— Espera! — interrompeu o Padre, e aproximou o ouvido dos lábios da penitente. — Dizes que isso foi há três anos?
— Sim. Ao princípio estava tranquila, mas agora enfraqueço muito e morro de remorsos.
— Vens de muito longe?
— De umas trezentas milhas.
— Já confessaste o teu pecado?
— Sim, duas vezes.
— Deixaram que tomasses a comunhão?
— Sim, mas tenho medo da hora da morte.
— Nada temas e não desalentes. Se não falta o arrependimento, Deus perdoa tudo. Não há pecado que Deus não possa perdoar a uma alma arrependida! Os homens não pecam bastante para que esgotem a misericórdia divina. Teria de ser um pecado muito grande que excedesse o amor de Deus! Pensa apenas na penitência, numa penitência contínua, e não temas. Crê que Deus te ama como não podes calcular; ama-te com o teu pecado e por causa dele. É sabido que há mais regozijo no céu por um pecador arrependido do que por dez justos. Vai e não temas. Não sejas cruel com os teus semelhantes e paga o mal com o bem. Perdoa do fundo do coração ao teu defunto o mal que te fez e a paz reinará contigo. Se te sentes arrependida é porque amas, e se amas estás em graça de Deus. O amor reconcilia tudo, salva tudo. Se eu, um pobre pecador, sinto pena de ti, que sentirá Deus? O amor é um tesouro tão inapreciável que, por ele, podes não só expiar os teus próprios pecados, mas também os pecados dos outros.
Fez três vezes o sinal da cruz e impôs-lhe uma medalha que tirou de um fio que trazia ao pescoço.
A jovem dobrou-se até tocar no chão, sem dizer uma palavra.
O Presbítero levantou-se e sorriu a uma mulher roliça que trazia um bebé nos braços.
— De Vyshegorye, meu Padre.
— Andaste cinco milhas com o teu filho às costas? E para quê?
— Para vos ver. Não é a primeira vez que venho. Não me conheceis? Pois não será muita a vossa memória se não vos lembrais de mim. Diziam que estáveis doente e pensei «Tens de o ir ver». E aqui estou e vejo-vos são e ainda com vinte anos para viver, sem dúvida. Deus te valha! Mas como haveis de estar doente se há tantas almas que pedem por vós?
— Obrigado, mulher, obrigado.
— A propósito: tenho de vos pedir um favor. Não é grande coisa. Eis aqui sessenta kopeks. Gostaria que os distribuísseis, Padre, por alguém mais pobre do que eu. Pensei que seria mais proveitosa a esmola, passando pelas vossas mãos. Sabeis, por certo, de quem necessitará dela.
— Graças, minha filha! Obrigado. Tendes um bom coração. Cumprirei o teu pedido. É esta a tua filha?
— Sim. Lizaveta, Padre.
— Que Deus vos bendiga a ambas! Haveis enchido de alegria a minha alma, boa mulher! Adeus, meus filhos, adeus, adeus.
Deu a bênção em geral e despediu-se saudando todos com uma profunda reverência.
Capítulo 4 — Uma Senhora de Pouca Fé
A que esperava na sala de honra tinha contemplado a cena e acabara por levar o lenço aos olhos e chorar em silêncio. Era uma dama distinta, dotada de muito bons sentimentos, que saiu a encontrar-se com o Presbítero dizendo entusiasmada:
— Oh, que coisa tão comovedora!
E foi obrigada a calar-se, pois a emoção não a deixava continuar.
— E que bem se compreende que o povo vos queira. Eu também gosto do povo; preciso de o amar. Como é possível não sentir carinho pelo nosso povo russo, tão generoso e tão humilde?
— Como está sua filha? Desejava falar comigo?
— Oh! Pedi-lho com toda a alma. Pedi e insisti e estava disposta a ficar três dias ajoelhada diante a vossa porta para conseguir de vós um momento apenas. Viemos. reverendo Padre, para vos expressar a nossa mais ardente gratidão. Minha Lisa está curada. Haveis curado a minha filha por completo e só rezando por ela e impondo-lhe as mãos. Apressámo-nos a beijar essas mãos e a render-vos o tributo da nossa admiração e agradecimento.
— Mas diz que está curada? Então por que não sai da cadeira e anda?
— Pelo menos acabou-lhe a febre noturna desde quinta-feira — contestou, apressada, a senhora. — As pernas estão mais fortes e esta manhã levantou-se muito restabelecida depois de descansar durante toda a noite. Já tem as faces rosadas e os olhos brilhantes! Antes queixava-se a toda a hora, mas agora ri e sente-se alegre e feliz. Esta manhã empenhou-se em que a deixasse levantar e esteve assim durante uns minutos sem qualquer apoio. Já sonha em dar um baile dentro de poucos dias. Chamei o doutor Herzenstube e ele encolheu os ombros, dizendo: «Não entendo, não se deve à ciência esta mudança.» Como havíamos de deixar de vir importunar-vos, de deixar de vos vir agradecer? Lisa, mostra-te grata, agradece.
A formosa e risonha cara da pequena obscureceu-se. Ergueu-se tanto quanto lhe foi possível estendendo as mãos unidas na direção do monge e, perdendo o equilíbrio, deu uma gargalhada.
— É dele, é dele! — disse, apontando para Aliocha com desgosto infantil por não ter conseguido conter o riso.
— Tem um recado para vós, Alexey Fedorovitch. Como está? — interveio a mãe, estendendo a mão enluvada ao noviço.
O ancião voltou-se e todos fixaram a atenção no jovem, que se acercou da inválida sorrindo encolhidamente para a saudar. A pequena estendeu-lhe a mão e tomou-se de um ar muito solene.
— Catalina Ivanovna envia-lhe isto — disse, entregando-lhe uma carta — e pede encarecidamente que a vá ver o mais depressa possível. Não falte!
— Ela pede que eu vá a sua casa? Eu? Para quê? — murmurou Aliocha, em cujo rosto se pintava a surpresa e a ansiedade.
— É algo que diz respeito a Dmitri Fedorovitch e... a tudo o que se tem passado nestes últimos dias — apressou-se a mãe a explicar. — Catalina tomou uma resolução e quer consultá-lo. Com que objetivo, não sei, apenas o deseja ver quanto antes. E espera que o faça. É um dever de cristão.
— Apenas a vi uma vez — replicou Aliocha com grande perplexidade.
— Ah! É uma excelente moça. Incomparável! Ainda que não seja pelo que tem sofrido... Pense no que passou e no que se passa agora com ela! E que futuro! É horrível, horrível!
— Pois bem, irei — decidiu Aliocha depois de olhar para a carta, que era uma súplica encarecida para uma entrevista, sem dar qualquer classe de explicações.
— Que generoso e agradável que sois! — exclamou Lisa com ardor. — Eu que afirmava à mamã que se negaria porque só lhe interessaria a salvação das almas! Que bom! Sempre o tive num grande conceito, gosto de o dizer!
— Lisa! — admoestou a mãe, sem poder reprimir um sorriso. E acrescentou: — Esqueceu-nos por completo, Alexey Fedorovitch; nunca mais nos veio visitar. E isso que Lisa diz é verdade. Nunca se encontra melhor senão quando está convosco.
Aliocha levantou os olhos, corou ainda mais e sorriu sem saber porquê. O Presbítero já não o olhava, distraído com o monge que havia esperado a sua chegada em companhia da dama, homem humilde, de origem campesina, ideias estreitas e uma fé impetuosa e obstinada. Disse que viera do Norte, de Obdorsk, de São Silvestre, um pobre mosteiro de dez monges, entre os quais ele se encontrava. O Padre Zossima deu-lhe a bênção e convidou-o a ir à sua cela sempre que tivesse gosto em fazê-lo.
— Como explicais estes acontecimentos? — perguntou logo o monge, indicando significativamente e com modo solene a paralítica.
— Fala do seu coração? É prematuro tudo o que se diga dela. Um alívio pode obedecer a várias causas, mas a cura, se é que houve algo disso, só à vontade de Deus se pode atribuir. Tudo vem de Deus... Venha visitar-me, padre, pois que raras vezes posso receber. Sinto-me doente e sei que os meus dias estão contados.
— Ah, não, não! Deus não o afastará de nós! Vivereis ainda muito, muito tempo — gritou a senhora. — E que tendes, se o vosso semblante mostra saúde, alegria e felicidade?
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