−É, talvez seja a guerra, como você disse, mas sempre julguei que uma moça obedecesse aos pais e que suas idéias revolucionárias fossem reprimidas.
−Você deverá conhecer minha sobrinha− disse o major, rindo−, Jane é uma intrépida caçadora a cavalo, bem como todos os filhos de minha irmã e se são corajosos para certas coisas, também o são para outras. Já ouvi Jane desafiar o pai muitas vezes.
−É melhor você encontrar alguém mais maleável− apressou-se o Duque a dizer−. Conto com você, Bevil. Uma vez que Richard levará tempo para se recuperar, não conseguirá escapar nem das atenções nem das atrações de alguém que você arranje para ele.
−Francamente, Nolan! Você está me incumbindo da mais impossível das tarefas− queixou-se o major Haverington−. Lembro-me ainda de que agiu assim quando chegamos à França e não havia mantimentos e os vagões de transporte encontravam-se a quilômetros de distância.
−Creio lembrar-me também de que, após um protesto contra as praxes militares, dirigido ao seu oficial comandante, você fez o que lhe haviam ordenado e voltou com o gado que serviria de alimento.
−Quase perdi a vida quando os requisitei do fazendeiro ao qual pertencia− replicou o major−, felizmente, nada parecidos com os franceses, os ingleses pagavam pelo que levavam.
Do contrário, não estaria agora falando com você!
−O que estou querendo evidenciar é que, quaisquer métodos que você usasse, era sempre bem-sucedido.
−Ora, comprar algumas vacas velhas e uns porcos gordos é muito diferente de ter que arranjar uma esposa para Richard! E deixe-me dizer-lhe, desde já, que você não vai conseguir o que exige.
−Por que diz isso?
−Porque está pedindo o impossível!
−O que está insinuando?
−Que você quer uma moça que seja inocente, pura, atraente e inteligente, para fazer Richard esquecer-se de uma mulher sedutora, que enfeitiçou-lhe o coração e o espírito.
−É um sumário bastante aceitável de minhas exigências− replicou o Duque−, pelo menos você sabe o que é preciso.
−Com os diabos, Nolan! Procure-a você mesmo!
Irritado, esporeou o cavalo e afastou-se, enquanto o Duque, sorrindo, seguiu-o. Esse sorriso, porém, era um tanto cético, pois sabia que estava realmente pedindo o impossível.
Mesmo que Richard a desprezasse ou a detestasse, pelo modo como ela se comportara, isso não queria dizer que ele não mais a desejasse ou que o poder de Delyth sobre ele enfraquecera de tal forma que não mais a quisesse ver.
Assim pensando, Nolan disse a si mesmo: ele conseguirá curar-se.
Contudo, não se sentia tão confiante como se sentiria caso se tratasse de outra pessoa. Richard, que fora criado por pais apaixonados, era incrivelmente idealista.
O Duque tinha certeza de que Richard devia ter escrito poesias para Delyth, e mentalmente a deveria ter comparado não só com Afrodite mas com todas as deusas do Olimpo.
Não podia negar que ela era espirituosa e ao mesmo tempo, bonita, inteligente e muito versátil, mas, infelizmente, essa imagem era deturpada por um temperamento tão sensual quanto o de qualquer homem. Além disso, pureza de espírito ou de corpo eram palavras que não figuravam em seu vocabulário.
Ao emparelhar-se com o major, disse:
−Delyth não é a única mulher do mundo.
−Graças a Deus!− foi a resposta veemente.
Os dois amigos cavalgaram até que o sol começasse a esquentar. Logo em seguida viraram os cavalos para tomar o caminho de casa.
Ainda estavam bem distantes de Kingswood quando vislumbraram a sua silhueta desenhada no horizonte, com os telhados e torres brilhando ao sol. As árvores viçosas, com seu verde primaveril, circundavam a mansão como a uma jóia.
Ao vê-la, o major observou:
−Várias vezes pensei que Kingswood é o que há de mais lindo em toda esta região.
−Concordo com você− disse o Duque.
−Ela é demasiadamente grande para um homem sozinho− continuou o amigo−. Deveria estar cheia de crianças… seus filhos, Nolan.
O Duque continuou a cavalgar em silêncio. Seu amigo perguntava a si mesmo, como já o fizera tantas vezes, qual seria o segredo que levantara uma barreira entre Nolan e as mulheres que o perseguiam tão ardentemente e pensou que não era com Richard que deveria preocupar-se, mas com Nolan. Certamente, seria mais feliz se fosse casado.
Aqueles pensamentos o surpreenderam, pois faziam supor que o Duque não fosse feliz e como poderia deixar de sê-lo, quando não só era dono de uma riqueza imensa mas possuía todos os atributos de homem?
Não havia ninguém que montasse melhor, que guiasse uma carruagem com quatro cavalos com mais perícia, que o superasse ao atirar com uma pistola ou que pudesse esgrimir em pé de igualdade com profissionais.
Além de tudo isso, o major sabia que Nolan era um grande leitor. Carregava seus livros até mesmo para o campo de batalha. Ele se lembrava de que seu amigo, quando queria escapar dos horrores da guerra, conseguia concentrar-se num livro que afastava seu espírito da realidade imediata.
Mais uma vez o major pensou que seria bom existir uma mulher que pudesse partilhar com Nolan o gosto pela literatura, mas mesmo que existisse, não adiantava tocar no assunto. O Duque recolhia-se imediatamente em sua concha, tornando-se inviolável até mesmo para seus amigos mais íntimos.
Continuaram a cavalgar, falando sobre as colheitas da primavera, das perdizes e dos marrecos que nadavam aos pares, ao longo do rio que corria ao pé do capinzal. Ao se aproximarem da casa da fazenda, o Duque observou:
−Agora tenho um bom administrador. Ele está criando um rebanho de gado Jersey que é o melhor que já tivemos.
−Gostaria de vê-lo− disse o major.
−Iremos lá amanhã. Creio que devemos voltar para ver como Richard está passando.
−Sim, claro. A que horas virá o médico?
−Ele disse que aproximadamente às nove horas.
Pelo seu modo de falar, o major sentiu que estava preocupado com o rapaz. Esperava que ele sobrevivesse, para a felicidade de seu amigo.
−Amanhã eu lhe mostrarei as éguas que estão prenhes… − ia dizendo o Duque.
De repente, viram uma mulher que saíra correndo do celeiro da fazenda, dirigindo-se para eles, sacudia os braços, como para atrair-lhes a atenção. Ambos detiveram os cavalos.
Ao chegar mais perto, viram que era ainda muito jovem e seus cabelos, de um loiro dourado. Evidentemnte, era uma camponesa ou trabalhava na ordenha, pois seu vestido estava desbotado e remendado.
Ao chegar ao lado do cavalo do Duque, estava ofegante e não conseguia falar.
Vendo que os dois esperavam, após um momento exclamou resolutamente:
−Ajudem-me... por favor... ajudem-me!
−O que está acontecendo?− perguntou o Duque.
O major percebeu logo que era muito moça e incrivelmente bonita. Tinha os olhos muito grandes, num rostinho oval e embora os cabelos fossem loiros, as pestanas eram pretas.
Os olhos, que de acordo com o seu tipo deveriam ser azuis, tinham a tonalidade de um céu enevoado, pelo menos naquele momento foi assim que lhe pareceram, mas talvez fosse porque ela estivesse visivelmente assustada, com as pupilas dilatadas.
−O que lhe aconteceu?− tornou a perguntar Nolan.
−É o meu pai… meu pai está muito mal… inconsciente. Receio que tenha sofrido um ataque cardíaco!
O major observou que ela falava como uma pessoa educada, o que não era de se esperar numa pessoa de aparência tão maltrapilha.
−Onde está o seu pai?− indagou o Duque.
−No celeiro. Foi lá que… dormimos, na noite passada.
−Pois então vamos até lá, para ver o que poderemos fazer por ele− sugeriu Nolan.
Fez o cavalo seguir para a frente e a moça foi caminhando a seu lado, ainda bastante ofegante.
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