Inclinou-se para a frente, a observar Ellie atentamente. Era óbvio que estava interessado em ver como ela reagiria ao que ele ia dizer.
— A Mensagem parou no momento em que ativamos a Máquina. No momento em que os benzels atingiram a velocidade de cruzeiro. Com uma precisão de segundo. Em todo o mundo. Todos os radiobservatórios com uma linha de mira para Vega viram a mesma coisa. Resolvemos não lho dizer, para não lhe distrair a atenção do seu relato. A Mensagem terminou em meio-de-bit. Isso foi realmente estúpido da sua parte.
— Não sei nada a esse respeito, Michael. Que importância tem que a Mensagem tenha parado? Tinha cumprido o seu objetivo. Nós construímos a Máquina e fomos a… aonde eles queriam que fôssemos.
— Coloca-a numa situação peculiar — insistiu Kitz.
De súbito, ela viu aonde ele pretendia chegar. Não esperara aquilo. Ele alegava conspiração, mas ela estava a considerar loucura. Se Kitz não estava doido, poderia ela estar? Se a nossa tecnologia podia fabricar substâncias indutivas de ilusões, não poderia uma tecnologia muito mais avançada induzir alucinações coletivas altamente minuciosas e pormenorizadas? Por um momento, apenas, pareceu-lhe possível.
— Imaginemos que estamos na semana passada — dizia ele. — Supõe-se que as ondas de rádio que chegam neste momento à Terra foram emitidas de Vega há vinte e seis anos. Levam vinte e seis anos para atravessar o espaço e chegar até nós. Mas há vinte e seis anos, doutora Arroway, não havia instalações Argus nenhumas e você andava a dormir com viciados de LSD e a lamuriar por causa do Vietnam e do Watergate. Vocês são muito espertos, mas esquecem-se da velocidade da luz. Não existe nenhuma maneira de a ativação da Máquina poder desligar a Mensagem antes de decorridos vinte e seis anos — a não ser que no espaço normal se possa enviar uma mensagem a uma velocidade maior do que a da luz. Mas nós ambos sabemos que isso é impossível. Lembro-me de você se queixar da estupidez de Rankin e Joss por não saberem que não se pode viajar mais rapidamente do que a luz. Surpreende-me que tenha pensado que se podia safar com esse estenderete.
— Escute, Michael. Isso relaciona-se com a maneira como conseguimos ir daqui lá e regressar em quase tempo plano nenhum. Vinte minutos, de qualquer modo. Pode ser «causa» na vizinhança de uma singularidade. Não sou especialista nisso. Devia falar com o Eda ou o Vaygay.
— Obrigado pela sugestão — agradeceu Kitz. — Já falamos.
Ellie imaginou Vaygay submetido a um interrogatório comparavelmente rigoroso efetuado pelo seu velho adversário Arkhangelsky ou por Baruda, o homem que propusera que se destruíssem os radiotelescópios e queimassem os dados. Provavelmente, eles e Kitz viam as coisas do mesmo modo naquela questão embaraçosa. Esperou que Vaygay estivesse a agüentar-se bem.
— A senhora compreende, doutora Arroway. Tenho a certeza de que compreende. Mas deixe-me explicar de novo. Talvez possa indicar-me se e onde me escapou alguma coisa. Há vinte e seis anos, aquelas ondas de rádio estavam a partir para a Terra. Agora imagine-as no espaço entre Vega e aqui. Ninguém pode alcançar as ondas de rádio depois de elas deixarem Vega. Ninguém as pode deter. Mesmo que o emissor soubesse instantaneamente — através do buraco negro, se assim o deseja — que a Máquina tinha sido ativada, decorreriam vinte e seis anos antes de os sinais parar de chegarem à Terra. Os seus Veganianos não poderiam saber há vinte e seis anos quando a Máquina ia ser ativada. E com uma precisão de minuto. Seria preciso enviar um recado para trás no tempo, para vinte e seis anos no passado, para a Mensagem parar em 31 de Dezembro de 1999. Está a acompanhar o meu raciocínio, não está?
— Estou, sim. Isto é território completamente inexplorado. Sabe, não é por acaso que se chama um continuum espaço-tempo. Se eles são capazes de fazer alguma espécie de túneis através do tempo, o fato de termos chegado um dia antes demonstra que têm, pelo menos, uma espécie de viagem no tempo limitado. Por isso, assim que partimos da estação, talvez tenham enviado uma mensagem vinte e seis anos para trás no tempo, a fim de cortar a transmissão. Não sei.
— Compreende como é conveniente para si que a Mensagem tenha parado precisamente agora. Se ainda estivesse a emitir, poderíamos encontrar o seu satelitezinho, apreendê-lo e voltar com a fita da transmissão. Isso constituiria prova definitiva de logro. Sem ambigüidade nenhuma. Mas você não podia correr esse risco. Por isso, está reduzida a conversa fiada a respeito de buracos negros. O que provavelmente é embaraçoso para si.
Fingiu-se preocupado.
Era como uma fantasia paranóica em que uma manta de retalhos de fatos inocentes se reconstituía numa conspiração complicada. Naquele caso, os fatos não se podiam considerar correntes e era lógico que as autoridades experimentassem outras explicações possíveis. Mas a maneira como Kitz enumerava os acontecimentos era tão odiosa que, parecia-lhe, revelava alguém verdadeiramente ferido, com medo, sofrendo. Na sua mente, a possibilidade de tudo aquilo ser uma alucinação coletiva diminuiu um pouco. Mas a cessação da transmissão da Mensagem — se acontecera como Kitz dissera — era preocupante.
— Ora eu digo a mim próprio, doutora Arroway, que vocês, cientistas, punham os miolos para engendrar tudo isto e a motivação também. Mas, sozinhos, não dispunham dos meios. Se não foram os Russos que puseram este satélite lá em cima para vocês, podia ter sido qualquer de meia dúzia de outras autoridades nacionais de lançamento para o espaço. Mas nós investigamos isso tudo. Ninguém lançou um satélite de vôo livre nas órbitas apropriadas. Só resta, assim, a capacidade de lançamento privada. E a possibilidade mais interessante que chegou ao nosso conhecimento é um tal Mister S. R. Hadden. Conhece-o?
— Não seja ridículo, Michael. Falei consigo acerca do Hadden antes de ir lá acima, ao Methuselah.
— Só queria ter a certeza de que estávamos de acordo nos pormenores fundamentais. Experimente esta possibilidade, por exemplo: você e o russo congeminam o plano. Você convence o Hadden a financiar as primeiras fases — a concepção do satélite, a invenção da Máquina, a criptogravação da Mensagem, a contrafação dos estragos causados pela radiação e tudo o mais. Em troca, depois de ser posto em andamento o Projeto da Máquina, ele pode meter as mãozinhas numa parte desses dois bilhões de dólares. A idéia agrada-lhe. Pode haver enorme lucro na negociata e, a julgar pelos antecedentes, ele adoraria embaraçar o Governo. Quando você encalha na descriptogravação da Mensagem, quando não consegue encontrar o tal manual de instruções, vai até lá consultá-lo. Ele diz-lhe onde deve procurar. Isso também foi descuidado. Teria sido melhor se você o descobrisse sozinha.
— É demasiado descuidado — opinou Der Heer. — Uma pessoa que estivesse realmente a perpretar uma vigarice não…
— Ken, estou surpreendido consigo. Tem sido muito crédulo, sabe? Está a demonstrar exatamente por que razão a Arroway e os outros acharam que seria inteligente pedir o conselho de Hadden. E certificarem-se de que nós sabíamos que ela ia vê-lo.
Voltou a concentrar a sua atenção nela:
— Doutora Arroway, tente ver a questão do ponto de vista de um observador neutro…
Kitz foi pressionando, fazendo novos padrões fulgurantes de fatos encaixar-se no ar diante dos seus olhos, reescrevendo anos inteiros da vida dela. Ellie não imaginara que ele fosse estúpido, mas também nunca imaginara que fosse tão inventivo. Talvez tivesse recebido ajuda. Mas o propulsante emocional para aquela fantasia toda vinha do próprio Kitz.
Mostrava-se cheio de gestos expansivos e de floreados de retórica. Aquilo não era meramente uma coisa que fizesse parte do seu trabalho. Aquele interrogatório, aquela interpretação alternativa de acontecimentos, despertara nele qualquer coisa de apaixonado. Passados momentos, julgou perceber do que se tratava. Os Cinco tinham regressado sem resultados que permitissem quaisquer aplicações militares imediatas, sem qualquer capital político, apenas com uma história que era insuperavelmente estranha. E essa história tinha certas implicações. Kitz era agora senhor do mais devastador arsenal da Terra, enquanto os zeladores estavam a construir galáxias. Ele era um descendente direto de uma progressão de líderes, americanos e soviéticos, que tinham engendrado a estratégia do confronto nuclear, enquanto os zeladores eram um amálgama de diversas espécies de mundos separados a trabalhar conjuntamente, em harmonia. A sua própria existência era uma reprovação muda. E imaginasse-se depois a possibilidade de o túnel poder ser ativado do outro lado, de não haver nada que ele pudesse fazer para o impedir. Eles podiam chegar aqui num instante.
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