os espantados convidados. Cabeças se viraram, e as pessoas que estavam mais próximas congelaram absurdamente em meio a passos de dança. Então a boca do Patrono se abriu desmesuradamente e ele anunciou na voz alta, grave e lenta de Kingsley Shacklebolt:
— O Ministério caiu. Scrimgeour está morto. Eles estão vindo.
A cena pareceu imprecisa e lenta. Harry e Hermione saltaram das cadeiras e empunharam suas varinhas. Muita gente começava apenas a entender que algo estranho acontecera; as cabeças se mantinham voltadas para o lince prateado enquanto ele sumia no ar. O silêncio se propagou em ondas frias desde o ponto em que o Patrono aterrissara. Então alguém gritou.
Harry e Hermione se precipitaram para a multidão em pânico. Os convidados disparavam em todas as direções; muitos estavam desaparatando; os feitiços que protegiam A Toca e seus arredores tinham sido anulados.
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