— Está bem. Podem vir por aqui.
Olhei para Leslie: quem é? Ela entendeu o que eu queria saber, deu de ombros e sacudiu a cabeça negativamente.
— Diga, como é seu nome? — gritei.
A moça parou por um momento, surpresa.
— Vocês me dão tantos nomes, todos tão formais! — Sacudiu os ombros e sorriu. — Chamem-me de Tink. — Conduziu-nos, a passos rápidos, na direção de uma rampa que ficava junto à parede mais próxima do local gigantesco, ao mesmo tempo em que mostrava algumas coisas. — O minério vem por correias transportadoras até os criados, do lado de fora. Depois ele é lavado, enquanto é transportado até o funil principal…
Leslie e eu nos entreolhamos, perplexos. Esperava-se que soubéssemos o que estava acontecendo?
—.. é despejado em um dos cadinhos… há 25 nessa área… e aquecido a 1.650 graus. Aí, uma ponte rolante levanta o cadinho e o traz para cá.
— Do que está falando? — perguntei.
— Se o senhor deixar as perguntas para mais tarde, é provável que eu responda a maioria delas enquanto lhe explico os procedimentos.
— Mas nós não…
A moça apontou para cima.
— Na ponte rolante infunde-se gás xenônio no minério fundido, que a seguir é despejado nessas fôrmas, revestidas com vinte mícrons de condrito pulverizado. — Sorriu e levantou a mão, já prevendo nossa pergunta. — Não, o condrito não é usa do para gerar o cristal, apenas facilita a retirada dos lingotes das fôrmas!
Os lingotes não eram de aço, mas de uma espécie de vidro, que ao resfriarem passavam de alaranjado para transparente.
Várias séries de robôs industriais davam forma a blocos quase invisíveis, transformando-os em tarugos, cubos e losangos, do mesmo modo que os lapidadores cortam diamantes.
— Os blocos são aparados e energizados aqui — explicou Tink, enquanto passávamos. — Cada um é diferente do outro, naturalmente…
Nossa misteriosa guia fez-nos subir por uma rampa em curva, até uma câmara pneumática.
— E aqui fica a área de acabamento — apontou mais orgulhosa do que nunca. — Era isto que estavam esperando para ver!
Portas deslizavam, abrindo-se, ao nos aproximarmos delas, e fechavam-se após a nossa passagem.
Desaparecera o barulho. O andar não podia ser mais silencioso, nem mais ordeiro e limpo. Entre as paredes colossais viam-se, enfileiradas, mesas com tampo de feltro, e sobre cada uma delas repousava um cristal polido. O lugar mais se assemelhava a um silencioso ateliê de arte que a uma oficina numa indústria pesada. As pessoas trabalhavam concentradas e em silêncio, debruçadas sobre as mesas. Seria aquela a sala de acertos finais da montagem de espaçonaves?
Retardamos o passo e nos detivemos junto a uma mesa. Um jovem corpulento, sentado numa cadeira giratória, diante de alguma coisa que se parecia com um torno de revólver, inspecionava um bloco de cristal maior do que eu. Por cima de seu ombro, víamos uma delicada estrutura de luzes coloridas no interior do cristal, minúsculos raios laser embutidos, uma rede caprichosa de brilhantes filamentos. O rapaz premiu botões na máquina, e dentro do vidro ocorreram modificações sutis.
Toquei Leslie, apontei para o bloco de cristal e fiz um sinal, tentando lembrar-me. Onde já teríamos visto aquelas coisas antes?
— Ele está verificando se todas as conexões foram feitas — explicou Tink, num murmúrio quase inaudível. — Basta um filamento solto, e toda a unidade deixa de funcionar.
O homem virou-se ao ouvi-la, e deu conosco a olhá-lo.
— Olá! — saudou-nos, simpático. — Bem-vindos!
— Olá! — respondemos. — Por acaso o conhecemos? Ele sorriu, e gostei imediatamente dele.
— Conhecer, conhecem. Querem saber se se lembram de mim?
Provavelmente, não. Meu nome é Atkin. No passado fui o montador de seu avião, em outra época seu mestre Zen… Ah, creio que não se lembra. — Deu de ombros, em nada aborrecido, todo simpatia.
Procurei palavras para me expressar.
— O que… O que estamos fazendo aqui?
— Vejam. — Apontou para um visor binocular montado perto do cristal.
Leslie abaixou-se.
— Puxa vida! — exclamou.
— O que foi?
— Isso é.. Não é vidro, Richie. São idéias! É como uma teia de aranha, todas estão interligadas!
— Explique melhor.
— Não se trata de palavras — disse ela. — Mas acho que a gente deve exprimir isso em palavras.
— Que palavras você usaria, então, Leslie? Tente me dizer.
— Ah! — fez ela, fascinada. — Veja só aquilo!
— Diga — pedi. — Por favor.
— Muito bem. vou tentar… E sobre como é difícil fazer as escolhas corretas e sobre como e importante nos atermos ao nosso melhor conhecimento… E que nós realmente sabemos o que é o mais certo! — Leslie olhou para Atkin. — Sei que não estou fazendo justiça a essa maravilha. — Voltou a olhar pelo visor. — Por favor, leia esse cristal para nós.
Atkin sorriu mais uma vez.
— Está indo muito bem — elogiou ele, olhando por seu próprio visor. — Eis o que diz: Uma pequenina mudança hoje acarreta-nos um amanhã profundamente diferente. São grandes as recompensas para aqueles que optam pelos caminhos duros e difíceis, mas essas recompensas acham-se ocultas pelos anos. Toda escolha é feita inteiramente às cegas, e o mundo não nos dá garantia alguma. E logo depois disso, está vendo? A única maneira de se evitar todas as escolhas assustadoras consiste em deixar a sociedade e se tornar um ermitão, e também isso é uma escolha assustadora. E essa parte está conectada à seguinte: O bom caráter advém de seguirmos nosso supremo senso de retidão, de confiarmos nos ideais sem sequer estarmos certos de que darão certo. Um dos desafios de nossa aventura na terra consiste em nos elevarmos acima de sistemas mortos…
guerras, religiões, nações, destruições… recusarmos a fazer parte deles, e em vez disso exprimirmos o que temos de melhor dentro de nós.
— Que coisa maravilhosa! — exclamou Leslie, ainda contemplando o cristal. — Ah, Richie, escute isso! Ninguém é capaz de resolver problemas para aqueles cujo problema consiste em não desejarem que os problemas sejam solucionados l Li este trecho direito? — perguntou a Atkin.
— Perfeito!
Leslie voltou ao visor, satisfeita por estar começando a entender.
— Não importa qual seja nossa habilitação ou nosso merecimento, nunca alcançaremos uma vida melhor até conseguirmos imaginá-la para nós próprios e permitir-nos tê-la. Deus sabe que isso é verdade!
“É este o aspecto de uma idéia quando se fecha os olhos!”
Leslie olhou para Atkin com verdadeira admiração. “Está tudo ali, todas as ligações, todas as respostas a todas as perguntas que se podem fazer sobre ela. A gente pode acompanhar as ligações em qualquer direção que desejar. Que coisa linda!
— Obrigado — disse Atkin. Virei-me para nossa guia.
— Tink?
— Sim?
— As idéias vêm de uma fundição? De uma siderúrgica?
— Elas não podem ser feitas de ar, Richard — respondeu, muito séria, de testa franzida. — Não podemos utilizar algodão-doce!
Uma pessoa entrega a vida àquilo em que acredita. As idéias dessa pessoa devem sustentá-la, têm de suportar o peso das perguntas que ela própria faz e ainda o peso de cem, mil ou dez mil críticos, incrédulos e detratores. As idéias dessa pessoa precisam se manter de pé, de suportar a pressão de todas as conseqüências que gerarem.
Sacudi a cabeça, admirado com a vastidão da sala, com as centenas de mesas. É verdade que nossas melhores idéias sempre nos chegam prontas e completas, mas eu não estava preparado para aceitar que elas provinham de uma…
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