— Isso não é um café-da-manhã de verdade, né? Se você quer saber, um café-da-manhã de verdade tem que ter frios, ovos fritos, salsichão e tomate grelhado — disse ela com seu forte sotaque do norte da Inglaterra.
— Se você fizer, eu como.
Carol salpicou uma colher de sobremesa cheia de açúcar no mingau. Olhou para ele. Colocou mais uma colher de açúcar. E disse:
— Não, não come. Você diz que come. Mas aí começa a falar em colesterol, que comida frita faz mal prós rins. — Daisy passou para ela uma xícara de chá. — Você e os seus rins. Na verdade, rim seria uma boa pedida. Já comeu rim, Daisy?
Uma vez. Se quer saber, dá pra obter o mesmo gosto grelhando um pouco de fígado e mijando em cima.
Carol fungou.
— Não precisa exagerar.
— Coma o seu mingau.
Terminaram de comer o mingau e tomar o chá. Colocaram as tigelas na máquina de lavar louça, que não foi ligada porque não estava cheia. Foram de carro para o trabalho. Carol, agora completamente vestida com seu uniforme, era quem dirigia.
Daisy foi até sua mesa, que ficava numa sala cheia de outras mesas vazias.
O telefone tocou, e ela se sentou.
— Daisy? Você está atrasada.
Ela olhou para o relógio de pulso.
— Não, não estou, não... senhor. Como posso ajudá-lo?
— Você pode ligar para um homem chamado Coats. Ele é amigo do chefão. Torce pro Crystal Palace. Só hoje de manhã, ele já me escreveu duas vezes falando sobre isso. Quem será que ensinou o chefão a escrever?
Daisy anotou os detalhes e fez a ligação. Adotou o tom de voz mais sério e eficiente que podia e disse:
— Aqui é a detetive Day. Como posso ajudá-lo?
— Ah — respondeu uma voz de homem. — Bom, eu contei umas coisas pro superintendente ontem à noite, um homem fantástico, velho amigo meu. Ótima pessoa. Ele sugeriu que eu falasse com alguém aí no escritório. Gostaria de fazer um relato. Bom, não tenho certeza de que houve um crime. Provavelmente há uma explicação para isso. Aconteceram certas irregularidades e, bom, para ser bem franco com você, dei ao meu contador umas duas semanas de folga até saber se é verdade que ele está envolvido com certas., humm... irregularidades financeiras.
— Eu preciso de detalhes. — disse Daisy. — Qual o nome completo do senhor? E do contador?
— Meu nome é Grahame Coats — respondeu o homem do outro lado da linha. — Da Agência Grahame Coats. O nome do meu contador é Nancy. Charles Nancy.
Ela anotou os dois nomes. Não lhe pareceram familiares.
Fat Charlie planejava ter uma briga com spider assim que ele voltasse para casa. Ensaiou a briga em sua cabeça várias e várias vezes, e sempre ganhava a discussão de modo justo e decisivo.
No entanto Spider não voltou para casa na noite anterior. Fat Charlie acabou dormindo na frente da TV, meio que assistindo a um game show vulgar para tarados que sofriam de insônia chamado Mostra o Bumbum! ou coisa do tipo.
Acordou no sofá quando Spider puxou as cortinas.
Está um lindo dia — disse ele.
Você! — acusou Fat Charlie. — Você beijou a Rosie! Não tente negar.
— Eu tive que beijar.
— Como assim, teve? Você não tinha que beijar.
— Ela pensou que eu era você.
— Ora, você sabia que não era eu. Não podia ter beijado a Rosie.
— Mas, se eu me recusasse a beijá-la, ela teria pensado que você não queria beijá-la.
— Mas não era eu.
— Mas ela não sabia disso. Eu só estava tentando ajudar.
— Tentando ajudar! — repetiu Fat Charlie, sentado no sofá. — Me ajudar geralmente inclui não beijar a minha noiva. Você podia ter dito que estava com dor de dente.
— Mas isso — começou Spider com um ar de santo — seria mentir.
— Mas você já estava mentindo! Estava fingindo que era eu!
— Bom, então seria aumentar a mentira, de qualquer maneira — explicou Spider. — Eu fiz isso apenas porque você não podia ir ao trabalho. Não. Eu não poderia mentir mais. Me sentiria péssimo.
— Bom, eu realmente me senti péssimo. Tive que ver vocês dois se beijando.
— Ah. Mas ela achou que estava beijando você.
— Pára de repetir isso!
— Você deveria se sentir lisonjeado. Quer almoçar?
— Claro que não. Que horas são?
— Hora do almoço. E você está atrasado de novo. Foi até bom eu não livrar a sua cara desta vez, já que é assim que você me agradece.
— Não, tudo bem. Eu tenho duas semanas de licença. E ganhei um bônus.
Spider ergueu uma sobrancelha.
— Olha — começou Fat Charlie, sentindo que era hora de ir para o segundo round da discussão. — Não é que eu queira me livrar de você, mas andei pensando.— Você pretende ir embora quando?
— Bom, quando eu cheguei, planejava ficar um dia. Talvez dois. O suficiente para conhecer meu irmãozinho e depois ir embora. Sou um homem muito ocupado.
— Então você vai embora hoje?
— Esse era o meu plano. Mas eu encontrei você. Não consigo acreditar que passamos quase a vida toda sem a companhia um do outro, meu irmão.
— Eu consigo.
— Os laços de sangue são mais fortes que a água.
— Água não é forte.
— Mais fortes que a vodca então. Ou que os vulcões. Ou amônia. Olha, o que quero dizer é que encontrar você é... bem, é um grande privilégio. Nunca fizemos parte da vida um do outro, mas isso é passado. Vamos começar uma nova vida hoje. Vamos deixar o passado para trás e fazer um novo pacto, o pacto da irmandade.
— Você está a fim da Rosie.
— Com certeza — concordou Spider. — O que você pretende fazer a respeito?
— Fazer a respeito? Ora, ela é minha noiva.
— Não se preocupe. Ela pensa que eu sou você.
— Quer parar de repetir isso?
Spider abriu os braços num gesto angelical, mas arruinou o efeito lambendo os lábios.
— O que você pretende fazer? — perguntou Fat Charlie. — Casar com ela fingindo que sou eu?
— Casar? — Spider parou e ficou pensando por um momento. — Mas. Que. Idéia. Horrível.
— Bom, eu estava bem disposto a casar, na verdade.
— Spider não se casa. Não sou do tipo que se casa.
— Então a minha Rosie não é boa o suficiente para você? É isso o que você está dizendo?
Spider não respondeu. Saiu da sala.
Fat Charlie achou que tinha se saído bem, de alguma maneira, na discussão. Levantou-se do sofá, pegou as embalagens de alumínio que na noite anterior continham um chow mein de frango e bolinhos de carne de porco, e jogou-as no lixo. Foi para o quarto, onde tirou as roupas com as quais dormira e colocaria roupas limpas. Porém descobriu que, como não havia posto a roupa suja para lavar, não tinha roupas limpas. Então escovou vigorosamente as roupas do dia anterior, tirando vários pedacinhos de macarrão grudados, e colocou-as de volta.
Foi para a cozinha.
Spider estava sentado à mesa, comendo um filé grande o suficiente para duas pessoas.
— Onde você conseguiu isso? — perguntou Fat Charlie, embora já conhecesse a resposta.
— Eu perguntei se você queria almoçar — observou Spider gentilmente.
— Onde você conseguiu esse filé?
— Estava na geladeira.
— Este... — gritou Fat Charlie, apontando o dedo como um advogado de acusação prestes a dar o bote — este filé é o que eu comprei para o jantar de hoje. Para o meu jantar com a Rosie. Para o jantar que eu ia fazer para ela! Agora você está sentado aí como... como uma... uma... pessoa comendo um filé! E... e comendo... e...
— Não tem problema.
— Como assim, não tem problema?
— Bom, eu já liguei para a Rosie de manhã, e vou levá-la para jantar hoje à noite. Então você não precisaria do filé, de qualquer maneira.
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