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James White: Médico espacial

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James White Médico espacial

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Comeu rapidamente, sentindo que tinha de melhorar o seu moral. Isso fê-lo perguntar a si próprio se a Murchinson estaria de serviço, de folga ou a dormir. Se ela estivesse a dormir não poderia fazer nada; se ela estivesse de serviço não tardaria a tirá-la dele, e quando ela estivesse livre…

Por estranho que parecesse, quase não sentia peso na consciência por esse vergonhoso abuso de autoridade, com fins absolutamente egoístas. Mas a Murchison estava exactamente a sair de serviço, de modo que ele não teve de cometer o crime que pensara em cometer. No mesmo tom alto e demasiado alegre que considerara artificial quando o ouvira na sala de jantar, perguntou se ela tinha algum compromisso, sugeriu um encontro e murmurou qualquer coisa horrível sobre só se pensar em trabalho e nada em divertimentos…

— Compromisso…? Divertimento..! Mas eu quero é dormir! — protestou ela. Depois, num tom mais razoável, acrescentou: — Não pode ser… Quero dizer: para onde iríamos, que faríamos? Isto está tudo destroçado. Bem, tenho de mudar de roupa?

— O piso de recreio continua no seu lugar e parece estar em perfeitas condições.

O uniforme das enfermeiras era constituído por uma blusa azul e calças, tudo muito apertado para facilitar a entrada e saída dos fatos de pressão. Ficava bem à Murchison, mas ela parecia esgotada. Quando ela desapertou o largo cinto branco, com as bolsas dos instrumentos e retirou a touca e a rede do cabelo, Conway rosnou e teve imediatamente um ataque de tosse porque a sua garganta ainda estava magoada de fazer ruídos alienígenas.

A Murchison riu-se, abanou os cabelos e esfregou o rosto para trazer às faces um pouco de cor. Disse: — Prometes que não me demoras até muito tarde?

No caminho para o piso de recreio foi difícil não falar do trabalho. Muitas secções do Hospital tinham perdido pressão e os pisos habitáveis estavam cheios de gente. Era uma situação que ninguém previra. Não tinham esperado que o inimigo recorresse a uma guerra limitada. Se tivessem sido usadas armas atómicas não havia acumulação de pessoas, nem hospital, provavelmente. A maior parte do tempo, Conway não escutou o que a Murchison dizia, mas ela pareceu não dar por isso. Talvez porque também não o escutava.

O piso de recreio estava na mesma, mas os pormenores tinham sido alterados de uma maneira dramática. O centro» de gravidade do Hospital estava acima do piso, a pouca atracção que havia ali exercia-se de baixo para cima, e tudo quanto normalmente assentava no chão ou na baía estava agora no tecto, formando um caos translúcido de água com veios de areia, bolsas de ar e globos de água através do qual o sol submerso brilhava com uma luz roxa, forte.

— Oh, que belo! — exclamou a Murchison. — E calmo!

A luz dava à pele dela uma cor quente, escura, que era absolutamente indescritível, mas bela. Os lábios dela — de um roxo suave, quase negro — estavam ligeiramente entreabertos, mostrando dentes que pareciam, quase irisados, os olhos dela eram grandes, misteriosos, luminosos.

— Não é calmo. E romântico!

Lançaram-se suavemente na direcção do restaurante. Passaram sobre a copa das árvores e atravessaram uma pequena cortina de nevoeiro — vapor produzido pelo sol submerso — que cobriu de gotas os seus rostos e os seus braços. Conway pegou na mão dela e agarrou-a suavemente, mas as velocidades de ambos não eram exactamente iguais e começaram a girar em torno do seu centro de gravidade. Conway dobrou o cotovelo um pouco, puxando-a para ele, e a rapidez com que giravam aumentou. Depois ele passou o braço pela cintura dela e puxou-a para si.

Ela começou a protestar e depois, subitamente, gloriosamente, começou a beijá-lo e a agarrar-se a ele com tanto ardor como ele se agarrava a ela, e a baía vazia, as arribas e o céu roxo e aguado giraram loucamente à volta deles.

Num canto calmo e impessoal do seu espírito, Conway pousou que a sua cabeça estaria de qualquer maneira a andar à roda mesmo que o seu corpo não estivesse — o beijo era dessa espécie. Deslizaram suavemente até ao cimo da arriba, do outro lado da baía, e separaram-se a, rindo.

Usaram os arbustos artificiais para se impelirem na direcção do que fora o restaurante. Lá dentro estava escuro e juntara-se muita água sob o tecto transparente e as partes interiores dos chapéus junto das mesas. A água pendia em esferas que pareciam frutos frágeis, estranhos, e que se agitavam ligeiramente à passagem deles ou explodiam em centenas de pequenos glóbulos prateados quando eles chocaram contra uma mesa. Era corno um mundo de sonho — e um sonho em que os desejos se realizavam inteiramente. O corpo escuro, adorável, da Murchison, a flutuar a seu lado, não deixava dúvidas quanto a isso.

Sentaram-se junto a uma das mesas, mas com muito cuidado para não deslocarem! a água do chapéu que a cobria. Conway pegou na mão dela, enquanto se seguravam às cadeiras com as outras mãos. Disse: — Preciso de falar contigo.

Ela sorriu-se, um pouco desconfiada.

Conway tentou falar. Tentou dizer as coisas que ensaiara muitas vezes, mas o que surgiu foram palavras soltas. Era bela. Ele amava-a e teria passado meses a colocá-la numa situação onde ela não pudesse dizer outra coisa senão sim. Mas agora não havia tempo para fazer as coisas como era devido. Pensava constantemente nela e mesmo durante a operação do TELHA fora a pensar nela que se conseguira aguentar até ao fim. E durante todo o bombardeamento preocupara-se…

— E eu preocupei-me contigo — disse ela, suavemente. — Estavas em toda a parte, e cada vez que éramos atingidos… Sabias sempre exactamente o que se devia fazer… e eu tinha medo que morresses…

O rosto dela estava na sombra, o uniforme húmido prendia-se à carne. Conway sentiu a boca seca.

Ela disse num tom caloroso: — Foste maravilhoso naquele dia com o TELHA. Foi como se trabalhasse com um diagnosticador. Sete gravações, disse O’Mara. Eu… pedi-lhe para me dar uma, primeiro, para te ajudar.

Mas ele disse que não porque… — Ela hesitou e desviou

o olhar —… porque segundo afirmou, as mulheres são muito esquisitas, quanto a quem toma posse delas. Dos espíritos delas, quero dizer…

— Esquisitas até que ponto? — Perguntou Conway. — Com os amigos também?

Ele inclinou-se para a frente, quando falou, largando a cadeira a outra mão subiu subitamente e bateu contra o chapéu e tocou com a testa num dos globos flutuantes. Quando a tensão superficial o quebrou, ele abateu-se li timidamente sobre todo o seu rosto. Afastou a água, tornando-a numa nuvem de pequenas gotas luminosas. Foi então que viu aquilo.

Foi a única nota discordante no seu sonho — um monte de mísseis desarmados, num canto da sala. Estavam presos ao chão por cintas e seguros por uma rede, para o caso das cintas serem abaladas por uma explosão. A rede estava solta. Sempre agarrado à Murchison, procurou o bordo da rede e levantou-a do chão.

— Não podemos falar devidamente a flutuar, no ar — Disse ele com toda a calma. — Queres entrar?

Talvez a rede fosse demasiado semelhante a uma teia de aranha. Ele sentiu que ela hesitava. A mão que jurava estava a tremer.

— Eu… sei o que senti — disse ela sem olhar para ele. — Também gosto de ti. Talvez até mais do que isso. Mas não está certo. Não temos tempo nenhum. Isto é egoísmo. Não posso deixar de pensar em todos esses homens nos corredores, e nas vítimas que estão sempre a chegar. Temos de pensar nos outros. E por isso…

— Obrigado — disse Conway, furioso. — Obrigado por me recordares o meu dever.

— Por favor! — Gritou ela, e subitamente agarrou-se de novo a ele, a cabeça contra o peito. — Não quero magoar-te nem quero que me odeies. Nunca pensei que a guerra fosse tão horrível. Estou assustada. Não quero que morras e me deixes sozinha. Por favor, agarra-me bem e… e diz-me o que devo fazer…

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