No Wyoming e no Uzbequistão tinham sido criadas novas indústrias e erguiam-se no solo cidades novas inteiras. O preço era suportado desproporcionalmente pelas nações industriais, claro, mas o preço pro rata para toda a gente da Terra era qualquer coisa como cem dólares por ano. Para um quarto da população terrestre, cem dólares era uma fração significativa do rendimento anual. O dinheiro gasto com a Máquina não produzia diretamente bens ou serviços. Mas era considerado um bom negócio no aspecto da estimulação de nova tecnologia, mesmo que a própria Máquina nunca funcionasse.
Havia muito quem achasse que o ritmo fora demasiado rápido, que cada passo deveria ser compreendido antes de se avançar para o seguinte. Se, assim, a construção da Máquina levasse gerações, argumentava-se, que importância teria isso? Distribuir os custos de desenvolvimento ao longo de décadas diminuiria o peso que a construção da Máquina representasse para a economia mundial. De muitos pontos de vista, isto constituía um conselho prudente, mas difícil de pôr em prática. Como se podia desenvolver apenas um componente da Máquina? Por todo o mundo, cientistas e engenheiros de diversas convicções disciplinares pressionavam para serem deixados livres naqueles aspectos da Máquina que se sobrepunham às suas áreas de especialidade.
Alguns receavam que, se a Máquina não fosse construída rapidamente, nunca o seria. A presidente americana e o premier soviético tinham comprometido as suas nações na construção da Máquina. Isto não estava garantido no caso de todos os possíveis sucessores. Além disso, por razões pessoais perfeitamente compreensíveis, os que controlavam o projeto desejavam vê-lo concluído enquanto ainda ocupavam cargos de responsabilidade. Havia quem argumentasse que existia uma freqüência intrínseca numa mensagem transmitida em tantas freqüências. Tão nitidamente e durante tanto tempo. Não nos estavam a pedir que construíssemos a Máquina quando estivéssemos preparados para isso. Pediam-nos que a construíssemos já. O ritmo acelerava-se.
Todos os subsistemas iniciais se baseavam em tecnologias elementares descritas na primeira parte do manual. Os testes determinados tinham sido feitos e passados sem grandes dificuldades. À medida, porém, que os subsistemas posteriores mais complexos foram sendo testados, notaram-se falhas ocasionais. Isto era aparente em ambas as nações, mas mais freqüente na União Soviética. Visto ninguém saber como os componentes funcionavam, geralmente era impossível recuar da falha detectada para a identificação do passo mal dado no processo de fabrico. Nalguns casos, os componentes eram feitos em paralelo por dois fabricantes diferentes, com competição nos capítulos de rapidez e precisão. Se havia dois componentes e ambos tinham passado nos testes, cada nação tinha tendência para escolher o produto doméstico. Assim, as Máquinas que estavam a ser montadas nos dois países não eram absolutamente idênticas.
Finalmente, em Wyoming, chegou a altura de começar a integração de sistemas, a junção dos componentes separados numa Máquina completa. Parecia provável que fosse a parte mais fácil do processo de construção. Parecia igualmente provável que tudo ficasse concluído em um ano ou dois. Alguns pensavam que a ativação da Máquina acabaria com o mundo mesmo na data certa.
Os coelhos eram muito mais astutos no Wyoming. Ou menos. Era difícil dizer. Os faróis do Thunderbird tinham iluminado um coelho perto da estrada mais de uma vez. Mas centenas deles dispunham-se em fileiras… Esse costume, aparentemente, ainda não se propagara do Novo México ao Wyoming. Ellie achava que a situação aqui não era muito diferente da de Argus. Havia uma importante instalação científica rodeada por dezenas de milhares de quilômetros quadrados de paisagem encantadora e quase desabitada. Ela não dirigia o espetáculo e não fazia parte da tripulação, mas estava ali, a trabalhar num dos maiores empreendimentos jamais imaginados. Sem dúvida, acontecesse o que acontecesse depois da Máquina ser ativada, a descoberta de Argus seria considerada um ponto de viragem da história humana.
Precisamente no momento em que se tornava necessária uma força unificadora suplementar qualquer, caíra aquele raio do céu. De vinte e seis anos-luz de distância, de duzentos e trinta bilhões de quilômetros. É difícil pensarmos na nossa lealdade principal como escoceses, ou eslovenos, ou szechwaneses quando estamos todos a ser indiscriminadamente saudados por uma civilização milênios à nossa frente. O fosso entre a nação tecnologicamente mais atrasada da Terra e as nações industrializadas era, com certeza, muito mais pequeno do que o fosso entre as nações industrializadas e os seres de Vega. Subitamente, distinções que antes tinham parecido tremendas — raciais, religiosas, nacionais, étnicas, lingüísticas, econômicas e culturais — começaram a parecer um pouco menos prementes.
«Somos todos humanos» — era uma frase que ultimamente se ouvia com freqüência. Era extraordinária a pouca freqüência com que, em décadas anteriores, tinham sido manifestados sentimentos desta natureza, especialmente nos media. Compartilhamos o mesmo pequeno planeta, dizia-se, e — muito aproximadamente — a mesma civilização global. Era difícil imaginar os extraterrestres tomando a sério a reivindicação de atendimento preferencial feita por representantes de uma ou outra facção ideológica. A existência da Mensagem — mesmo independentemente da sua função enigmática — estava a unir o mundo. Via-se isso acontecer diante dos olhos.
A primeira pergunta da mãe quando soube que Ellie não tinha sido escolhida foi: «Choraste?» Sim, chorara. Era natural. Havia, claro, uma parte dela que ansiava por embarcar. Mas Drumlin fora uma escolha de primeira categoria, dissera à mãe.
Os Soviéticos não tinham tomado nenhuma decisão entre Lunacharsky e Arkhangelsky; «treinar-se-iam» ambos para a missão. Era difícil entender qual poderia ser o treino adequado para além de compreenderem a Máquina o melhor que eles, ou quaisquer outros, pudessem. Alguns americanos alegavam, acusadores, tratar-se isso, apenas, de uma tentativa dos Soviéticos para terem dois porta-vozes principais na questão da Máquina, mas Ellie pensava que semelhante acusação era mesquinha. Tanto Lunacharsky como Arkhangelsky eram extremamente competentes. Perguntava a si mesma como decidiriam os Soviéticos qual deles enviar. Lunacharsky encontrava-se nos Estados Unidos, mas não ali, no Wyoming. Estava em Washington com uma delegação de alto nível soviética, numa reunião com o secretário de Estado e Michael Kitz, recentemente promovido a secretário-adjunto da Defesa. Arkhangelsky regressara ao Uzbequistão.
A nova metrópole que crescia no deserto de Wyoming chamava-se Máquina: Machine, Wyoming. A sua correlativa soviética recebera o nome russo equivalente: Makhina. Cada uma era constituída por um complexo de residências, serviços públicos, bairros comerciais e residenciais e — sobretudo — fábricas. Algumas eram despretensiosas, pelo menos exteriormente. Mas a outras bastava um simples olhar para detectar os seus aspectos singulares: cúpulas e minaretes, quilômetros de complicada tubagem exterior. Só as fábricas que eram consideradas potencialmente perigosas — as que fabricavam os componentes orgânicos, por exemplo — se encontravam ali, no deserto de Wyoming. As tecnologias melhor compreendidas estavam distribuídas por todo o mundo. O núcleo do conjunto de novas indústrias era a Instalação de Integração de Sistemas, construída perto do que em tempos fora Wagonwheel, Wyoming, para onde os componentes completados eram enviados. Às vezes, Ellie via chegar um componente e tinha consciência de que fora o primeiro ser humano a vê-lo como o desenho de um projeto. Sempre que alguma peça nova era desencaixotada, ia a correr inspecioná-la. Quando os componentes eram montados um após outro e os subsistemas passavam nos testes prescritos, sentia uma espécie de satisfação que julgava semelhante ao orgulho maternal.
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