Ela o amava, é claro. Ele era uma boa pessoa, alguém normal, que passava confiança...
A mudança da mãe de Rosie a preocupava, e o entusiasmo repentino da mãe pela organização do casamento a deixava perturbada.
Tinha telefonado para Fat Charlie na noite anterior para discutir o assunto, mas ele não atendia. Rosie achou que ele talvez tivesse ido dormir mais cedo.
Por isso resolveu almoçar com ele para conversarem.
A Agência Grahame Coats ocupava o último andar de um edifício vitoriano em Aldwych. Para chegar lá, era necessário subir cinco andares. Mas havia um elevador, um elevador antigo que fora instalado 100 anos antes pelo agente teatral Rupert “Binky” Butterworth. Um elevador extremamente pequeno, lento e sacolejante, cujas peculiaridades de projeto e função ficavam claras somente quando se descobria que Binky Butterworth tinha o tamanho, o formato e a habilidade para se espremer em locais onde caberia apenas um filhote de hipopótamo barrigudinho. Ele concebera o elevador para comportar, sem espaço extra, o próprio Binky Butterworth e outra pessoa bem mais magra: uma corista, por exemplo, ou um corista — Binky não fazia distinção. A única coisa de que precisava para ser feliz era alguém em busca de representação no mundo do teatro apertando-se contra ele dentro do elevador numa jornada bem lenta e sacolejante pelos seis andares até o topo. Muitas vezes, quando chegavam ao último andar, Binky estava tão transtornado pelas pressões da jornada que precisava se deitar um pouco, deixando à corista ou ao corista a tarefa de ficar abanando-o na sala de espera, preocupado, imaginando se a horrível falta de ar e a resfolegante vermelhidão no rosto de Binky, que o acometiam nos andares finais, não era sinal de que sofria algum tipo de embolia pré-eduardiana.
As pessoas usavam o elevador com Binky Butterworth apenas uma vez. Depois disso, subiam pelas escadas.
Grahame Coats, que comprara o restante da Agência Butterworth da neta de Binky havia mais de 20 anos, manteve o elevador, dizendo que fazia parte da história do lugar.
Rosie fechou a porta interna sanfonada, fechou a porta externa, entrou na recepção e disse à recepcionista que queria falar com Charles Nancy. Sentou-se debaixo das fotos de Grahame Coats com as pessoas que havia representado. Reconheceu nas fotos Morris Livingstone, o comediante, algumas dessas bandas só de garotos, de sucesso relâmpago, e um bando de estrelas do esporte que nos últimos anos haviam se tornado “celebridades”. Do tipo que aproveitava a vida ao máximo até conseguir um fígado novo.
Um homem entrou na recepção. Não se parecia muito com Fat Charlie. Tinha a pele mais escura e sorria como se se divertisse com tudo. De um jeito excessivo e perigoso.
— Eu sou Fat Charlie Nancy — disse o homem.
Rosie caminhou até Fat Charlie e deu-lhe um beijo na bochecha. Ele perguntou:
— Eu conheço você? — Isso era uma coisa muito estranha de se dizer, e ele emendou: — Claro que conheço. Você é Rosie. E está cada dia mais linda.
Ele devolveu o beijo, tocando os lábios dela com os seus. Seus lábios só roçaram os dela de leve, mas o coração de Rosie começou a bater como o coração de Binky Butterworth após uma subida de elevador particularmente tumultuada, pressionado contra uma corista.
— Almoço — disse Rosie com uma voz desafinada. — Eu estava passando e pensei que talvez a gente pudesse almoçar. Conversar.
— Sim — concordou o homem que Rosie acreditava ser Fat Charlie. — Almoço.
Ele colocou o braço de um jeito macio em torno dela.
— Quer almoçar em algum lugar específico?
— Ah. Em— qualquer lugar. Você escolhe.
“O cheiro dele”, pensou. “Por que nunca notara antes o quanto adorava o cheiro dele?”
— A gente decide. Vamos pela escada?
— Se você não se importa, eu gostaria de ir pelo elevador.
Ela bateu a porta sanfonada, e eles desceram até o térreo chacoalhando lentamente, pressionados um contra o outro.
Rosie não conseguia lembrar-se da última vez em que se sentira tão feliz.
Quando chegaram à rua, o celular dela sinalizou que tinha uma nova mensagem. Ela ignorou.
Entraram no primeiro restaurante que encontraram. Até um mês antes, aquele era um moderno restaurante de sushi, com uma esteira rolante que percorria a sala carregando pequenos pedaços de peixe cru, cujo preço era determinado pela cor do prato. O restaurante japonês fechou e imediatamente surgiu outro, como era o costume dos restaurantes de Londres. Dessa vez um restaurante húngaro, que manteve a esteira rolante como um toque moderno adicional à culinária típica. Isso significava que tigelas de goulash, esfriando rapidamente, bolinhos temperados com páprica e vasilhas com sour cream desfilavam de modo majestoso pelo recinto.
Rosie não achou que o restaurante fosse fazer muito sucesso.
— Onde você estava ontem à noite? — perguntou.
— Eu saí. Com o meu irmão.
— Você é filho único.
— Não, não sou. Parece que tenho um irmão.
— Sério? Mais uma surpresa do legado do seu pai?
— Querida — começou o homem que ela acreditava ser Fat Charlie —, você não sabe da missa a metade.
— Bom, espero que ele compareça ao casamento.
— Acho que não perderia nosso casamento por nada no mundo. — Ele fechou a mão sobre a dela, e ela quase derrubou a colher com goulash. — O que você precisa fazer hoje à tarde?
— Não muita coisa. Está tudo praticamente morto lá no escritório. Algumas ligações para angariar fundos, mas podem esperar. E... ahm... você... ahm... Por quê?
— Está um dia tão lindo. Você quer passear um pouco?
— Seria ótimo.
Andaram pela área do dique do rio e começaram a seguir a parte norte do rio Tamisa, um passeio lento, de mãos dadas, conversando, sem falar sobre nada muito sério.
— E o seu trabalho? — perguntou Rosie quando pararam para tomar sorvete.
— Ah. Eles não vão se importar. Talvez nem percebam que não estou lá.
Fat Charlie subiu correndo as escadas até a agência Grahame Coats. Sempre subia pelas escadas. Para início de conversa, era um jeito de fazer exercício. E nunca precisaria se preocupar em ter que ficar espremido num elevador com outra pessoa, perto demais para fingir que o outro não estava lá. Entrou na recepção arfando um pouco.
— A Rosie apareceu, Annie?
— Você se perdeu dela? — perguntou a recepcionista.
Ele foi até o escritório. A mesa estava muito organizada, de um jeito peculiar. A pilha de correspondência por enviar tinha desaparecido. Havia um post-it sobre a tela de seu computador: “Venha até a minha sala. GC”.
Ele bateu na porta do escritório de Grahame Coats. Uma voz respondeu:
— Sim?
— Sou eu.
— Sim. Entrai, senhor Nancy. Puxe uma cadeira. Eu pensei bastante na conversa que tivemos hoje de manhã. Parece que eu tinha uma imagem errada de você. Trabalha aqui há quanto tempo?
— Quase dois anos.
— Você trabalha muito, há muito tempo. Agora, com o triste falecimento do seu pai..
— Eu não o conhecia direito.
— Ah. Você é um homem de coragem, Nancy. Já que é a época de descanso da aragem, o que você diria se eu lhe oferecesse algumas semanas de folga? Com, nem é preciso dizer, salário integral?
— Salário integral?
— Sim, salário integral, mas, sim, eu entendo o seu lado. Gastar dinheiro. Estou certo de que gostaria de gastar um dinheirinho, não?
Fat Charlie tentou descobrir em que universo estava.
— Você está me despedindo?
Grahame Coats riu como uma doninha engasgada com um osso.
— De jeito nenhum. Exatamente o contrário. Na verdade, acho que agora é que nos entendemos perfeitamente. O seu emprego está são e salvo. Como uma criancinha dentro de casa. Contanto que você continue a ser esse modelo exemplar de circunspecção e discrição que tem sido até o momento.
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