– Ah, é uma satisfação falar com entendidos – disse Coombs, sorrindo ainda mais.
– Pode nos dar uma data aproximada? – teimei, lembrando-me dos seis mil dólares investidos em Rêve de Minuit. – Duas semanas, três semanas, um mês?
– Não gosto que me ponham a corda no pescoço – falou Coombs, sacudindo novamente a cabeça. – Não gosto de alimentar as esperanças de um proprietário para depois ter que desapontá-lo.
– Mesmo assim, o senhor podia fazer um cálculo – insisti.
Coombs olhou fixo para mim, seus olhinhos cinzentos, cercados por milhares de rugas, de repente gelados.
– É, eu podia fazer um cálculo. Mas não vou. Ele é que vai me dizer quando estiver pronto para correr. – Sorriu jovialmente, o gelo em seus olhos derretendo-se. – Bem, acho que já vimos bastante por hoje, não acham? Agora, vamos tomar um bom café, senhora… – E ofereceu galantemente o braço a Lily.
– Você precisa ter cuidado com esses sujeitos, Douglas – disse-me Fabian em voz baixa, enquanto seguíamos Coombs e Lily por um atalho na floresta. – Eles são muito sensíveis. Este é um dos melhores que há. É uma sorte tê-lo conseguido. Você tem que deixá-los marcar as datas.
– Mas o cavalo é nosso, não é? Os seis mil são nossos.
– Eu não falaria assim onde ele me pudesse ouvir. Ah, que belo dia vai fazer! – Estávamos saindo da floresta e o sol rompia através da neblina, brilhando no pêlo dos cavalos, que voltavam a passo para as baias. – Tudo isto não lhe faz bem? – disse Fabian, abrindo os braços num gesto largo. – Esta linda paisagem, este sol matinal, estes belos e delicados animais…
– Delicados uma ova! – observei, grosseiramente.
– Estou muito otimista – disse Fabian. – Vou até arriscar uma previsão. Ainda vamos fazer nome nas pistas. E não apenas com um potro de seis mil dólares. Espere, que você ainda acabará vindo a Chantilly ver vinte cavalos seus treinando. Ainda acabará sentado nas sociais em Longchamp vendo as suas cores ganharem corridas… Espere só…
– Vou esperar – retruquei, sombrio. Mas, embora não quisesse demonstrar, também eu me sentia atraído por aquele lugar, pelos cavalos e pelo velho treinador. Não tinha o mesmo entusiasmo maníaco de Fabian, mas sentia-me tocado pela força do seu sonho.
Se especular com ouro e arriscar enormes quantias em loucos filmes pornográficos escritos por um iraniano e estrelados por uma ninfômana oriunda do centro-oeste americano e estudante de literatura comparada na Sorbonne pudessem garantir trinta manhãs por ano como aquela, eu de bom grado obedeceria a Fabian. Por fim, o dinheiro que eu roubara resultará em algo de concretamente bom. Respirei profundamente o ar puro e frio do campo antes de entrar para tomar o café da manhã na comprida mesa da sala de jantar dos Coombs, cujas paredes e prateleiras estavam tranqüilizadoramente cobertas de taças e placas que a sua coudelaria recebera através dos anos. O velho serviu-nos uma generosa dose de Calvados antes de nos sentarmos à mesa com sua gorda e rosada esposa, e oito ou nove jóqueis e cavalariços. O aroma do café e do bacon mesclava-se ao cheiro de arreios e botas. Era o mundo mais simples e saudável que eu jamais pudera imaginar que ainda existia, e quando Coombs me piscou o olho do outro lado da mesa e me disse: "Ele é que vai me dizer quando estiver com vontade de correr", eu pisquei também e ergui a minha caneca de café à saúde do velho treinador.
– Acho que está na hora de pensarmos em dar um pulo até a Itália – disse Fabian. – 0 que você acha da Itália, querida?
– Adoro – respondeu Lily.
Estávamos num restaurante chamado Château Madrid, no alto de um penhasco sobre o Mediterrâneo. As luzes de Nice e das localidades costeiras, lá embaixo, piscavam à luz lilás do anoitecer. Estávamos tomando champanha, enquanto esperávamos que nos trouxessem o jantar. Tínhamos também bebido uma quantidade considerável de champanha no train bleu em que viéramos de Paris, na noite anterior. Eu estava começando a gostar do Moèt et Chandon. O velho Coombs viera conosco no trem e passara em nossa companhia quase toda a tarde. Após mais de duas semanas de exercícios, Rêve de Minuit dissera finalmente ao treinador que estava pronto para correr. E como correra! Ganhara por pescoço, nessa tarde, no quarto páreo das corridas de Cagnes, um hipódromo nos arredores de Nice. O prêmio fora de cem mil francos, quase vinte mil dólares. Jack Coombs correspondera à sua fama de saber escolher as corridas. Infelizmente, tivera de voar de volta a Paris logo após o páreo, privando-nos do prazer da sua companhia ao jantar. Eu estava curioso de ver quantas garrafas de champanha, entrecortadas de doses de conhaque, o velho podia consumir num dia inteiro.
Tínhamos também apostado quinhentos francos em Rêve de Minuit, a seis contra um. "Por motivos sentimentais", explicara Fabian, quando nos dirigíamos para o guichê. Em Nova York, eu jogava minha subsistência em cada aposta de dois dólares. Evidentemente, como princípio, o sentimento era mais lucrativo do que a sobrevivência, numa corrida de cavalos.
De regresso ao nosso hotel em Nice, a fim de nos vestirmos para jantar, Fabian ligara para Paris e Kentucky. De Paris, ficara sabendo que O P ríncipe Adormecido fora concluído nessa mesma tarde e que, após uma exibição do copião ainda incompleto, na noite anterior, representantes de distribuidores para a Alemanha Ocidental e o Japão já tinham feito ofertas substanciais.
– Mais do que o suficiente – disse-me Fabian, com satisfação – para cobrir nosso investimento. E ainda falta o resto do mundo. Nadine não cabe em si de contente. Está até pensando em começar um filme "limpo". – Como se um assunto puxasse o outro, comunicou-me que o preço do ouro subira cinco pontos, nesse dia.
Seu amigo de Kentucky ficara impressionado com a notícia da vitória de Rêve de Minuit, mas queria consultar um sócio antes de fazer uma oferta definitiva. Telefonaria mais tarde, para o restaurante.
O champanha, a vista, o triunfo daquela tarde, o preço do ouro, as notícias de Nadine, o menu de um esplêndido jantar, a companhia de Lily Abbott, sentada entre nós dois em toda a sua beleza, faziam-me sentir uma enorme simpatia por todo o mundo e uma amizade toda especial pelo homem que roubara a minha mala no aeroporto de Zurique. Inimigos e aliados, eu estava descobrindo, como nos filmes em que entravam alemães e japoneses, eram entidades misturáveis.
Se Rêve de Minuit não tivesse ganho, acho que eu teria jogado Fabian no mar, dos trezentos metros de altura em que nos encontrávamos. Mas o cavalo vencera e olhei com simpatia para o bonito rosto do homem à minha frente.
– Você sugeriu algum preço ao seu amigo de Kentucky? – perguntei.
– Por volta de cinqüenta – respondeu Fabian.
– Cinqüenta o quê?
– Mil dólares – disse ele, levemente irritado.
– Você não acha que é um pouco exagerado para um cavalo de seis mil dólares? – falei. – Não nos convém assustá-lo.
– A verdade, Douglas – e Fabian tomou um gole de champanha -, é que ele não é um cavalo de seis mil dólares. Preciso confessar-lhe uma coisa: paguei quinze mil por ele.
– Mas você me disse…
– Eu sei, eu sei. Achei que seria melhor não o assustar demasiado. Se você duvida de mim, posso mostrar-lhe a conta.
– Já não duvido de você – retruquei. E era quase verdade. – É os quinze mil dólares investidos no filme? Devo multiplicá-los por mais também?
– Não. Palavra de honra, meu velho. – Ergueu o copo. – Vamos brindar a Rêve de Minuit. – Todos nós brindamos entusiasticamente. Eu me afeiçoara ao animal desde que o vira avançar em atropelada na reta final e dissera a Fabian que não gostaria de vendê-lo.
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