— Eu sou sua mãe — começou a mãe de Rosie, em seu apartamento sem comida, onde a poeira nunca assentava —, e eu sei das coisas.
Grahame Coats estava sentado em seu escritório olhando para a tela do computador enquanto lá fora o dia dava lugar à noite. Abria documento após documento, planilha após planilha. Algumas ele modificava. A maioria, ele apagava.
Precisava viajar naquela noite a Birmingham, onde um ex-jogador de futebol, cliente dele, inauguraria uma casa noturna. Em vez disso, ligou e desculpou-se: não podia adiar certas pendências.
Logo a luz do lado de fora da janela desapareceu por completo. Grahame Coats ficou sentado à frente da luz fria do monitor do computador modificando, reescrevendo, apagando.
Eis outra história sobre Anansi
Certa vez, há muito, muito tempo, a mulher de Anansi plantou um canteiro de ervilhas. Eram as maiores, mais verdes e mais bonitas ervilhas já vistas. Você ficaria com água na boca só de olhar para elas.
Desde o momento em que Anansi viu a plantação de ervilhas, ele as quis para si. E não queria apenas algumas ervilhas, porque Anansi era um homem que tinha um apetite enorme. Não queria partilhá-las com ninguém. Queria todas as ervilhas.
Então Anansi deitou-se na cama e ficou suspirando, gemendo longamente, bem alto, e sua mulher e seus filhos vieram correndo.
— Estou morrendo — disse com uma voz pequena e fraca. — Minha vida está chegando ao fim.
Ao ouvir isso, sua mulher e seus filhos começaram a chorar. Com sua voz pequena e fraquinha, Anansi disse:
— Vocês têm que prometer duas coisas pra mim aqui no meu leito de morte.
— O que você quiser, o que você quiser — responderam a mulher e os filhos.
— Primeiro precisam prometer que vão me enterrar debaixo daquele pé de fruta-pão.
— O pé grande de fruta-pão perto da plantação de ervilhas? — perguntaram.
— Claro que é desse que estou falando — respondeu Anansi. Então, com a voz pequena e fraquinha, disse: — E vocês precisam prometer mais uma coisa. Prometam que, em minha memória, vão fazer uma fogueira perto da minha cova. Para mostrar que vocês não me esqueceram, vão deixar o fogo queimando, sem nunca deixar que se apague.
— Sim, sim! Prometemos! — concordaram a esposa e os filhos de Anansi, chorando e gemendo.
— Sobre o fogo, como símbolo de respeito e amor, quero ver uma panela pequena, cheia de água salgada, para me lembrar das lágrimas quentes e salgadas que vocês derramaram por mim no meu leito de morte.
— Prometemos, prometemos! — choraram eles, e Anansi fechou os olhos e não respirou mais.
Bom, eles carregaram Anansi até o grande pé de fruta-pão que crescia perto da plantação de ervilha e o enterraram a sete palmos do chão. Aos pés da cova, fizeram uma pequena fogueira e colocaram um pote com água salgada ao lado.
Anansi espera embaixo da terra o dia inteiro, mas, quando a noite cai, sai da cova, vai até a plantação de ervilha e pega as ervilhas mais redondas, mais saborosas e mais maduras. Ferve todas na panela e come tudo, até sua barriga ficar estufada e esticada como um tambor.
E então, antes do amanhecer, volta para a cova e dorme. Dorme enquanto a esposa e os filhos descobrem que as ervilhas sumiram. Dorme enquanto eles vêem que a panela de água estava vazia e a enchem de novo. Dorme enquanto eles se sentem tristes.
Toda noite, Anansi sai da cova, dançando, maravilhado com a própria esperteza, enche a panela de ervilhas e come as ervilhas, come até não conseguir comer mais nada.
Os dias passam, e a família de Anansi fica cada vez mais magra, porque tudo o que amadurece é colhido por Anansi durante a noite, e eles não têm nada para comer.
A mulher de Anansi olha os pratos vazios e diz aos filhos:
— O que o seu pai faria?
Os filhos pensam e pensam, e aí se lembram de todas as histórias que Anansi lhes contou. Eles vão até a loja de piche e compram umas seis moedas só em piche, o suficiente para encher quatro baldes grandes, e levam o piche até a plantação de ervilha. No meio da plantação, fazem um boneco de piche: cara de piche, olhos de piche, braços de piche, dedos de piche, tórax de piche. Fica bom, parece um homem tão negro e tão orgulhoso quanto o próprio Anansi.
Naquela noite, o velho Anansi, mais gordo do que jamais esteve em toda a vida, sai da terra e, redondo e feliz, o estômago esticado feito um tambor, arrasta-se até a plantação de ervilha.
— Quem é você? — pergunta ao boneco de piche.
O boneco de piche não diz uma só palavra.
— Este lugar é meu — diz Anansi ao homem de piche. — É a minha plantação. E melhor você ir andando se não quiser apanhar.
O boneco de piche não diz nada e não move um músculo.
— Eu sou o sujeito mais forte e mais poderoso que já existiu — avisa Anansi ao boneco de piche. — Sou mais feroz que o Leão, mais rápido que o Guepardo, mais forte que o Elefante, mais terrível que o Tigre. — Ele enche o peito de orgulho por sua força, seu poder e sua ferocidade, esquecendo-se de que era apenas uma pequena aranha. — Tenha medo — ameaça. — Tenha muito medo.
Pode sair correndo.
O boneco de piche não tem medo e nem corre. Para falar a verdade, fica lá parado. Então Anansi bate nele. A mão de Anansi fica grudada.
— Solta a minha mão — diz ao homem de piche. — Solta senão eu te bato na cara.
O homem de piche não diz nada, não mexe um dedinho sequer, e Anansi bate nele, um soco bem dado na cara.
— Certo. Brincadeira tem limite. Você pode segurar as minhas duas mãos se quiser, mas eu tenho mais quatro e duas ótimas pernas. Você não consegue segurar tudo isso, então me solta que eu pego leve com você.
O boneco de piche não solta as mãos de Anansi e não diz uma palavra, então Anansi bate nele com todas as mãos e o chuta com os pés, um de cada vez.
— Certo, então. Me solta senão eu te mordo. — E então o piche enche sua boca e cobre seu nariz e seu rosto.
Assim encontraram Anansi na manhã seguinte, quando a mulher e os filhos saíram pela plantação de ervilha para ir até o pé de fruta-pão: todo grudado no boneco de piche, e morto de verdade.
Não ficaram surpresos ao ver que ele estava ali morto.
Naquela época, era assim que as pessoas costumavam encontrar Anansi.
6
no qual Fat Charlie não consegue chegar em casa, nem mesmo de táxi
Daisy acordou com o despertador. espreguiçou-se na cama feito um gatinho. Podia ouvir o barulho do chuveiro, o que significava que a moça que morava com ela já tinha acordado. Colocou um robe felpudo cor-de-rosa e foi até o corredor.
— Você quer mingau? — perguntou através da porta.
— Não estou muito a fim. Mas, se você fizer, eu como.
— Sem dúvida você sabe como fazer uma mulher se sentir desejada — disse. Foi para a cozinha americana e colocou o mingau para cozinhar.
Voltou para o quarto, colocou as roupas de trabalho e se olhou no espelho. Fez uma careta. Prendeu o cabelo num coque apertado, atrás da cabeça.
Sua colega de apartamento, Carol — uma mulher branca, nascida em Preston, de rosto fino —, pôs a cabeça para fora do quarto. Enxugava vigorosamente os cabelos com uma toalha.
— O banheiro é todo seu. Como está o mingau?
— Acho que precisa dar uma mexidinha.
— Onde você esteve noite passada? Disse que ia sair pra beber e comemorar o aniversário da Sybilla, mas não voltou mais.
— Não é da sua conta, ok? — Daisy foi até a cozinha e mexeu o mingau. Colocou um pouco de sal e mexeu um pouco mais. Pôs o mingau em duas tigelas e acomodou-as sobre o balcão. — Carol? O mingau vai esfriar.
Carol apareceu, sentou-se e ficou olhando para o mingau. Não estava completamente vestida.
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